Celas de aula

Sala de aula de uma unidade prisional do Paraná: ensino marcado pelo distanciamento entre professor e alunos.
(Foto: E.L. Queluz). 

As escolas prisionais brasileiras não possuem vagas suficientes para atender à procura por educação e os detentos que freqüentam os cursos têm um ensino desvinculado da proposta de ressocialização do sistema penal. Descrever e analisar o processo educacional em três prisões do sistema penitenciário paranaense, sobretudo no que diz respeito à relação professor-aluno, foi o tema da dissertação defendida recentemente pelo professor Emerson Lemk Queluz no programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná. O trabalho foi realizado com quatro turmas de estudantes em prisões de segurança máxima.

Segundo o pesquisador, a oferta de ensino fundamental e médio em penitenciárias brasileiras é, de modo geral, limitada. Na região metropolitana de Curitiba, os presídios oferecem acesso à sala – ou melhor, à cela – de aula, mas o número de vagas disponíveis é insuficiente (ver ‘Um Brasil atrás das grades’).

Alguns números fornecidos por Queluz expressam a dimensão do problema. Nos centros de detenção estudados (dois masculinos e um feminino), o número de presos chega a 3 mil. Mas só 120 têm acesso ao ensino. De acordo com o pesquisador, esse número reduzido não se deve ao desinteresse dos detentos por educação, mas à oferta de cursos, que é inferior à demanda. “A questão é séria, já que o principal objetivo da educação nos presídios é contribuir para a ressocialização dos detentos”, avalia Queluz, que é professor há 23 anos e dá aulas em penitenciárias desde outubro de 2004. A freqüência às aulas contribui para a redução da pena dos presos, uma vez que 18 horas em sala de aula representam um dia a menos de reclusão.

Um Brasil atrás das grades
O sistema educacional nas penitenciárias brasileiras foi analisado no Seminário Nacional pela Educação nas Prisões, que encerrou, em julho passado, em Brasília, uma série de cinco conferências regionais realizadas desde 2005. O evento, que reuniu especialistas internacionais, educadores, gestores, pesquisadores e servidores da execução penal, foi promovido pelos ministérios da Justiça e da Educação e pela Unesco. A série de encontros discutiu o desenvolvimento de uma política nacional que irá auxiliar os estados a sistematizar a educação nos presídios, estendendo a alçada do hoje atrofiado sistema a um número maior de detentos.
Segundo dados do Ministério da Justiça, o Brasil tem hoje cerca de 360 mil presos, dos quais 70% não completaram o ensino fundamental e mais de 10% são analfabetos. Embora a Lei de Execução Penal garanta ao preso o direito à educação, apenas 18% da população carcerária brasileira desenvolve alguma atividade educativa durante o cumprimento da pena. As estatísticas relacionadas aos presos que trabalham também são desanimadoras: 70% deles vivem na mais absoluta ociosidade.Apesar da ênfase que teoricamente se dá à ressocialização, não consta do currículo escolar adotado nas cadeias uma matéria específica, destinada a atingir esse objetivo. “Não existe algo curricular exclusivo para a situação; o conteúdo das disciplinas ministradas é o mesmo adotado nas escolas regulares”, conta Queluz. Segundo o educador, muitas vezes o professor, preocupado com essa finalidade, tenta fazer um trabalho complementar, que fica nas entrelinhas daquilo que ensina.

O pesquisador admite que o ensino em penitenciárias sofre interferência do ambiente em que as aulas são ministradas, marcado pelo distanciamento entre o professor e os estudantes. “O ambiente é algo não convencional”, descreve. “A começar pelas grades que separam professor e alunos, além de outros cuidados com segurança, como a presença de policiais militares e, dependendo da instituição, até mesmo de cães de guarda.” Tudo isso, segundo o pesquisador, faz com que o relacionamento nas ‘celas de aula’ não seja o mesmo que prevalece em uma escola convencional. “O sistema prisional não permite que o professor se aproxime muito dos alunos”, resume.

Apesar desses empecilhos, diz Queluz, o envolvimento dos presos com o ensino costuma ser até maior do que o que normalmente se percebe em alunos de escolas convencionais. “Esse comportamento pode ser explicado pelo fato de a instituição em que o preso está lhe infligir uma pesada carga disciplinar e também porque o próprio detento costuma ter consciência da importância da escola para sua reinserção na sociedade.“

Sandoval Matheus Poletto
Especial para CH On-line / PR
06/02/2007