Engarrafamento na rua da Consolação, em São Paulo. O trânsito é um dos fatores da vida moderna que diminui nossa disponibilidade de tempo (foto: Mario Roberto Duran Ortiz).
O relógio toca insistentemente às 6h15. São exatamente 40 minutos para sair de casa e levar os filhos para a escola. Nenhum momento pode ser perdido, pois há sempre os problemas praticamente inevitáveis de todas as manhãs, como o trânsito. As crianças, ainda sonolentas, tomam o café da manhã e quase não há tempo para conversas. O tempo urge.
Ao sair de casa atrasado, encontra congestionamentos maiores que os de costume. Quando faltam apenas cinco minutos para começar a aula das crianças, a distância a ser percorrida é de três quilômetros. Olha incessantemente para o relógio, na esperança de que os ponteiros se movam mais devagar.
Depois de deixar as crianças em cima da hora na escola, outra corrida contra o relógio se inicia. Para chegar ao local de trabalho, uma nova batalha será travada. O tempo parece andar mais rapidamente justamente quando estamos atrasados. No trabalho, o ritmo continua acelerado. O tempo não é suficiente para as inúmeras tarefas que precisam ser executadas. O relógio – um algoz, por mais acelerado que seja o ritmo da rotina – indica que já está na hora do almoço.
Ao final do dia, quando retorna para casa, o trânsito faz com que a viagem de volta seja mais longa e lenta. De nada adianta ter pressa. O relógio marca 20h quando estaciona o carro na garagem, completando mais um ciclo que durou cerca de 14 horas. A sensação, que se repete todos os dias, é a de que o relógio andou muito rapidamente e que poucas coisas foram realizadas.
A situação descrita acima é semelhante à que a maioria das pessoas enfrenta nas grandes cidades. Todos nós, envolvidos cada vez mais com nossas atividades, sentimos essa sensação de que o tempo está passando mais rapidamente e que o relógio está sempre nos oprimindo. Mas será mesmo que o tempo está passando mais depressa? Será que o tempo realmente existe ou é uma criação humana?
O dia e a noite como marcadores do tempo
O conceito de tempo é algo bastante complexo e fascinante. Ele pode ser abordado sob o ponto de vista das mais diferentes áreas do conhecimento, como a filosofia, a sociologia, a biologia, a história, a psicologia e, em particular, a física, na qual esse conceito tem uma enorme importância, pois é a base para muitas das suas teorias mais importantes.
O esquema representa uma comparação entre o dia sideral e o dia solar. Nos quadros acima, o pequeno círculo vermelho representa uma estrela distante e o amarelo, o Sol. No primeiro quadro (esquerda), ambos estão no ponto mais alto do céu. Depois de 23h56m, quando se completa um dia sideral, somente a estrela distante está no ponto mais alto; apenas quatro minutos depois, ao fim do dia solar, o Sol atinge o ponto mais alto no céu.
Uma das primeiras formas que utilizamos para marcar o tempo foi a alternância entre o dia e a noite. Atualmente sabemos que esse efeito se deve à rotação da Terra ao redor de um eixo inclinado aproximadamente 23 graus em relação a uma linha perpendicular ao plano de sua órbita em torno do Sol. A Terra completa uma rotação a cada 23h56m04s. Esse período é chamado de dia sideral.
Por outro lado, 24 horas é o tempo médio que leva para que o Sol, visto da Terra, volte ao mesmo ponto do céu. Esse período é chamado de dia solar médio. Ao longo do ano, ele chega a variar até 15 minutos, para mais ou para menos. A diferença de 4 minutos entre o dia sideral e o dia solar médio ocorre devido ao movimento de translação da Terra ao redor do Sol. Isso significa que, para que o Sol volte ao mesmo ponto do céu, ele gasta um tempo extra além do da rotação, pois a Terra caminhou aproximadamente 2.500.000 quilômetros ao redor do Sol e, dessa forma, há uma mudança na sua posição no céu.
A variação do período do dia solar se deve, por um lado, ao fato de a órbita da Terra ser uma elipse (embora muito próxima de uma circunferência). Além disso, a velocidade com que ela executa o movimento de translação varia ao longo do ano, dependendo da sua distância em relação ao Sol. Dessa forma, convencionou-se que o nosso dia solar teria 24 horas.
Contudo, a velocidade de rotação da Terra não influencia de maneira real a passagem do tempo para nós. Podemos encontrar em algumas páginas na internet alegações de que a velocidade de rotação da Terra está aumentando e, como conseqüência, o tempo estaria passando mais rapidamente. De acordo com elas, isso explicaria a sensação de que estamos ficando sem tempo para realizar as nossas tarefas. Alguns desses endereços na internet chegam a veicular informações de que a rotação real da Terra seria de 12 horas, embora os relógios não a detectem!
O atraso na rotação da Terra
De fato, a rotação da Terra tem se alterado com o passar do tempo. Ao contrário do que se alega, porém, o período tem aumentado e não diminuído. O responsável por isso é o efeito de maré, que se deve à influência gravitacional da Lua e do Sol sobre a Terra. Como a atração gravitacional em dois extremos da Terra acaba sendo diferente (pois estão em distâncias diferentes), o “puxão” gravitacional desses dois astros faz com que ocorra o aumento e a diminuição das marés oceânicas. Estas, por sua vez, contribuem para “frear” lentamente a rotação da Terra.
Esse efeito, contudo é muito pequeno: o período de rotação da Terra aumenta cerca de 0,002 segundo por século, ou seja, serão necessários 100 mil anos para que ele aumente 2 segundos (um dia sideral tem 86.164,08 segundos).
Alega-se ainda que a velocidade de rotação da Terra, que é cerca de 1.649 km/h no equador, alteraria a passagem do tempo. Segundo a teoria da relatividade de Einstein, a velocidade com que nos movemos altera a passagem do tempo, ou seja, relógios que estão em movimento em relação a um determinado observador registram a passagem do tempo mais lentamente.
Entretanto, esses efeitos somente são relevantes quando os corpos estão se movimentando com velocidades próximas à da luz, que é 300.000 km/s (ou 1.080.000.000 km/h). No caso da velocidade de rotação da Terra, esse efeito seria da ordem de 4 milésimos de segundo por século, quando comparado com um relógio que estivesse parado e distante relação à Terra.
Estamos perdendo tempo?
Apesar da impressão de que o tempo está passando mais depressa, a física nada tem a ver com isso: é preciso buscar a explicação no estilo de vida das sociedades urbanas modernas (foto: Ivaylo Georgiev).
Mas o tempo realmente existe? Do ponto de vista da física, esse conceito pode ser definido como o parâmetro que descreve a mudança de um sistema a partir de um determinado estado, ou seja, utilizamos relógios para medir o tempo, sejam mecânicos, eletrônicos ou atômicos. Com a teoria da relatividade Einstein, os físicos passaram a conceber o tempo como uma grandeza intimamente relacionada com o espaço, de forma que não podemos nos referir a um sem implicar o outro. A relatividade mostrou que o movimento e a própria gravidade afetam a passagem do tempo.
Dessa forma, a sensação que temos de que o tempo está passando mais rapidamente está relacionada com o estilo de vida que adotamos e com a percepção que temos do mundo. Vivemos em um ambiente saturado de informação em um grau sem precedentes na história da humanidade – na internet, no rádio e na TV, nas ruas. Afogados nesse turbilhão de informação, temos a impressão de que sobra menos tempo para nós mesmos.
Entretanto, os relógios continuam marcando o tempo da mesma forma: fisicamente, o tempo não está sendo alterado. Talvez a solução para encontrarmos mais tempo para nós seja repensar um pouco os rumos que a nossa sociedade tem tomado e o que de fato queremos para nós. Esta é uma questão urgente: não há tempo a perder para resolvê-la.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
20/06/2008