Brasil resgata sua infância

 Uma equipe de 120 pesquisadores está próxima de demolir o mito segundo o qual o Brasil é um país sem memória: eles reuniram, organizaram e catalogaram 80% de toda a documentação do Brasil colônia, no maior projeto de documentação já realizado em 500 anos de história.

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Documentos originais (como o manuscrito e o mapa acima) podem ser consultados sob a forma de microfilmes (‘fotos’ dos documentos)

 

Professores, estudantes e voluntários de todo o país participam do projeto que, em mais de 10 anos, já reuniu mapas coloniais e manuscritos que incluem ofícios, petições, certidões e outros documentos. Até agora, o saldo tem sido bastante positivo: 279 CDs (só do Arquivo Ultramarino de Lisboa) e 2800 rolos de microfilmes sobre um período de cerca de 3 séculos. É o Brasil de Caminha, Palmares, Tiradentes e da Lei Áurea.

“Mais importante que mostrar esses grandes momentos é ver que processo levou a eles. Isso é o que nos apresentam os manuscritos”, diz a jornalista e documentalista Esther Caldas Bertoletti, coordenadora técnica do Projeto Resgate Barão do Rio Branco. A iniciativa foi assim batizada para homenagear um dos responsáveis pela definição das fronteiras atuais do Brasil, com base em documentos como os catalogados pelo projeto.

 

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Esther Bertoletti, coordenadora do projeto, diante de CDs e catálogos que apresentam os documentos já reunidos

Os documentos históricos do Brasil colônia se dispersavam nos acervos de cada capitania. Não havia meios de espalhar cópias desse material pelo território, pois não havia comunicação eficaz entre as regiões da colônia. A reprodução dos textos devia ser feita manualmente, já que não existiam copiadores automáticos. Além disso, parte dos documentos ia parar em Portugal, por se tratar de assuntos administrativos.

 

Com isso, o historiador brasileiro que quisesse informações reunidas e detalhadas da colônia tinha de atravessar o oceano e passar um bom tempo imerso nas bibliotecas oficiais portuguesas — o que demandava tempo e dinheiro. A criação do Arquivo Ultramarino de Lisboa, na década de 1930, não resolveu esse problema, mas centralizou a informação em um só local.

Com a Independência e a criação dos institutos históricos brasileiros, surgiram movimentos isolados e desorganizados para reunir os documentos. Assim, o problema continuava sem solução definitiva e, por incrível que parecesse, muitas vezes continuava mais interessante ir a Portugal do que pesquisar por aqui.

 

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Prédio do Arquivo Ultramarino de Lisboa

“O reflexo disso foi uma produção científica centralizada basicamente no período pós-colonial, quando os arquivos já se encontravam reunidos”, diz Esther. “Com o Projeto Resgate, já detectamos um aumento de cerca de 30% na quantidade de teses e monografias sobre o Brasil colônia.”

 

Também pudera: o material tem acesso gratuito e está reunido na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Os arquivos públicos de cada estado têm cópias dos microfilmes referentes à documentação daquela região. Assim, basta ao interessado ir ao arquivo mais próximo e tirar cópia do microfilme que desejar.

Outra saída é procurar os kits com a documentação digitalizada em CD-Roms, que estão disponíveis nos arquivos estaduais, nos institutos históricos e em universidades. Índices impressos elaborados por cada instituição também servem de guia de pesquisa.

Agora, a equipe de Esther quer reunir os documentos relativos ao Império e ao início da República, em um projeto batizado de ‘Documenta’, que prevê a disponibilização do material microfilmado na internet. Um caminho ainda longo, porém fundamental para juntar definitivamente os fragmentos de memória de um país jovem, mas com muita história para contar.

 

Confira a lista dos locais que receberam os documentos
reunidos pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco.

Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
29/10/03