Biotecnologia contra a seca

Temperaturas mais altas, falta d´água e desertificação estão entre as previsões para as próximas décadas. Esse cenário ameaça especialmente a agricultura brasileira, uma das principais atividades econômicas do país. A notícia boa é que pesquisadores identificaram no café um gene com potencial de tornar plantas resistentes à seca.

A partir do sequenciamento do genoma do café, uma iniciativa da Embrapa e de outras instituições brasileiras concluída em 2004, os pesquisadores começaram a estudar os genes da planta e a procurar neles características desejáveis que pudessem melhorar a produção agrícola nacional, como a resistência à seca.  

“O café é muito sensível à falta d’água e sofre bastante com as variações climáticas”, afirma Marcio Alves Ferreira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esse gene poderia melhorá-lo geneticamente e facilitar sua adaptação”, avalia Ferreira, que divide com Eduardo Romano, da Embrapa, a coordenação da pesquisa, desenvolvida pela biomédica Fernanda Cruz em parceria com laboratórios na Argentina e Alemanha.

“O café é muito sensível à falta d’água e sofre bastante com as variações climáticas”

De 30 mil genes considerados promissores, os pesquisadores inicialmente selecionaram seis, com a ajuda de um programa de computador. Depois de uma avaliação laboratorial, chegaram a dois genes. Ambos foram investigados em uma planta de fácil cultivo, considerada modelo na genética, da espécie Arabidopsis thaliana

Finalmente, o gene batizado de CAHB12 foi identificado como aquele capaz de conferir uma maior tolerância à seca, pois se expressava quando a planta era submetida à escassez de água.

Proteção de fato

No entanto, não necessariamente todos os genes expressos na condição de seca estão diretamente envolvidos com a proteção da planta a esse estresse, explica Ferreira. 

Portanto, restava saber se o CAHB12 estava realmente relacionado com respostas adaptativas ao déficit hídrico no café. Para isso, os pesquisadores submeteram plantas da espécie Coffea arabica, a mais utilizada comercialmente, a períodos de até dez dias sem água. 

O grupo pôde verificar que, na falta d’água, a expressão desse gene ia aumentando progressivamente, ou seja, quanto mais seco ficava o ambiente, maior era a contribuição desse gene na adaptação da planta ao estresse hídrico. 

Mudas transgênicas
Plantas não-transgênicas, à esquerda, contrastam com as que foram modificadas, mais resistentes à seca. (foto: ACE Embrapa)

Confirmada a capacidade de proteção do gene à seca, o passo seguinte foi cloná-lo e transferi-lo, por meio de uma bactéria usada como vetor, para o DNA de uma planta modelo. 

Nessa planta, o gene de tolerância à seca passou a ser expresso o tempo todo, em altos níveis, independentemente de ser ou não submetido à falta d’água. Essa expressão constitutiva foi induzida artificialmente e analisada pelos pesquisadores. 

“Os resultados mostraram que o gene não só confere a característica como pode transmiti-la às futuras gerações”, acrescenta Ferreira.

Desafios naturais

Até agora, os testes foram feitos apenas em plantas de laboratório, mas a equipe adianta que pretende testar em campo a resistência à seca em plantas como soja, cana-de-açúcar e algodão.

De acordo com Ferreira, essas mudas são mais fáceis e rápidas de serem manipuladas em laboratório do que o café, que demora de cinco a dez anos para ser geneticamente modificado. Além de a aplicação da técnica apresentar dificuldades nessa espécie, a produção de sementes de café é mais demorada.

Cafezal
Embora o gene capaz de conferir resistência à seca tenha sido identificado no café, os testes em campo serão feitos com outras plantas. Além de apresentar dificuldades técnicas em sua manipulação, o café requer um período mais longo para a produção de sementes. (foto: Daniel Mitsuo / CC BY-NC 2.0)

Os cientistas esperam que até o ano que vem já tenham conseguido modificar geneticamente essas outras espécies. Mas Ferreira alerta que a comercialização das plantas transgênicas resistentes à seca depende ainda dos resultados de novos experimentos.

“Se essas plantas responderem como a modelo, não deve demorar muito para que cheguem ao mercado. Algo como de cinco a dez anos”, estima. 

Se as plantas responderem como a modelo, deve demorar de cinco a dez anos para chegarem ao mercado

Ferreira lembra que os testes de tolerância à seca não são os únicos relevantes. O potencial impacto desses organismos transgênicos no meio ambiente também preocupa a equipe. “Essas plantas precisam ser isoladas de modo diferenciado. Isso porque o gene modificado leva uma característica nova à planta e precisamos entender até que ponto ela pode ser invasiva e causar impactos ecológicos.”

O grupo pretende ainda, em paralelo aos testes com o gene do café resistente à seca, estudar o genoma da soja. A expectativa é que se descubra em seus genes a mesma característica encontrada no gene do café, o que poderia minimizar os eventuais impactos adversos por se tratarem de alterações genéticas dentro da mesma espécie de planta.  

A Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao lado da Embrapa, já fez o depósito de patente da descoberta junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial. “O que estamos patenteando não é o gene, o que, aliás, é proibido no Brasil, mas o processo que leva à tolerância ao estresse hídrico e modifica a expressão gênica”, esclarece Ferreira.

 

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line