Brasileiras vão testar vacina contra HPV

 

O Brasil está entre os países que, desde janeiro, vêm testando a vacina contra o HPV (papilomavírus humano, na sigla em inglês) desenvolvida pelo laboratório norte-americano Merck Sharp & Dohme. O objetivo dessa etapa do trabalho, iniciado nos Estados Unidos em 1998, é verificar a eficácia da vacina em grandes grupos populacionais. Além do Brasil e dos EUA, participam da pesquisa países da América Latina, Ásia e Oceania. Em todo o mundo, os testes envolvem 11.500 mulheres.

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Células infectadas pelo vírus HPV

No Brasil foram selecionadas duas mil voluntárias na faixa de 16 a 23 anos que não apresentassem verrugas na região genital nem lesões no colo uterino provocadas pelo HPV. As voluntárias não podiam, além disso, estar grávidas ou pretender engravidar-se durante o primeiro ano do estudo. Em um período de seis meses elas vão receber três doses da vacina e terão, durante os quatro anos do estudo, acesso a métodos contraceptivos e a exames ginecológicos, de sangue e urina.

O Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), em Belo Horizonte, é um dos 15 centros brasileiros envolvidos na pesquisa. De acordo com o chefe do Laboratório de Reprodução Humana do HC, Aroldo F. Camargos, trata-se de uma vacina quadrivalente, contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do HPV, os mais comuns entre os diferentes tipos de vírus causadores de lesões verrucosas e do colo uterino.

O HPV, que atinge cerca de um quarto da população feminina mundial sexualmente ativa, é responsável por 80% dos casos de câncer de colo do útero. Calcula-se que o vírus, transmitido principalmente por meio do contato sexual, também seja responsável por 30-50% dos casos de câncer na vulva.

“A vacina contém parte do vírus HPV que induz a formação de anticorpos contra o microrganismo”, explica Camargos. Além do HC, onde foram vacinadas 100 mulheres, os outros centros de pesquisa brasileiros envolvidos nos testes estão em Campinas, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Ribeirão Preto, Salvador, São José do Rio Preto e São Paulo.

De acordo com a chefe do Grupo de Virologia do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo, Luísa Lina Villa, a maioria dos estudos em andamento são feitos com mulheres sexualmente ativas. “O objetivo é checar a eficácia da vacina em mulheres naturalmente expostas ao vírus pela atividade sexual”, diz. Mas a meta é vacinar jovens de ambos os sexos antes do início da atividade sexual. A experiência acumulada pelo grupo forneceu subsídios para definir as características epidemiológicas das mulheres com risco de se infectar pelo HPV e desenvolver tumores de colo uterino.

A virologista do Instituto Ludwig cita com entusiasmo o resultado de um estudo publicado em 2002 na revista New England Journal of Medicine , feito com uma vacina semelhante à que está sendo testada agora. A equipe liderada por Laura Koutsky, da Universidade de Washington (EUA), mostrou que nenhuma das cerca de 1100 norte-americanas vacinadas desenvolveu infecção por HPV tipo 16 durante dois anos de acompanhamento. “Ainda mais relevante é o fato de que as 41 vítimas de tumores causados por HPV pertenciam ao grupo que recebeu placebo”, conta Villa.

Até o momento, a realização periódica do exame papanicolau é o único meio de prevenção do câncer de colo do útero. “Mas, ainda que se comprove a eficácia da vacina, esse exame deve continuar a ser feito”, defende a virologista. Segundo ela, poderá haver alteração na sua periodicidade mas não o seu descarte, até porque nem todas as mulheres serão vacinadas. Caso os estudos atinjam os objetivos previstos no cronograma atual, a expectativa é de que a nova vacina alcance o mercado em um período estimado entre quatro e seis anos.

 

Obstáculos para o combate à doença:

Como em países em desenvolvimento, no Brasil as taxas de mortalidade por câncer de colo do útero são altas. O Instituto Nacional do Câncer calcula que o número de óbitos causados por câncer de colo do útero no Brasil em 2003 deverá ir além de 4100. No mesmo período, o número de novos casos da doença deverá ultrapassar 16.000. Os estados da região Centro-Oeste apresentam as maiores estimativas brutas de incidência (32,6 por 100 mil mulheres).

Na guerra contra o câncer de colo uterino no Brasil, a falta de um amplo programa de prevenção é o principal inimigo, julga Luísa Villa. Embora lembre que o número de testes papanicolau realizados no país seja elevado, ela destaca que, na maioria das vezes, o exame é feito pelas mesmas mulheres, em geral dos estratos sociais mais altos das áreas urbanas.

“O percentual da população feminina do Brasil que já fez prevenção de câncer de colo uterino ao menos uma vez é inferior a 20%”, diz Villa. Isso a seu ver explica por que nossas taxas são tão mais altas que as de países onde a maioria das mulheres são acompanhadas periodicamente. A virologista aponta ainda a resistência de muitas mulheres a se submeter a exames na região urogenital como um fator cultural que dificulta o combate à doença.

 

HPV usa proteína para fugir ao controle do sistema imune :

Em novembro de 2002, cientistas do Instituto de Medicina Comparativa da Universidade de Glasgow, na Escócia, anunciaram a descoberta da estratégia usada pelo papilomavírus humano (HPV) para driblar a vigilância do sistema imunológico. A descoberta foi feita com um tipo do vírus que infecta vacas, mas os pesquisadores acreditam que os resultados também se apliquem ao HPV. A equipe espera que a descoberta possa levar a um novo tratamento da doença em estágio inicial.

A pesquisa, publicada na revista Oncogene (21:7808-7816), revela que uma proteína do papilomavírus, chamada E5, bloqueia o transporte da molécula MHC de classe 1 para a superfície celular. Essa molécula normalmente agiria como um sinal de alarme para o sistema de defesa de que um vírus está escapando. A proteína E5 está presente em tipos de HPV de alto risco.

Como agora já se sabe como essa proteína atua, é possível desenvolver terapias que a tenham como alvo e a inibam. Com isso, o organismo poderá dar uma resposta imunológica eficaz, interrompendo a infecção precocemente e prevenindo o desenvolvimento do câncer.   

Jonas Rodrigues
Especial para a CH on-line
24/06/03