Brecha para o neandertal

Que características tornam o homem humano? A resposta a esta pergunta, tão buscada pelos cientistas, pode estar começando a tomar forma. Através de uma comparação entre genomas de humanos, chimpanzés e neandertais, uma equipe internacional formada por 56 pesquisadores constatou que o homem moderno possui genes únicos que o diferenciam de outras espécies hominídeas. A descoberta pode ser a chave para a compreensão da identidade humana.

O estudo foi possível graças ao pioneirismo da equipe em iniciar o sequenciamento do genoma dos neandertais, espécie mais próxima dos homens modernos na escala evolutiva. Envolvidos nessa tarefa há quatro anos, os pesquisadores apresentaram a versão inicial da sequência genética em dois artigos publicados na edição da revista Science publicada nesta sexta-feira (07/05).

O sequenciamento ainda permitiu à equipe identificar heranças genéticas dos neandertais nos humanos. Os pesquisadores calculam que entre 1% e 4% do DNA dos homens deriva do genoma desses seus parentes mais próximos. O achado sugere que houve reprodução entre as duas espécies há aproximadamente 80 mil anos.

Ossos de neandertais encontrados em caverna na Croácia
O sequenciamento do genoma dos neandertais foi realizado a partir de pequenas amostras de pó extraído de três ossos datados de mais de 38 mil anos (foto: Max-Planck-Institute EVA).

Conquista sem precedentes

Os avanços em obter a sequência gênica dos neandertais ocorre apenas dez anos depois da decodificação do genoma humano. O trabalho foi baseado na análise de mais de quatro bilhões de nucleotídeos (estruturas formadoras do DNA) extraídos do pó de ossos de três neandertais do sexo feminino.

Os fósseis, datados de mais de 38 mil anos, foram encontrados na caverna Vindija, na Croácia. A versão inicial do sequenciamento representa cerca de 60% do genoma completo.

“Pela primeira vez, podemos identificar as características genéticas que nos distinguem dos outros organismos”

“Ter uma primeira versão do genoma do neandertal satisfaz um sonho de longa data. Pela primeira vez, nós podemos identificar as características genéticas que nos distinguem de todos os outros organismos, incluindo os nossos parentes mais próximos na escala evolutiva”, disse Svante Pääbo, líder da pesquisa e diretor do Departamento de Genética do Instituto Max-Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, em comunicado à imprensa.

Durante o estudo, os pesquisadores usaram técnicas avançadas para eliminar das amostras o DNA de bactérias e microorganismos que colonizaram os ossos ao longo do tempo.

Busca de fósseis neandertais em caverna na Espanha
A equipe na caverna El Sidrón, na Espanha: busca de ossos neandertais para comparar com os da Croácia (foto: equipe de pesquisas de El Sidrón).

Além disso, para evitar contaminação com DNA humano no laboratório, os experimentos foram conduzidos em ‘salas limpas’, ambientes controlados onde o nível de poluentes e contaminantes é mínimo. Medidas como essas são importantes para reduzir possibilidades de distorção nos resultados.

A equipe sequenciou também o genoma de cinco humanos nativos do sul da África, África Ocidental, Papua-Nova Guiné, China e França. A comparação do genoma dos neandertais com o dos homens modernos mostrou que a espécie extinta compartilha mais variantes genéticas com não-africanos do que com africanos. A relação mais próxima entre neandertais e não-africanos é a mesma, independentemente de serem originários da Europa, Ásia ou Oceania.

Para os pesquisadores, essa é uma evidência de que os neandertais e os primeiros homens modernos entraram em contato após o Homo sapiens emigrar da África, mas antes da dispersão de diferentes grupos em direção à Europa e Ásia. A estimativa é que o contato tenha ocorrido entre 100 e 50 mil anos atrás, no Oriente Médio, onde achados arqueológicos já comprovaram a coexistência das duas espécies.

“É legal pensar que alguns de nós têm um pouco de DNA neandertal”

“É legal pensar que alguns de nós têm um pouco de DNA neandertal, mas, para mim, a oportunidade de buscar evidências de seleção positiva ocorrida logo após as duas espécies se separarem é provavelmente o aspecto mais fascinante deste projeto”, destaca o líder da pesquisa.

O pesquisador Svante Pääbo e um crânio neandertal reconstituído
Svante Pääbo, líder da pesquisa, com a reconstrução do crânio de um neandertal (foto: Max-Planck-Institute EVA).

Os cientistas agora desejam descobrir quais características genéticas nos diferenciam das outras espécies e podem ter nos dado certa vantagem evolutiva. O estudo permitiu a identificação de 212 regiões do genoma humano que podem ter desempenhado papel importante na evolução humana. Essas regiões incluem genes relacionados a funções cognitivas, ao metabolismo e ao desenvolvimento de estruturas ósseas como crânio, clavícula e caixa torácica.

“Em todos estes casos, ainda é preciso muito, muito mais trabalho. Isto é realmente apenas uma dica de quais genes devem ser estudados agora, e tenho certeza que nós e muitos outros grupos farão isso”, afirma Pääbo.

Camilla Muniz
Ciência Hoje On-line