Ciência aliada ao esporte

Nem todos correm como Usain Bolt ou nadam como Michael Phelps. Por quê? Parte da resposta pode estar em pequenas alterações no DNA. É o que sugere pesquisa feita pelo fisiologista Rodrigo Gonçalves Dias, pesquisador do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP). Ele descobriu uma mutação genética que pode comprometer o desempenho do atleta durante a prática esportiva e agora rastreia o genoma humano em busca de genes capazes de interferir nas reações do corpo ao treinamento físico.

O estudo ficou em primeiro lugar na categoria Graduado do 26º Prêmio Jovem Cientista, que teve como tema a inovação tecnológica nos esportes. Outros dois projetos premiados apresentam tecnologias que podem se tornar aliadas no treinamento de atletas: um material que pode ser usado em uniformes para regular a temperatura do corpo e um sistema de orientação espacial para ajudar velocistas cegos.

A mutação identificada na pesquisa de Dias ocorre no gene que codifica a enzima responsável pela síntese de óxido nítrico, molécula que tem importante papel na dilatação dos vasos sanguíneos. Essa mutação faz com que a enzima seja incapaz de aumentar a produção de óxido nítrico durante o exercício físico – quando a vasodilatação é necessária para ‘alimentar’ os músculos com mais sangue (que leva oxigênio e nutrientes).

Foram identificados 2.445 genes que alteram sua expressão (ficam mais ou menos ativos) após a prática de exercícios

“Em atletas que tenham essa mutação, uma possível restrição do aporte de sangue para os músculos ativos durante o exercício poderia levar a um quadro de fadiga precoce e prejudicar o seu desempenho”, explica o pesquisador.

Agora, Dias e sua equipe estão rastreando o genoma humano atrás de genes que, de alguma maneira, respondam ao estresse fisiológico provocado pela atividade física. E eles já têm um número: 2.445 genes alteram sua expressão (ficam mais ou menos ativos) após a prática de exercícios.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram o genoma de recrutas da Polícia Militar de São Paulo por meio de uma tecnologia capaz de quantificar a velocidade de expressão dos genes. “O objetivo é comparar a expressão dos genes em indivíduos que praticam o mesmo protocolo de exercícios, mas que têm diferentes ganhos de performance, para tentar entender por que as pessoas reagem de forma diferente à atividade física”, explica.

Análise de desempenho físico
Dias e sua equipe analisaram a expressão dos genes e o desempenho físico de recrutas da Policia Militar de São Paulo para entender por que as pessoas reagem de forma diferente à prática de exercícios. (foto: Rodrigo Gonçalves Dias)

Dias faz questão de ressaltar que o conhecimento científico atual ainda não permite a confecção de diagnósticos genéticos. “Seria antiético dizer que determinada pessoa é ou não um talento em potencial com base em um ou dois genes”, diz. “Conhecemos apenas cerca de 350 dos milhares de genes que modelam de alguma forma o desempenho físico e, apesar do rápido avanço nessa área, isso ainda é muito pouco.”

Roupa termorreguladora

O projeto vencedor na categoria Estudante de Ensino Superior pode ajudar não apenas atletas, que treinam por horas, mas também os vários trabalhadores que exercem suas funções sob o sol escaldante. Priscila Ariane Loschi, aluna do curso de design de produto da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), desenvolveu um material que tem grande potencial para atuar como agente termorregulador em uniformes e, assim, evitar o desconforto do calor gerado quando a temperatura do corpo sobe.

Loschi usou um polímero chamado polietilenoglicol (PEG), que atua como um material de mudança de fase: ele absorve ou libera energia para passar do estado sólido para o líquido ou vice-versa. Aplicado em roupas, ele é capaz de, caso a temperatura do corpo aumente, absorver o calor excedente e utilizar essa energia para mudar de fase. Se a temperatura diminuir, ele faz o caminho inverso e libera a energia absorvida anteriormente.

Aplicado em roupas, o material é capaz de, caso a temperatura do corpo aumente, absorver o calor excedente

“A temperatura que determina essa mudança de fase, ou seja, o ponto de fusão, varia”, diz a estudante. “Nós usamos um tipo de PEG que tem ponto de fusão por volta de 35 ºC, o mais próximo à temperatura corpórea.”

Mas o PEG não pode ser usado sozinho, pois, ao se transformar em líquido, escorreria. “Uma prática comum é utilizar microcápsulas desse material, mas a literatura científica mostra que, além de ser cara, essa técnica torna o produto final mais pesado e diminui a sua eficácia”, pondera Loschi.

A estudante então criou uma maneira alternativa de usar o PEG: associou-o a outro polímero – o poli (ácido itacônico) –, formando um complexo polimérico. “O ácido serve para ‘prender’ as moléculas do PEG, impedindo que o material escorra, além de ter o poder de fixar as cores da fibra têxtil”, explica.

Loschi acrescenta que recentemente um grupo de pesquisa na Alemanha também desenvolveu um complexo polimérico com o PEG, mas ressalta que eles usaram outro tipo de ácido. “O material deles é proveniente do petróleo, enquanto o ácido que usei pode ser obtido de fontes renováveis, como o melaço de cana”, esclarece.

A estudante, que foi orientada pela engenheira química Eliane Ayres, professora da UEMG, aplicou o complexo em tecidos de algodão e analisou sua eficácia. O principal teste usado foi a termografia, que permite observar a absorção e a perda de calor por meio dos raios infravermelhos emitidos pelos objetos.

Termografia
Na termografia, é possível observar variações de calor por meio da radiação infravermelha emitida pelos objetos. No braço esquerdo da voluntária está uma amostra de tecido com o novo complexo polimérico e, no direito, um tecido puro. Quanto mais azulada está a região, menor é a temperatura. (foto: Rosemary Bom Conselho Sales)

“Ainda precisamos fazer alguns ajustes no material, mas observamos que nosso complexo polimérico tem grande potencial para ser usado como agente de regulação de temperatura”, conta Loschi. “No futuro o complexo poderá vir a ser aplicado não só em roupas esportivas, mas também em tecidos de cama de hospital, uniformes de trabalhadores, entre outros”, sugere.

Corrida guiada a distância

Outro projeto, que ficou em segundo lugar na categoria Estudante de Ensino Superior, promete ajudar no treinamento de velocistas cegos. Henrique dos Santos Felipetto, aluno do curso de tecnologia e geoprocessamento da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, criou um sistema de auxílio à orientação espacial que torna desnecessário o uso de um atleta-guia (profissional que acompanha o cego durante a corrida) e dá maior liberdade ao corredor.

“Além de ser difícil encontrar um atleta-guia, nem sempre aquele que participa dos treinos vai para as competições, o que pode prejudicar o desempenho do velocista”, diz Felipetto, que foi orientado pelo geógrafo Adão Robson Elias, professor da UFSM.

O sistema tem uma base fixa, composta por um computador e um rádio de comunicação, e uma base móvel, que fica em um colete a ser utilizado pelo corredor cego. Nesse colete, há um GPS, de onde são obtidas as coordenadas geográficas do atleta na pista, que é previamente mapeada para ser visualizada na base fixa. Essas informações são enviadas, por meio de uma rede de comunicação sem fio, ao computador, monitorado pelo treinador do velocista.

“A ideia é que o treinador, ao observar o percurso de seu atleta, possa orientá-lo via rádio e fazer correções de rota, quando necessário”, explica Felipetto. “Como a informação leva cerca de dois segundos para chegar até o computador, a orientação acontece praticamente em tempo real”, conclui.

Sistema de orientação espacial
Desenho que mostra parte da trajetória percorrida pelo atleta cego (em vermelho) durante teste em que ele correu em uma pista de atletismo com o auxílio do novo sistema de orientação espacial. (imagem cedida por Henrique Felipetto)

O estudante testou o equipamento com o velocista cego Thiago Lima de Souza, de 23 anos. “O teste deu certo e o Thiago ficou bastante emocionado após percorrer a pista de atletismo”, conta Felipetto. “Ele corre desde os oito anos, mas esta foi a primeira vez que pôde correr sozinho”, completa o universitário, dizendo que também se emocionou com a possibilidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas.

“Daqui pra frente, pretendo melhorar o sistema para que ele fique mais leve e mais barato”, planeja. “Talvez um dia ele possa ser adotado em competições.”

O Prêmio Jovem Cientista 2012 teve 2.070 trabalhos inscritos. Os nomes dos ganhadores foram divulgados no final de novembro.

Joyce Santos
Especial para a CH On-line