A estranha magia do magnetismo

A compreensão dos mistérios da natureza sempre foi um grande desafio para todos nós. Alguns fenômenos que acontecem de forma corriqueira podem parecer, em princípio, produzidos por magia. No ritmo atual de transformações tecnológicas que vivemos, muitos dispositivos presentes em nosso cotidiano seriam verdadeiros artefatos mágicos algumas décadas atrás. Basta compararmos o início do século 20 com os dias atuais.

Muitos dos grandes avanços tecnológicos que temos hoje sequer podiam ser concebidos naquela época, embora certos fenômenos por trás dessas tecnologias já fossem compreendidos. Nascia então a chamada mecânica quântica, ramo da física que estuda os fenômenos na escala do átomo. Em particular, a origem dos fenômenos magnéticos, tão presentes em nosso dia-a-dia, começou de fato a ser melhor compreendida naquele momento histórico.

Os fenômenos magnéticos têm despertado a curiosidade humana há milhares de anos. Temos, por exemplo, relatos sobre ímãs pelos gregos já por volta do ano 800 a.C. Coube ao filósofo grego Tales de Mileto (625-556 a.C.) propor uma primeira explicação para os fenômenos magnéticos. Ele atribuía as propriedades de atração e repulsão da magnetita (um ímã natural) ao fato de ela ter “uma alma própria”. Posteriormente, Platão tentou explicar os fenômenos magnéticos admitindo que a atração e a repulsão fossem devidas à “umidade” e à “secura” da magnetita. Entretanto, essas idéias eram apenas especulações e não revelaram a verdadeira origem do magnetismo.

Ilustração do livro De magnete , de William Gilbert, um dos primeiros tratados experimentais de física. O desenho mostra como magnetizar uma barra de ferro martelando-a, enquanto ela é mantida alinhada na direção norte-sul..

Quase dois milênios depois, no ano de 1600, uma importante obra foi publicada pelo médico e físico inglês William Gilbert (1544-1603): De magnete [Sobre o magneto]. Nesse livro, ele explicou por que as bússolas apontam a direção norte-sul. Gilbert afirmou que a Terra era um gigantesco ímã que emitia “eflúvios”, atraindo os outros ímãs. Essa é uma obra de grande importância, considerada um dos primeiros tratados experimentais de física, pois Gilbert chegou a essa explicação a partir da construção de um modelo esférico feito de magnetita para representar a Terra, que ele chamou de “terrela”.

Essa estranha magia da atração que os ímãs (ou materiais magnéticos) exercem entre si fascina muito nosso imaginário. É comum as pessoas associarem uma “certa influência magnética” a forças ou fenômenos que desconhecem. Albert Einstein (1879-1955) conta em suas notas autobiográficas que, quando tinha entre 4 ou 5 anos de idade, após se recuperar de uma enfermidade, ganhou do seu pai uma bússola e esse objeto o fascinou. Ele não compreendia como a agulha mudava de posição se nada estava encostando nela. O episódio foi considerado por ele determinante para estimular sua curiosidade científica.

Movimento dos elétrons
A origem do magnetismo está associada ao movimento dos elétrons ao redor do núcleo atômico. Quando os elétrons realizam esse movimento, associamos a eles uma propriedade conhecida como momento angular, que podemos entender como o produto da sua quantidade de movimento pela distância entre eles e o núcleo. Apenas para comparação, imagine uma bailarina girando em torno de si com os braços abertos: quando ela os encolhe, passa a girar mais rapidamente para que o momento angular permaneça constante.

Os elétrons possuem ainda uma outra característica, chamada de spin O spin é uma propriedade que todas as partículas que compõem a matéria possuem. Em inglês, essa palavra significa “rodopio”. Poderíamos imaginar que partículas, como elétrons, têm rotação. Contudo, como foi demonstrado pela mecânica quântica, um elétron (ou qualquer outra partícula elementar do átomo) não pode ser descrito apenas como partícula, pois também se comporta como se fosse uma onda.

De fato, o spin é uma propriedade que não se compara com nada que existe em nossa volta. Ele está associado com a maneira que os elétrons ocupam os níveis de energia no átomo. Um elétron pode ter o spin “up” (para cima) ou “down” (para baixo). Essa nomenclatura é apenas para diferenciar duas situações. Nos átomos não existe “para cima” ou “para baixo”. As propriedades magnéticas surgem então da combinação do momento angular e do spin do elétron..

Gravação magnética

Graças aos fenômenos magnéticos é possível gravar e armazenar dados nos discos rígidos dos computadores (imagem: Fundação Nobel).

Embora o magnetismo nos faça lembrar principalmente da bússola ou dos ímãs que colocamos na geladeira para prender pequenos recados, ele tem um impacto muito maior. Praticamente todas as informações atualmente disponíveis estão gravadas de maneira magnética. Os computadores armazenam centenas de gigabytes de informação em seus discos rígidos por meio do processo de gravação magnética.

A gravação de cada informação é feita por meio da aplicação de campos magnéticos sobre o material que compõe os discos rígidos. As informações são gravadas na forma de um código binário, como uma seqüência de “0” e “1”. Pode-se representar, por exemplo, o “0” como um pequeno ímã com o pólo norte apontando para cima ou o “1” com o pólo apontando para baixo.

Com o conhecimento mais profundo dos mecanismos responsáveis pelos fenômenos magnéticos da matéria e os avanços na produção de materiais na escala atômica, tornou-se possível construir artificialmente novos materiais que apresentam propriedades magnéticas inusitadas. Um dos grandes avanços alcançados nessa área ocorreu a partir da observação de um novo fenômeno físico chamado de magnetorresistência gigante, descoberto em 1988, com a participação de um pesquisador brasileiro, o professor Mario Baibich, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Naquela época, ele trabalhava em um laboratório francês em Orsay, na região parisiense, liderado pelo professor Albert Fert. Praticamente na mesma época, o físico alemão Peter Grünberg observou efeito semelhante.

Magnetorresistência gigante
A magnetorresistência gigante ocorre quando se produzem finas camadas de átomos de apenas alguns nanômetros (um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro) alternando-se materiais magnéticos e não magnéticos. Dependendo de quanto as camadas magnéticas estiverem separadas, elas podem ficar com uma orientação paralela (ambas com os pólos norte-sul na mesma direção) ou antiparalelas (com cada camada com orientações opostas).

Nessa segunda situação, se passarmos uma corrente elétrica pelo material, poderemos observar que este oferece uma determinada resistência à passagem da corrente. Quando se aplica um campo magnético à camada que está orientada na direção oposta, seus pólos se invertem para se alinhar na direção em que o campo magnético está aplicado. Quando isso ocorre, a resistência à passagem da corrente elétrica deste material pode variar até dezenas de vezes. Dessa maneira, um material construído dessa forma particular pode ser utilizado como um sensor magnético muito preciso.

O francês Albert Fert e o alemão Peter Grünberg, ganhadores do Nobel de física de 2007 (imagens: Fundação Nobel).

Desde meados da década de 1990 os computadores utilizam esse tipo de dispositivo em seus discos rígidos. Isso permitiu que as capacidades dos discos rígidos, que eram da ordem de 1 ou 2 gigabytes, fosse aumentada para 200 gigabytes

, como podemos encontrar nos computadores pessoais atualmente. Antes disso, a tecnologia utilizada era a de enrolamento de fios na forma de uma bobina de transformação. Essa configuração não podia ser miniaturizada como se consegue com os dispositivos magnetorresistivos.

 

A grande importância dessa descoberta foi reconhecida na semana passada pela Academia de Ciências da Suécia, que agraciou Albert Fert e Peter Grünberg

com o prêmio Nobel de Física deste ano. Talvez não tenha havido em toda a história da ciência outra descoberta de um fenômeno físico que se tivesse transformado tão rapidamente em uma aplicação tecnológica de grande importância. O magnetismo é um ramo fascinante da física, que sem dúvida ainda atrairá muitos interesses.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
19/10/2007