Carvão ecológico

Desmatamento ilegal, trabalho infantil e produto final de má qualidade são problemas associados à fabricação do carvão vegetal no Brasil. Mas um novo modelo de usina promete tornar a produção desse recurso mais eficiente e alinhada ao meio ambiente.

Desenvolvido pela Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), centro de pesquisa aplicada fundado por professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), o sistema vai reduzir a poluição ambiental gerada pela atividade ao prever o aproveitamento de resíduos do processo. Além disso, o modelo é versátil, o que permitirá ampliar o leque de matérias-primas usadas na fabricação do carvão e melhorar a qualidade do produto final.

O modelo permitirá ampliar o leque de matérias-primas usadas na fabricação do carvão

Segundo o engenheiro Nilton Nunes Toledo, diretor da FDTE, grande parte do carvão vegetal brasileiro é fabricada por meio de processos artesanais em usinas precárias e, em muitos casos, clandestinas. Suas instalações não estão preparadas para questões logísticas básicas, como o funcionamento em dias de chuva.

Normalmente, essas usinas funcionam à base de madeira extraída ilegalmente. A lenha é cortada e empilhada à beira das estradas de acesso na floresta e, depois, é carregada por caminhões para a área de processamento. “Quando chove, essas estradas ficam intransitáveis”, diz Toledo.

“O produto obtido nesse processo artesanal tem qualidade duvidosa e nem sempre serve para siderurgia, principal mercado desse tipo de carvão”, afirma o engenheiro. Ele ressalta ainda outros aspectos negativos da produção, como as péssimas condições de trabalho, além da poluição ambiental.

Carvoaria na Amazônia
Vista aérea de uma carvoaria na Amazônia. (foto: Wilson Dias/ Agência Brasil – CC BY 2.5)

Para tentar reduzir esses problemas, a equipe da FDTE desenvolveu um novo modelo de usina de carvão que busca aprimorar todas as etapas da produção.

“Os equipamentos empregados permitem o controle da qualidade do produto final e reduzem o tempo de produção, além de possibilitarem uma maior versatilidade no uso de matérias-primas, incluindo, por exemplo, palha de arroz e capim”, destaca o pesquisador.

Da colheita ao produto final

O novo projeto sugere mudanças no processo de produção do carvão desde a colheita da matéria-prima. “Nosso modelo prevê uma área de colheita manual pela qual passa uma monovia, espécie de teleférico movido à energia da própria usina e usado no escoamento da produção de madeira”, diz Toledo.

Graças a esses equipamentos, o carvão leva de seis a 12 horas para serproduzido, enquanto nos fornos convencionais esse tempo é de 60 horas

O estágio seguinte é a usina, onde a madeira fica acomodada em 15 cilindros que giram dentro do forno. Graças a esses equipamentos, o carvão leva de seis a 12 horas para ser produzido, enquanto nos fornos convencionais esse tempo é de 60 horas, sem contar o período de resfriamento e descarga manual.

O forno começa a funcionar com a energia obtida dos gases resultantes da queima de galhos de eucalipto, única fonte energética externa usada no modelo proposto por Toledo. No processo tradicional, esses galhos são desprezados. Os gases também alimentam um gerador elétrico, que abastece as demandas de controle dos equipamentos e iluminação da usina, entre outras.

A fumaça liberada no carvoejamento passa por torres de separação e dá origem a gases – como metano, hidrogênio e monóxido de carbono –, que realimentam os queimadores do forno. Esses gases queimados são direcionados, ainda quentes, para a estufa de pré-secagem da lenha que chega à usina.

Forno de usina de carvão
No novo modelo de usina, a madeira é acomodada em 15 cilindros que rolam dentro do forno. A fumaça liberada no processo é direcionada para um aparelho que faz a sua condensação e dá origem ao alcatrão e aos gases que realimentam o forno. (imagem: Nilton Nunes Toledo)

Além de não descartar os resíduos gerados no processo, o sistema permite o aproveitamento térmico total dos recursos. “O forno não precisa ser esfriado para carga e descarga e não se queima lenha para o carvoejamento”, diz o engenheiro. “Se hoje o sistema produzisse todo o carvão nacional registrado, a economia de energia seria equivalente a 33 mil barris de petróleo por dia.”

Além de não descartar os resíduos gerados no processo, o sistema permite o aproveitamento térmico total dos recursos

Outra vantagem é que o novo modelo é mais produtivo que o tradicional: em aproximadamente 20 horas, pode produzir até 20 toneladas de carvão. No processo tradicional, a mesma quantidade de carvão poderia levar até 15 dias para ficar pronta. Além disso, são gerados outros produtos que têm a mesma importância econômica que o carvão vegetal, como alcatrão, ácido acético e metanol.

A mecanização do processo faz com que a usina funcione continuamente e ainda permite que o produtor tenha maior controle sobre todas as etapas, o que garante um produto final de melhor qualidade.

Por enquanto, apenas o protótipo do novo sistema foi avaliado pelos pesquisadores da FDTE. Uma usina-piloto prevista para a região de Itapetininga, em São Paulo, ainda não pôde sair do papel por questões burocráticas e financeiras.

Saulo Pereira Guimarães

Ciência Hoje On-line