Camundongos esquizofrênicos

Desde que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina, em 2000, por seu estudo sobre a memória, o neurocientista e psiquiatra Eric Kandel, hoje com 82 anos, não perdeu o pique. O cientista esteve no Rio de Janeiro na última sexta-feira (4/10) para apresentar suas pesquisas sobre esquizofrenia com camundongos geneticamente modificados no 29º Congresso Brasileiro de Psiquiatria. 

Kandel e sua equipe, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, criaram camundongos esquizofrênicos, que apresentam os sintomas chamados negativos e cognitivos da doença. Os sintomas negativos envolvem a falta de motivação e a dificuldade de interação social, já os cognitivos são caracterizados por problemas de atenção e déficits da memória de curto prazo. 

Atualmente, não existem no mercado remédios que tratem esses sintomas da esquizofrenia. Os antipsicóticos combatem apenas os chamados sintomas positivos da doença, como as alucinações. Por isso, um dos objetivos da pesquisa é desenvolver novas drogas, mais completas, para o distúrbio.

Para criar os camundongos doentes, Kandel e sua equipe se basearam na ideia de que a esquizofrenia é, em parte, causada por um excesso da atividade do neurotransmissor dopamina, uma das substâncias responsáveis pela transmissão do impulso nervoso entre os neurônios.

A equipe de Kandel criou camundongos com hiperatividade de dopamina e os mesmos sintomas da esquizofrenia humana

A partir dessa hipótese, os pesquisadores decidiram superativar um dos receptores da dopamina, o D2, na região cerebral dos camundongos chamada corpo estriado. Assim eles conseguiram camundongos com hiperatividade de dopamina e os mesmos sintomas da esquizofrenia humana.

Ao contrário dos animais normais, que rapidamente aprendem tarefas em troca de recompensas, os animais modificados apresentaram dificuldade de aprendizado e falta de motivação. Embora demonstrassem prazer ao comer delícias como o milk shake desidratado oferecido pelos pesquisadores, eles não faziam esforço, se necessário, para conseguir a iguaria e se contentavam com a ração normal ao seu lado. 

“Se você pudesse convidar um desses camundongos para jantar no melhor restaurante da cidade, ele responderia que não, pois daria muito trabalho andar até lá”, brinca Kandel. “E essa dificuldade de antecipar mentalmente o prazer é exatamente igual a que observamos em pacientes com esquizofrenia.”

Danos permanentes, drogas específicas

A equipe de Kandel também desenvolveu um método para reverter a superexpressão do receptor de dopamina nos camundongos modificados. A técnica não tem efeito de tratamento – funciona apenas como um interruptor da dopamina no cérebro dos animais –, mas permitiu uma nova descoberta sobre a esquizofrenia.

Camundongos modificados
Estudando camundongos modificados, os pesquisadores descobriram que a esquizofrenia surge durante a formação do cérebro e causa danos irreversíveis. (foto: Flickr/ Maria Akhmerova – CC BY-NC-SA 2.0)

Os pesquisadores observaram que não havia diferença no desenvolvimento da doença entre os camundongos que tiveram a superexpressão do receptor D2 desligada ao nascer e os animais em que o desligamento ocorreu na vida adulta. Ambos apresentaram distúrbios de comportamento. 

“Isso mostra que a esquizofrenia é uma doença do desenvolvimento, que se forma quando o cérebro ainda está em formação”, diz Kandel. “É uma descoberta incrível e explica por que mesmo os antipsicóticos que miram no receptor D2 não têm efeito sobre os sintomas cognitivos dos pacientes.”

Com base nos resultados desses estudos, os pesquisadores buscam novas drogas que combinem ações específicas para cada sintoma da esquizofrenia.

Os pesquisadores buscam novas drogas que combinem ações específicas para cada sintoma da esquizofrenia

“Há mais de 40 anos que a farmacoterapia não lança nada de novo para as doenças psiquiátricas”, destaca Kandel. “Com esses modelos animais poderemos identificar e criar tratamentos para cada mecanismo envolvido na esquizofrenia”, completa.

Kandel também acredita que o seu estudo pode ser útil para o entendimento de outras doenças psiquiátricas de sintomas parecidos, como a depressão. 

Ainda não há previsão de quando um medicamento será lançado, mas o pesquisador avisa que sua equipe já desenvolveu uma nova abordagem para tratar a esquizofrenia e que negociações com empresas farmacêuticas para testes com humanos estão em curso.


Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line