Em média, 12 milhões de pessoas são, anualmente, diagnosticadas com câncer, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Mas não somos só nós humanos que sofremos com a doença. Animais selvagens também são vítimas. Por isso, o Zoológico de São Paulo, em parceria com o Hospital A.C. Camargo, iniciou um projeto para montar um banco de tumores dos animais da instituição.
A iniciativa foi motivada pela morte da hipopótamo Teteia. Xodó do zoológico, no ano passado, o animal foi vítima de câncer, sarcoma dos músculos e vasos sanguíneos com metástases no pulmão e coração, só descoberto em sua necropsia. O câncer é raro e a situação também. O caso é o segundo registro no mundo da doença em hipopótamos e será tema de publicação científica.
Mas Teteia não é o único animal do zoológico a sofrer de câncer. Em dez anos, foram 30 casos da doença em mamíferos, seis em répteis e sete em aves. Segundo o diretor técnico-científico do zoológico, o veterinário patologista João Batista da Cruz, os números são significativos. “Podemos dizer com certeza que é uma incidência bem elevada, mais de três casos por ano.”
As causas do câncer em animais silvestres podem ser várias, desde impactos no meio ambiente resultantes da ação humana até mutações genéticas de uma espécie. No caso dos animais do zoológico, a maior aposta é o envelhecimento.
“Não podemos precisar uma causa, mas os animais daqui tendem a viver mais; eles estão a salvo de predadores, de adversidades climáticas, não lidam com o estresse de predar e serem predados, além de terem um abrigo à noite e assistência médica integral”, explica Cruz. “Mais anos de vida, maior a chance de desenvolver o câncer.”
O veterinário estima que os animais em cativeiro no zoológico vivam cerca de 20% a mais que os soltos na natureza. A própria Teteia viveu até os 53 anos, enquanto que um hipopótamo selvagem vive em média 35 anos.
Troca de conhecimentos
Desde o início do projeto, no final do ano passado, amostras de tecido canceroso de 12 animais – como tigre, lagarto, cutia, tamanduá e pato-corredor – foram recolhidas no zoológico e enviadas para o Hospital A.C.Camargo.
No laboratório do hospital, as células atingidas pela doença são congeladas em nitrogênio líquido e estudadas por patologistas, que identificam o tipo de câncer, sua agressividade, origem e marcadores genéticos e proteicos associados. “Com a alta tecnologia e o conhecimento dos profissionais do hospital, será possível conhecer melhor as causas do câncer em cada caso”, pontua Cruz.
Além disso, a análise comparativa dos tumores humanos e animais pode contribuir para o maior conhecimento da doença e o desenvolvimento de novos tratamentos. Segundo o patologista Fernando Soares, diretor de Anatomia Patológica do A.C.Camargo, esse tipo de estudo é algo recente e pouco feito no Brasil e no mundo.
Do entretenimento à ciência
O banco de tumores montado pelo zoológico e pelo hospital seria, inclusive, o primeiro no mundo a funcionar de forma regular e com protocolos próprios. “É um campo de estudo tão novo que ainda não conseguimos enxergar todas as perspectivas”, diz Soares.
Outro elemento inovador do projeto é a oportunidade de levar a ciência ao zoológico, destaca Soares: “Por muito tempo, o zoológico foi visto como um parque de entretenimento; a nossa ideia é torná-lo também um local de estudo, de desenvolvimento científico e econômico”.
Nos próximos dois ou três anos, o banco de tumores deve permanecer no Hospital A.C. Camargo, mas a ideia é que, depois, os patologistas veterinários do zoológico estejam preparados para continuar o projeto por conta própria, no laboratório da instituição.
“Queremos formar massa crítica”, diz Soares. “Trabalhamos com banco de tumor humano há mais de 15 anos e nossa intenção é passar esse conhecimento, nossos erros e acertos, para o pessoal do zoológico.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line