Uma vacina capaz de impedir o avanço da doença de Chagas e atenuar danos causados por essa enfermidade acaba de ser testada com sucesso em camundongos no Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Os animais apresentaram melhora significativa na sua função cardíaca.
Os resultados foram apresentados por pesquisadores do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, do Centro de Pesquisas René Rachou (também da Fiocruz), das universidades federais Fluminense, de Minas Gerais, de Santa Catarina e de São Paulo e da Universidade de Massachusetts Medical School, nos Estados Unidos, todos ligados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCTV). O estudo foi publicado em janeiro deste ano na revista científica PloS Pathogens.
A doença de Chagas é uma infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e seu principal vetor é o inseto popularmente conhecido como barbeiro. Na fase aguda da doença, são comuns sintomas como inflamação do miocárdio (que pode resultar em dor no peito, batida anormal do coração e parada cardíaca) e do cérebro e meninges. Na fase crônica, aproximadamente 30% dos portadores da enfermidade desenvolvem sua forma cardíaca, que pode levar a arritmias graves e insuficiência cardíaca. De acordo com dados do Ministério da Saúde, cerca de 2 a 3 milhões de pessoas são portadoras da doença em sua forma crônica no Brasil.
Desde 2004, o grupo do INCTV, que reúne cientistas de diversas áreas, trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra a doença. Batizada de rAdVax, a vacina usa um adenovírus (vírus muito comum na população) modificado para transportar pequenas sequências genéticas de duas diferentes fases da vida do T. cruzi. Esses elementos são capazes de estimular a resposta imunológica do organismo nas duas fases da doença.
Profilaxia e tratamento
Em testes iniciais com camundongos, os pesquisadores tiveram sucesso ao prevenir a infecção pelo parasita. Então eles passaram a testar a formulação em animais já infectados, como uma vacina terapêutica, para evitar a progressão dos sintomas.
“Foi observado aumento de sobrevida nos camundongos que receberam o tratamento”, conta Joseli Lannes, bióloga do Instituto Oswaldo Cruz e coordenadora do estudo. “Após 200 dias, todos os animais infectados e não tratados com a vacina estavam mortos, enquanto 87% dos infectados que receberam o tratamento haviam sobrevivido”, explica a pesquisadora.
Ainda nos animais tratados, a vacina promoveu a melhora dos batimentos cardíacos – que chegaram a ficar próximos do normal – e a redução da fibrose decorrente da degeneração do tecido cardíaco.
“A técnica se mostrou eficiente e, pela primeira vez, temos uma preparação vacinal para uma doença negligenciada que, além de proteger da infecção, é capaz de reverter os danos já instalados por meio da reprogramação da resposta imunológica feita com a vacina”, comenta Lannes. “Os tratamentos atuais são os mesmos de quem apresenta uma alteração cardíaca de outra natureza; com a rAdVax, estamos trazendo a possibilidade de tratar a própria causa”, ressalta a pesquisadora.
Em alguns países da América Latina, como Bolívia e México, os animais (cães, principalmente) também são infectados com a doença de Chagas de forma muito parecida com os humanos. Para tentar diminuir esse ciclo de infecção, os pesquisadores pretendem iniciar, entre o final de 2015 e o início de 2016, testes com uma vacina para uso veterinário. Somente depois dessa fase devem prosseguir com o desenvolvimento da vacina para humanos portadores da doença.
Everton Lopes
Ciência Hoje On-line