Brasileiras patenteiam nova arma contra o câncer

Cinco pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificaram e patentearam uma substância extraída do arbusto abajeru ( Chrysobalanus icaco ) com forte ação antitumoral. Com uma eficiência de 70% a 90%, a substância — o ácido pomólico — mostrou-se eficaz no combate a oito tipos diferentes de câncer. Uma característica particularmente valiosa do ácido, só encontrada em um número muito reduzido de compostos, é sua capacidade de afetar células com resistência a múltiplas drogas (MDR), principal causa da falha de quimioterápicos.

Abajeru ( Chrysobalanus icaco L.) fotografado no Parque Nacional Everglades (Flórida/EUA) por Dan Skean em julho 1983  (reprodução)

Usado popularmente no tratamento da diabetes, o abajeru, encontrado em regiões tropicais da África e América do Sul, foi alvo do estudo da pesquisadora Maria Auxiliadora Kaplan e sua aluna de doutorado, Raquel Oliveira Castilho, do Núcleo de Pesquisa de Produtos Naturais da UFRJ. A doutoranda isolou várias substâncias da planta, das quais três foram testadas para detectar atividade anticancerígena. O ácido pomólico foi o mais efetivo.

“Ele atua induzindo a apoptose, a morte celular programada, nas células cancerosas”, explica a biofísica Cerli Rocha Gattass, chefe do Laboratório de Imunoparasitologia da UFRJ, que coordenou os testes. A substância apresenta ainda uma baixa letalidade de células normais, apenas 12% a 14%, e requer uma menor dose para surtir o mesmo efeito de outros quimioterápicos, como a cisplatina.

A maneira pela qual o ácido consegue evitar a MDR ainda não está esclarecida. A resistência funciona a partir de proteínas que atuam como bombas, expulsando os medicamentos para fora da célula e reduzindo sua efetividade. “O ácido pomólico surpreendeu porque conseguiu afetar células de um tipo de leucemia que expressa MDR — uma das linhagens mais resistentes”, revela a biomédica Vivian Rumjanek, chefe do Laboratório de Imunologia Tumoral e que também coordenou os testes.

 

Células tumorais não tratadas (esq.) e após o tratamento com o ácido pomólico (dir.). Fotos: Janaína Fernandes

As pesquisadoras já registraram a substância no Tratado de Cooperação de Patentes, que cobre 122 países e assegura, por um ano, a propriedade do ácido e do seu uso em tratamentos de câncer. Após esse período, será necessário entrar com o pedido definitivo. A UFRJ ficará com 70% dos recursos gerados, enquanto os 30% restantes serão divididos entre as cientistas.

 

Os próximos passos da pesquisa incluem testes de toxicidade em camundongos e a síntese artificial do ácido, já que o processo de purificação a partir do abajeru produz pouca quantidade. Como essas etapas são caras, a idéia é estabelecer um acordo com uma indústria farmacêutica, melhor equipada para esse tipo de tarefa.

As cientistas lembram que, apesar dos resultados encorajadores, a pesquisa está em uma fase preliminar e testes em humanos ainda vão demorar. Além disso, o ácido pomólico só pode ser extraído do abajeru com processos complexos. “O chá do abajeru não contém o ácido e bebê-lo pode até ser prejudicial”, alerta a bióloga Janaína Fernandes, aluna de doutorado de Gattass.

Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ
18/11/03