Cerâmicas milenares ajudam a entender cultura marajoara

Em exposição no Museu Goeldi após ser restaurada, a urna funerária encontrada no sítio Ilha de Terra revela semelhanças com cerâmicas da cultura marajoara.

O Brasil não tem resquícios de cidades ou arquiteturas de civilizações ancestrais, mas guarda objetos de valor inestimável como a cerâmica da cultura marajoara – da Ilha de Marajó, no Pará – feitas pelos antigos povos indígenas da região. Agora, pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) encontraram objetos que representam urnas funerárias de populações que viveram há mais de dois mil anos em um sítio conhecido como Ilha de Terra, região da Floresta Nacional de Caxiuanã, no interior do Pará. A descoberta chama a atenção dos pesquisadores porque ajuda a entender como a cultura marajoara se difundiu na região amazônica.

 
Segundo a coordenadora do projeto de salvamento arqueológico do local, Alicia Duran Coirolo, o material encontrado é bastante semelhante ao dessa cultura, porque apresenta aparentemente as mesmas técnicas de decoração e as formas de algumas vasilhas. “É a primeira ocorrência desse tipo de decoração de características marajoaras achada fora do arquipélago de Marajó”, afirma a pesquisadora. “Isso indica a comunicação entre os diferentes povos e a forte migração existente na Amazônia.”
 
Os arqueólogos se surpreenderam novamente após analisarem o material da Ilha de Terra: eles verificaram que esses objetos são mais antigos que os de Marajó. As cerâmicas recém-encontradas foram fabricadas entre 1000 e 2150 anos atrás, enquanto as do arquipélago têm entre 500 e 1500 anos de idade. “A cultura marajoara pode ter se proliferado antes na região de Caxiuanã para depois alcançar a Ilha de Marajó”, sugere Coirolo.
 
Ao todo, a equipe encontrou 15 urnas funerárias – caracterizadas pela pintura vermelha sobre pasta de terra branca e apliques na forma de animais como lagartixas –, além de restos de pequenos vasos decorados, uma machadinha feita de material rochoso e um colar indígena fabricado em caulim (argila branca). Durante a escavação, os arqueólogos identificaram o padrão de enterramento dos corpos ao descobrirem grandes urnas rodeadas por pequenos vasos e outros elementos como a machadinha e o colar anteriormente citados.
 
Os pesquisadores localizaram esse cemitério na área de terra firme elevada em relação ao nível de inundação do rio, num padrão que lembra o dos tesos – aterros artificiais de até 10 metros de altura construídos durante o desenvolvimento da cultura marajoara (400 a 1650 d.C.) – encontrados na Ilha de Marajó. Os arqueólogos acreditam que os povos criavam essas elevações para se proteger das enchentes e ter maior visibilidade, construíndo neles suas casas, oficinas de cerâmica e até cemitérios. Os tesos são hoje objetos de estudo de especialistas justamente por guardarem importantes peças que ajudam desvendar os costumes culturais dessas populações.
 
“O sítio Ilha de Terra – descoberto em 1999 por Dirse Kern, geóloga do MPEG – não tem proteção ambiental por localizar-se fora da Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã  e sofre hoje uma forte devastação devido à extração madeireira local”, lamenta Coirolo.
 
O resultado deste trabalho, iniciado em 2001, está agora em exposição no Museu Goeldi na mostra Ilha de Terra: suas ocupações humanas . Até 22 de janeiro, os visitantes poderão observar além da urna funerária e sua tampa, que foram restauradas, outros utensílios encontrados no local e uma série de painéis explicativos sobre importantes momentos da ocupação do Sitio Ilha de Terra.  

Museu Paraense Emílio Goeldi
Pavilhão Domingos Soares Ferreira Penna,
Avenida Magalhães Barata, 376 – Belém
Horário: de terça a sexta, das 9 às 12 h e das 14 às 17 h;
sábados, domingos e feriados, das 9 às 15 h.
Entrada no Parque Zoobotânico do Museu Goeldi: R$ 1,50
(a exposição propriamente dita tem entrada franca)
Para mais informações, ligue para (91) 3249-1377
www.museu-goeldi.br

 

Mário Cesar Filho
Ciência Hoje On-line
22/11/05