Chegou para ficar

A atual epidemia de ebola no continente africano deixou em alerta a segurança de portos e aeroportos de vários países e tira o sono de alguns brasileiros preocupados com a possibilidade da chegada do vírus ao país – cenário considerado remoto pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Outras ameaças infecciosas vindas do exterior, porém, são mais iminentes. A principal delas, segundo pesquisadores, é o vírus chicungunha, que surgiu na África, já provoca surtos no Caribe e pode se instalar no Brasil a qualquer momento.

Segundo pesquisadores, hoje a principal ameaça infecciosa vinda do exterior é o vírus chicungunha, que surgiu na África, já provoca surtos no Caribe e pode se instalar no Brasil a qualquer momento

O vírus, que causa doença de mesmo nome e de sintomas semelhantes aos da dengue, foi identificado pela primeira vez na Tanzânia em 1952. De lá para cá, se espalhou pela África e Ásia, chegando a Índia, Indonésia, Maldivas, Mianmar, Tailândia e Madagascar, e fez mais de 2 milhões de vítimas, segundo a OMS. Em 2007, aportou no norte da Itália e, em dezembro do ano passado, atingiu pela primeira vez o hemisfério ocidental, mais precisamente as ilhas caribenhas, onde já há mais de 55 mil casos, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

O nome da doença, do idioma tanzaniano maconde, dá uma boa ideia da ação do vírus sobre o doente: chicungunha quer dizer ‘ficar dobrado ou contorcido’. O sujeito acometido pela enfermidade apresenta febre, dores no corpo e no fundo dos olhos, manchas vermelhas na pele e, principalmente, dores nas articulações, que podem evoluir para artrite e sequelas permanentes.

A doença, assim como a dengue, é transmitida pela picada de um mosquito Aedes aegypt infectado, mas não chega a ser fatal na maioria dos casos – até hoje pouco mais de 100 mortes foram registradas em todo o mundo, 33 nas Américas. “Dificilmente uma pessoa infectada morre, a não ser que já esteja bem fraca, mas a infecção é muito debilitante e impede o doente de se movimentar e trabalhar”, explica o infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor do livro Pandemias.

Aedes aegypt
A doença é transmitida pela picada do mesmo mosquito vetor da dengue, o ‘Aedes aegypt’, abundante no Brasil. (foto: James Gathany/ PHIL, CDC)

O Brasil já teve os primeiros casos importados de chicungunha, trazidos por viajantes. Em 2010, duas pessoas vindas do sudoeste asiático foram internadas em São Paulo. Somente neste ano (até o início de agosto), mais 19 casos adquiridos no exterior foram registrados nos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Distrito Federal, Paraná, Amazonas e Rio Grande do Sul – a maioria entre soldados brasileiros vindos do Haiti. Até agora, não houve caso autóctone – ou seja, em que o vírus tenha sido contraído dentro do país.

No entanto, esse momento pode estar próximo. O Ministério da Saúde já se prepara para a possibilidade de o vírus se espalhar por aqui e lançou um guia com recomendações para preparação e resposta à introdução da doença, no qual admite a chance de “uma epidemia com altas taxas de acometimento”.

A propagação da febre chicungunha seria facilitada pela já existência do vetor da doença no país, o temido A. aegypt, que todos os anos provoca milhares de casos de dengue

A propagação da febre chicungunha seria facilitada pela já existência do vetor da doença no país, o temido A. aegypti, que todos os anos provoca milhares de casos de dengue. “É quase certo que o chicungunha vai chegar ao Brasil e muito provável que se torne uma epidemia”, afirma Ujvari. “Temos aqui tudo o que a doença precisa para se alastrar, se estabelecer e ser transmitida o ano todo.”

Se o chicungunha vier para ficar, uma epidemia seria mais provável entre abril e maio, mesmo período em que são registradas as altas nos casos de dengue – depois do verão, quando as chuvas e o calor fizeram a combinação perfeita para a proliferação do mosquito transmissor.

A doença já mostrou que se espalha rapidamente. De acordo com a OMS, no pico de um surto epidêmico recente na Ásia, 47 mil casos suspeitos foram identificados em apenas uma semana em uma população de 766 mil habitantes.

O chicungunha ainda não tem cura nem vacina e o tratamento é feito com hidratação do paciente e medicamentos para aliviar os sintomas. Acredita-se que, após a infecção, o paciente adquira imunidade.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line