Cachorros podem prever ataques epiléticos de crianças?

Além de brincar e fazer companhia às crianças, talvez os cães de estimação colaborem com a saúde dos pimpolhos. Pesquisadores da Divisão de Neurologia Pediátrica do hospital da Universidade de Calgary, no Canadá, estudaram o comportamento de animais que convivem com crianças epiléticas e observaram que parte deles, além de reagir de forma específica às crises de seus pequenos donos, é capaz de prever os ataques.

Os cães que ‘previram’ os ataques de epilepsia dos donos eram de grande porte na maioria, como os da raça akita (reprodução)

Entre os pacientes do hospital, foram selecionados os que conviviam com cachorros por pelo menos um ano após terem desenvolvido a doença. Os médicos entrevistaram 48 famílias pelo telefone para coletar informações sobre as crianças, seus ataques e os cães (62 no total).

Embora nenhum dos animais tivesse recebido treinamento anterior para prestar esse tipo de assistência, 42% das famílias entrevistadas afirmaram notar comportamentos específicos de seus cães relacionados às crises de epilepsia das crianças. A reação mais comum entre os cachorros foi lamber o rosto das crianças (59% dos casos), mas também foram observados redução da atividade motora, choro e comportamento ‘protetor’ (sem brincadeiras agressivas), entre outros.

Nove cães, no entanto, apresentaram comportamento ainda mais curioso: pareciam ‘prever’ os ataques epiléticos das crianças e tentar evitar acidentes. Um cachorro da raça akita, por exemplo, puxou sua pequena dona para longe das escadas 15 minutos antes de uma crise convulsiva. Um cão dos Pirineus manteve-se ao lado de outra menina por horas, abstendo-se de comer e beber, até o início de uma crise.

Os cachorros pertenciam a diferentes raças, a maioria de grande porte, e seu ‘comportamento de alerta’ — específico para cada tipo de ataque e cada criança — tinha início de 10 segundos a 5 horas antes das crises. Nenhum alarme falso foi noticiado pelas famílias. Duas delas julgam que a habilidade está relacionada ao olfato apurado dos cães, mas a maioria disse acreditar que a capacidade sensorial dos animais vai além dos cinco sentidos.

Vale, porém, alertar: por enquanto, apesar dos indícios apontados pela pesquisa, ainda não é recomendável ‘receitar’ aos pacientes a companhia de um cachorro. Adam Kirton, coordenador do estudo publicado na revista Neurology em 22 de junho, ressalta que as evidências científicas não são suficientes para provar a capacidade dos animais.

“Pessoas com epilepsia não devem comprar cães com o intuito de que eles as ajudem em suas crises”, recomendou em entrevista à CH On-line . “Nossos resultados apenas nos estimularam a pesquisar mais a fundo essa habilidade.” Os pesquisadores buscam agora patrocínio para prosseguir o estudo e desenvolver um método de treinamento para cães.

“O treinamento de cães para alertar o começo de uma crise tem sido apontado como um recurso potencialmente útil na melhora da qualidade de vida de pessoas com epilepsia”, aponta Alexandre Valotta da Silva, pesquisador do Laboratório de Neurologia Experimental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “É possível supor que os cães sejam capazes de detectar mudanças sutis no comportamento característico que precede uma crise, mas não há até o momento estudos que indiquem como ocorre essa antecipação.”

Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
08/07/04