Cientista propõe concretizar ficção de Júlio Verne

 

Um artigo inusitado foi publicado na revista Nature de 15 de maio. Seu título, “Missão ao centro da Terra — uma proposta modesta”, evoca o famoso livro de Júlio Verne e sugere enviar uma sonda para estudar o interior de nosso planeta. David Stevenson, professor de ciência planetária do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA) e autor do artigo, garante que não é ficção científica.

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Edições francesa e brasileira para o clássico da ficção científica escrito por Júlio Verne (1828-1905) em 1864

 

As missões espaciais aumentaram o conhecimento do homem sobre o Sistema Solar, mas ainda conhecemos muito pouco sobre o interior da Terra onde, segundo Stevenson, há temas igualmente fascinantes para se estudar. Sondas espaciais já chegaram a cerca de 6 bilhões de quilômetros da Terra, enquanto sondas subterrâneas não passaram de 10 km.

Isso pode ser explicado pela dificuldade para se transpor a matéria altamente densa que há no interior do planeta. Uma maneira possível seria pela fusão da rocha. No entanto, Stevenson diz que a energia necessária para penetrá-la é 10 bilhões de vezes maior que a energia gasta em viagens espaciais. Além disso, seriam necessários milhares de anos para concluir a missão. Na escala geológica é pouco tempo; na escala humana, uma espera de gerações. Nenhum governo financiaria tal projeto.

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A viagem não tripulada proposta por Stevenson atingiria o núcleo da Terra em uma semana. Uma sonda pouco maior que uma laranja seria transportada em meio a um grande volume de uma liga de ferro fundida através de uma fenda que se propagaria pela ação da força da gravidade. A missão utilizaria entre 100 mil e 1 milhão de toneladas de ferro fundido — “algo entre uma hora e uma semana da produção total da Terra”, compara o cientista.

A fenda preenchida com ferro líquido, iniciada na superfície da Terra, se propagaria rumo ao centro. A sonda, feita de material com altíssimo ponto de fusão e de carga elétrica neutra, seria transportada ao longo da fenda, que se fecharia após sua passagem, devido à pressão. Equipada com dispositivos para medir temperatura e condutividade elétrica e para detectar a proporção de elementos químicos presentes no interior da Terra, a sonda transmitiria os dados por meio de ondas sísmicas de alta freqüência para um sismógrafo situado na superfície.

Segundo os cálculos de Stevenson, a fenda se propagaria a cerca de 18 km/h. A energia gravitacional liberada causaria aquecimento e fusão parcial das paredes de rocha de silicato. A energia necessária para iniciar a fenda seria equivalente à liberada por um terremoto de sete graus na escala Richter. O cientista calculou o padrão de migração do ferro fundido através da fenda por meio de princípios já estabelecidos no estudo do magma de vulcões.

Stevenson acredita que, se concretizada, a missão proposta seria capaz de descobrir o estado e a composição do núcleo da Terra. “É uma proposta modesta, se comparada ao programa espacial”, diz ele no artigo. “Pode parecer ficção, mas essa impressão é causada pela pouca dedicação da ciência e esse tema.”

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
15/05/03