Cadeira elétrica para o câncer

 

Correntes elétricas de baixa intensidade são fatais para células de câncer. Esse fato já é usado há anos como base de uma terapia alternativa para o tratamento de tumores, mas até hoje não se tinha idéia do mecanismo por trás desse fenômeno. Agora, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desvendaram o enigma, mostrando que a eletricidade ativa o sistema de morte celular programada (apoptose), também conhecido como ‘suicídio celular’. Esse mecanismo, que existe normalmente em todas as células, fica desligado naquelas que se tornam tumorais. Os resultados da pesquisa foram publicados na edição de fevereiro da revista Cell Biochemistry and Biophysics .

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No alto, a metástase de um câncer de pulmão em tecidos do pescoço. Abaixo, o mesmo paciente fotografado três meses após a eletroterapia. (fotos: reprodução / Masatsushina et al., 1994. Eur J Surg Suppl , 574: 59-68)

A eletroterapia foi sugerida pela primeira vez em 1980 pelo médico sueco Bjorn Nordstrom. Logo depois, em 1982, a idéia foi adotada por países como Índia e China. Esta em 10 anos já possuía 1.500 médicos habilitados a realizar o tratamento. No resto do mundo, assim como no Brasil, o uso dessa terapia ainda é pouco difundido devido à ausência de literatura científica sobre o assunto. “Além do número reduzido de trabalhos, há muita divergência sobre causas e efeitos”, explica, Carla Holandino Quaresma, coordenadora do estudo e chefe do Laboratório Multidisciplinar de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da UFRJ.

 
O interesse de Quaresma pelo estudo começou durante sua tese de doutorado, em 1994, e os primeiros experimentos começaram em 1997. Na tentativa de compreender o mecanismo, ela e seu grupo resolveram testar separadamente o efeito dos pólos positivo e negativo do dispositivo elétrico sobre células cancerosas.
 
Para tanto, utilizaram três recipientes de acrílico conectados entre si. Um continha o eletrodo positivo, outro o negativo e o do meio ficava vazio. As células tumorais eram depositadas nos recipientes em uma solução salina, que também servia de meio para a corrente elétrica. “Os resultados mostraram que o pólo negativo causa a necrose das células, desequilibrando o pH e gerando radicais livres, enquanto o positivo induz a apoptose”, relata.
 
Segundo Quaresma, a eletroterapia provavelmente reativa a morte celular programada através da formação de uma substância oxidativa que induz a apoptose (a cloramina). Em outro experimento, no qual a farmacêutica utilizou um meio de cultura rico nos precursores dessa substância, o tempo do efeito letal do tratamento caiu de 24 horas após a aplicação da eletricidade para apenas 4 horas. Para Quaresma, ainda há muito a se estudar in vitro , mas ela já está procurando uma colaboração para ampliar o estudo para modelos animais.
 

A eletroterapia é aplicada através de implantes cirúrgicos, nos quais a corrente elétrica é aplicada no local desejado em uma única sessão, ou, em casos de tumores superficiais, por meio de aplicação direta em três ou quatro sessões (com três meses de intervalo). Em alguns casos, relata a farmacêutica, pacientes terminais com sobrevida estimada de três meses chegaram a viver 15 anos. “Além disso, esse tratamento não possui efeitos colaterais, o que aumenta a adesão”, conta Quaresma, cujo trabalho contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).


Fred Furtado
Ciência Hoje On-line
15/04/05