Cera seca ou molhada?

 

A alteração de uma única base nitrogenada (unidade básica do DNA) parece ser responsável pela diferença entre os dois tipos de cera produzidos pelo ouvido humano: úmida e seca. A mutação que leva à troca de uma molécula de guanina por outra de adenina no gene ABCC11 diminuiria a secreção de determinados compostos, ressecando a cera. O tipo seco é mais comum em indivíduos do leste asiático, enquanto aqueles de origem africana e européia apresentam o tipo úmido com maior freqüência.

A descoberta, feita em um trabalho coordenado por pesquisadores do Departamento de Genética Humana da Escola de Graduação em Ciências Biomédicas da Universidade de Nagasaki (Japão), pode ter desdobramentos médicos, já que o gene comanda a síntese de uma proteína envolvida na resistência a múltiplas drogas, a MRP8. “Talvez, no futuro, possamos prever o efeito de uma droga sobre o indivíduo com base no seu tipo de cera”, sugere o médico Koh-ichiro Yoshiura, coordenador do estudo, em entrevista à CH On-line .

Segundo ele, o início da pesquisa, publicada na versão digital da revista inglesa Nature Genetics em 29 de janeiro, se deu quando, em outro trabalho, o grupo identificou a área cromossômica associada à cera de ouvido. Eles decidiram então estudá-la melhor, pois essa característica é usada como uma pista para rastrear a migração de parte da população asiática para o continente americano há milhares de anos.

A identificação de um polimorfismo de nucleotídeo único (SNP, na sigla em inglês) na posição 538 do gene ABCC11 foi obtida através da análise genética de 126 indivíduos japoneses e representantes de 33 populações ao redor do mundo. Além do SNP, os cientistas detectaram uma outra causa para a cera seca: a ausência de 27 pares de base do ABCC11 . “Ela ocorre na versão original do gene, a que possui a guanina, e tem o mesmo efeito da mutação”, explica Yoshiura.

A distribuição mundial do SNP identificado pelos pesquisadores segue uma curva descendente norte-sul e leste-oeste, com origem no nordeste da Ásia. A maior freqüência desse polimorfismo (100%) foi encontrada em chineses da etnia Han que habitam o norte do país e em coreanos. A mais baixa (0%) estava presente em afro-americanos e nativos das nações subsaarianas. Entre os bolivianos, a deleção de 27 pares de base foi mais freqüente (9 entre 60) do que entre outros povos.

“Nossos dados parecem corroborar a hipótese de que a cera seca atingiu uma alta freqüência na população de eurasianos do nordeste do continente, que depois aumentou de tamanho e se espalhou”, conta o pesquisador. “No entanto, estudos mais aprofundados são necessários para se confirmar isso.”

Fred Furtado
Ciência Hoje On-line
06/03/2006