Por decisão da Assembleia Geral da Unesco, realizada em novembro de 2013, a luz e as tecnologias nela baseadas serão celebradas ao longo de 2015, que passará a ser referido simplesmente como Ano Internacional da Luz. O objetivo principal da iniciativa é destacar para todo cidadão a importância da luz e das tecnologias ópticas em sua vida, para o seu futuro e para o desenvolvimento da sociedade.
Inúmeras atividades estão sendo planejadas ao redor do planeta, dirigidas a audiências de todas as faixas etárias e de todos os níveis culturais. Um movimento dessa ordem, em torno de um assunto que ocupa grande parte dos textos aqui publicados, não poderia passar em branco. Por isso, dedicaremos as próximas colunas às inovações tecnológicas da fotônica e outros inventos baseados na manipulação da luz.
Uma das propriedades mais intrigantes do comportamento quântico é a dualidade partícula-onda – e foi investigando a luz que o homem descobriu essa propriedade, em épocas nas quais a teoria quântica era inimaginável. Na cultura ocidental, o primeiro debate sobre a natureza da luz se deu entre Isaac Newton (1642-1727) e Christiaan Huygens (1629-1695).
Newton defendia que a luz tinha um caráter corpuscular, ou seja, o feixe de luz era constituído de corpúsculos que viajavam em linha reta até o olho, enquanto Huygens afirmava que ela se comportava como as ondas na água ou o som no ar. A vitória da teoria corpuscular sobre a ondulatória perdurou por mais de um século, graças à autoridade científica de Newton.
No início do século 19, em seu famoso experimento da dupla fenda, Thomas Young (1773-1829) demonstrou que a luz era uma onda que deveria se propagar no éter, meio imaterial imaginado exclusivamente para tal fim. Essa interpretação teve seu apogeu com o estabelecimento das equações de James K. Maxwell (1831-1879) para o eletromagnetismo, quando a óptica foi incorporada ao eletromagnetismo.
No entanto, já no século 14 o debate sobre a natureza da luz se estabelecera na Pérsia, entre Ibn al-Haytham (965-1040), conhecido no ocidente como Alhazen, defensor do modelo ondulatório, e Ibn Sina (980-1037), conhecido no ocidente como Avicenna, partidário da teoria corpuscular.
Portanto, a humanidade levou seis séculos para chegar ao conceito de dualidade partícula-onda, segundo o qual a luz tanto pode ser onda como partícula. O evento definitivo para essa conclusão foi a explicação de Einstein para o efeito fotoelétrico, elaborada no início do século 20.
Efeito fotoelétrico
Esse efeito consiste na liberação de um elétron quando uma radiação eletromagnética incide sobre determinado material. Nos experimentos mais frequentes, a radiação situa-se na faixa ultravioleta, e o material é metal ou semicondutor. Mas na fotossíntese a radiação tem uma ampla faixa espectral, e o material é uma folha contendo clorofila ou outro componente fotossintetizante.
Todas as tentativas para explicar o efeito fotoelétrico, baseado na interação de uma onda eletromagnética com o material, falharam, até que Einstein teve a ideia de imaginar a luz consistindo de partículas, anos depois denominadas fótons, cuja energia é proporcional à frequência da luz. Assim, por exemplo, o fóton correspondente à luz azul tem energia maior que aquele correspondente à luz vermelha, porque a frequência da primeira é maior que a da segunda.
Esse trabalho de Einstein foi fundamental para a ciência e a tecnologia desenvolvidas a partir dos anos 1950, incluindo a fotônica, por excelência a tecnologia do século 21, objeto de discussão nas próximas colunas. No momento é importante ressaltar como a descoberta da dualidade partícula-onda no comportamento da luz se insere na elaboração da teoria quântica e no desenvolvimento da microeletrônica, precursora da fotônica.
Ao propor o modelo corpuscular da luz, Einstein usou a constante de Planck para definir a relação entre energia do fóton e frequência da luz. Essa constante é a base de tudo quanto se refere à teoria quântica. Não há uma única equação nessa teoria que não contenha a constante introduzida por Max Planck em 1900 para quantizar a energia emitida por um corpo aquecido, tecnicamente conhecido como corpo negro.
Ou seja, um corpo negro não irradia energia continuamente, como preconiza a teoria clássica, mas em quantidades definidas, que Planck denominou quantum de energia. Esse quantum de energia tinha a ver com o valor dessa constante, obtido a partir de ajustes de curvas experimentais.
Na explicação do efeito fotoelétrico, Einstein ousou afirmar que o fóton era o quantum de energia da radiação eletromagnética, ou seja, da luz, cujo valor seria o produto da constante de Planck pela frequência da radiação. A equação obtida por Einstein para o efeito fotoelétrico permitia a medida da constante de Planck por meio de experimentos e não a partir de artifícios matemáticos.
Para muita gente, Planck inclusive, emprestar essa realidade à constante foi um escândalo. Durante 11 anos o físico norte-americano Robert Millikan (1868-1953) realizou experimentos para tentar mostrar que Einstein estava errado. No final, obteve um valor tão preciso que ganhou o Nobel de Física de 1923, dois anos depois de Einstein ganhar o seu pela explicação do efeito fotoelétrico.
Dualidade confirmada
No início dos anos 1920, o francês Louis de Broglie (1892-1987) propôs a teoria que consolidou a ideia da dualidade partícula-onda. Não apenas a luz, que se pensava ser uma onda, apresenta esse comportamento dual. Corpos materiais também apresentam comportamento ondulatório, perceptível apenas na escala atômica.
Uma partícula como o elétron, ou o nêutron, tem a ela associada uma onda, cuja frequência é exatamente aquela proposta por Einstein para o fóton. Observe que Einstein partiu de uma onda (a luz) e chegou a uma partícula (o fóton), ao passo que de Broglie partiu de uma partícula (elétron ou nêutron) e chegou a uma onda.
Enfim, dependendo das circunstâncias, um mesmo objeto pode se apresentar como onda ou partícula. Aliás, grande parte da tecnologia microeletrônica baseia-se nesse princípio. Inúmeros dispositivos funcionam porque o elétron, na forma de onda, é capaz de atravessar camadas de semicondutores, que seriam obstáculos intransponíveis caso ele estivesse se comportando como partícula.
Esse fenômeno, conhecido como efeito túnel, já discutido aqui, está presente em diodos de tunelamento, relógios atômicos, memórias de computadores e telefones móveis, microscópios de tunelamento, equipamentos de ressonância magnética e computadores quânticos, para citar exemplos com maior visibilidade nos meios de comunicação de divulgação científica.
A celebração que se fará ao longo de 2015 ensejará a discussão de inúmeras aplicações tecnológicas a partir da manipulação da luz, mas os eventos originais são aqueles aqui descritos.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana