Cavernas do Piauí abrigam nova espécie de mosquito

Foi descoberto em uma caverna do Piauí um novo tipo de mosquito do grupo dos flebotomíneos. A nova espécie, batizada de Edentomyia piauiensis , foi classificada também em um novo gênero ( Edentomyia ) pois não se enquadra em nenhum dos que haviam sido propostos até hoje. O mosquito apresenta características primitivas e pode ajudar a entender a evolução dos flebotomíneos — grupo transmissor dos protozoários causadores das leishmanioses tegumentar e visceral. Não há indícios, porém, de que o E. piauiensis seja transmissor dessas doenças.

O mosquito acima, da espécie Lutzomyia almerioi , que ocorre na
Serra da Bodoquena (MS), pertence ao grupo dos flebotomíneos,
como a nova espécie encontrada no Piauí (foto: Eunice Galati)

A nova espécie foi encontrada na caverna Cristovinhos, a 4 km da cidade de Picos, por um ex-aluno do curso de capacitação profissional para a identificação de flebotomíneos oferecido pelo Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR/Fiocruz). Em 2002, Antônio Carlos Lima da Silva coletou cerca de 90 exemplares de um flebotomíneo que julgava diferente e os enviou ao CPqRR. Ali, a identificação da nova espécie foi realizada pelo biólogo José Dilermando de Andrade Filho, ao lado da entomóloga Alda Lima Falcão. As observações da morfologia de vários exemplares do inseto mostraram que se tratava de uma nova espécie.

Em seguida, eles foram analisados na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) pela pesquisadora Eunice Galati. Ela classificou-os por critérios filogenéticos e concluiu que pertenciam também a um novo gênero. Esse tipo de classificação, proposto por Eunice em 1995, agrupa os seres vivos em função de características compartilhadas que são novidades evolutivas. “Na América, pela classificação clássica, o mosquito do Piauí representa o quarto gênero de flebotomíneos já encontrado. Pela classificação filogenética, é o 24o gênero desse grupo”, explica ela.

O novo inseto mede cerca de 3 mm e apresenta características muito primitivas, como ausência de dentes no aparelho bucal das fêmeas e estruturas específicas na cabeça, tórax e genitália. Do ponto de vista morfológico, o E. piauiensis difere em vários aspectos dos outros tipos de flebotomíneos encontrados na América e apresenta o aparelho bucal e outras características muito similares às de um grupo de espécies que ocorre na Europa e na África.

Desde sua identificação, o mosquito já foi encontrado em outras localidades do Piauí — comumente em cavernas. Essa pode ser uma das explicações para as características primitivas do novo mosquito: o ambiente estável das cavernas faria com que os insetos que sofrem mutações não sobrevivessem, o que contribuiria para conservar o aspecto primitivo da espécie.

Com o aumento do ecoturismo em cavernas, é importante saber se os flebotomíneos que ocorrem nesses ambientes oferecem algum risco. “Precisamos conhecer aspectos do comportamento do novo mosquito, como o período em que é mais freqüente (dia ou noite), a estação do ano em que mais ocorre, que animais pica, se pica o homem ou se é atraído por cores claras ou escuras”, diz Eunice. “É preciso sobretudo descobrir se ele está infectado por algum parasita que possa ser transmitido ao homem e outros animais.”

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje On-line
08/08/03