Cabeçadas na marca do pênalti

“Ao final do dia, o esporte para o qual meu pai viveu o matou.” Assim Dawn Astle resumiu sua tristeza em 19 de Janeiro de 2002. Um dos maiores centroavantes do futebol inglês acabara de morrer, aos 59 anos, em decorrência de uma lesão cerebral.

A relação entre cabeçadas e lesões cerebrais é tema de artigo em uma revista médica inglesa (fotos: Kangaroo Soccer Headgear)

Jeff Astle pode ser a prova de que gols de cabeça trazem mais do que momentos de alegria ao esporte mais popular do mundo. O laudo de sua morte sugere que as cabeçadas foram responsáveis por pequenas lesões no cérebro, agravadas ao longo da sua carreira. Astle é citado em artigo do British Medical Journal de 16 de agosto, no qual o editor Paul McCrory discute a relação entre cabeçadas e lesões cerebrais.

Ele defende que cabecear uma bola não basta para afetar o cérebro de alguém, mas alerta para outros riscos: “Choques contra a cabeça de um oponente provocam aceleração até seis vezes maior no cérebro do que o cabeceio e são capazes de causar lesões cerebrais”. Por isso, pede que técnicos orientem os atletas para evitarem choques desse tipo.

Apesar da cautela de McCrory, a morte de Astle reforça a relação direta entre cabeçadas e lesões no cérebro, sustentada por outros estudos. Uma pesquisa de 1992 realizada na Noruega, por exemplo, avaliou 33 ex-jogadores da seleção nacional por meio de tomografias e indicou que atletas profissionais — cabeceadores ou não — têm mais problemas cerebrais que os não-praticantes.

Os exames revelaram atrofia da porção central do cérebro em 1/3 dos casos. Em 1999, na Holanda, jogadores e não-praticantes foram testados em sua habilidade de planejamento, velocidade de raciocínio e capacidade de atenção. Entre os primeiros, 39% tiveram baixo desempenho em raciocínio, contra apenas 13% do grupo ‘normal’.

No Brasil, não há estudos sobre a relação entre futebol e contusões na cabeça. Quem garante é o médico Felix Drummond, que tem 13 anos de experiência no futebol profissional: ele já trabalhou no Internacional-RS e atualmente atende as equipes de vôlei, futsal e outros esportes da Ulbra-RS.

 

Uma empresa americana fabrica capacetes acolchoados para o uso dos praticantes do soccer. Sucesso entre atletas infantis nos EUA, o capacete ainda não faz a cabeça dos profissionais.

Para quem pensa que o futebol não é tão perigoso como outros esportes, vale dizer que choques na cabeça respondem por 2 a 3% de todas as contusões — como no futebol americano, em que o uso do capacete é obrigatório.

 

Mas será que as regras do futebol, que permitem as cabeçadas e não obrigam o uso de capacetes, precisam ser revistas? “Acho difícil elas serem modificadas ou os jogadores usarem o capacete sem se atrapalharem, mas não há dúvidas de que ele poderia ser uma boa proteção”, diz Drummond.

Em todo caso, não há consenso entre os pesquisadores quanto ao risco real das cabeçadas para o cérebro. O próprio artigo de McCrory discute casos recentes mas não traz evidências conclusivas sobre a questão.

Enquanto isso, entra em campo o folclore, tão comum no futebol quanto as próprias cabeçadas. Como seria uma partida sem elas? Ou um time de capacetes? Ainda que pareça irreal, fica o recado para que jogadores e atletas de fim-de-semana pensem bem no assunto.

Antes e depois de uma partida.

 

Leia na internet o artigo de Paul McCrory
sobre cabeçadas e lesões cerebrais.

Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
29/08/03