A medida do homem

Retrato de Toulouse-Lautrec pintado pelo pintor francês Édouard Vuillard (1868-1940). Devido a uma anomalia genética, Toulouse-Lautrec tinha apenas 1,52 m de altura.

O francês Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901) é um de meus pintores favoritos. Grande parte do vigor e da originalidade da sua obra, que retrata a vida noturna e os cabarés na Paris do final do século 19, deve-se ao sofrimento e preconceito pelo qual o pintor passou em sua curta vida: portador de uma anomalia genética conhecida como picnodisostose, Toulouse-Lautrec sofreu fraturas e atrofias em suas pernas e alcançou apenas 1,52 metro de altura.

A diferença de estatura entre Toulouse-Lautrec e o homem vivo mais alto do mundo, o ucraniano Leonid Stadnyk, com 2,53 m, é de pouco mais de um metro. Porém, como o pintor francês, Leonid também é vítima de preconceito, por estar muito acima da estatura média da população.

Entre esses extremos está a imensa maioria dos homens que, em nosso país, têm em média 1,69 m de altura, de acordo com um levantamento de 2005 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contudo, segundo os padrões atuais da beleza, indivíduos que têm estatura elevada são mais valorizados. O que a ciência atual sabe sobre o nosso crescimento e o que ela pode fazer por pessoas que tenham distúrbios nesse processo?

Como crescemos
Nosso crescimento é mais pronunciado durante a vida uterina e logo após o nascimento – os bebês ganham cerca de 25 cm de estatura apenas no primeiro ano de vida. Posteriormente, esse valor decresce até alcançar uma taxa de 7 a 12 cm por ano durante a puberdade e se interrompe, por volta dos 21 anos nos rapazes e 18 nas moças.

O crescimento depende do aumento em extensão de ossos longos, como o fêmur, por exemplo. Esse processo ocorre por meio da substituição do anel de cartilagem (conhecido como cartilagem epifisária) presente nas extremidades desses ossos. Durante esse alongamento, chamado de ossificação endocondral, a cartilagem epifisária se expande em direção às pontas dos ossos enquanto suas porções mais internas são substituídas por tecido ósseo. A cartilagem epifisária é totalmente substituída por tecido ósseo uma vez alcançada a idade adulta.

Simultaneamente, também ocorre um espessamento dos ossos longos, evitando que eles se fragilizem ao se alongarem. Esse crescimento, denominado ossificação intermembranosa, ocorre de forma diversa: depende da transformação dos fibroblastos presentes na membrana conjuntiva que envolve os ossos – o periósteo – em células ósseas conhecidas como osteoblastos. Esses tipos celulares são capazes de produzir a nova matriz óssea nesses locais.

Molécula da somatotropina, comumente conhecida como hormônio do crescimento.

O hormônio do crescimento, conhecido também como somatotropina, secretado pela região anterior da hipófise, em conjunto com o fator similar à insulina tipo 1 (IGF-1), liberado pelo fígado, controlam o processo de crescimento. Sua influência é exercida de forma indireta, via uma proteína também de origem hepática conhecida como somatomedina. Essa molécula estimula a síntese de matriz óssea e a divisão celular em nossos tecidos.

Uma insuficiência na secreção de somatotropina durante a infância e adolescência gera o nanismo. Por outro lado, a hipersecreção desse hormônio durante esse período promove o gigantismo, caracterizado pelo crescimento exagerado. Os picos de secreção desses hormônios ocorrem na adolescência, durante o sono. Por isso, nossas mães estavam – mais uma vez – certas quando tentavam nos enviar mais cedo para a cama!

Os estudiosos do crescimento humano – os auxólogos (do grego auxē = crescer) – afirmam que, além do sono, existem diversos fatores envolvidos nesse processo. A saúde, o estado nutricional e a qualidade de vida dos indivíduos são elementos associados com o crescimento. A prática constante de atividades físicas, uma alimentação rica, a exposição a poluentes e a herança genética também contribuem para a altura de um individuo.

Fatores étnicos
A influência étnica também é um fator importante na herança de nossa estatura. Europeus são, em média, maiores que asiáticos, por exemplo. Com relação a esse tema, a África é uma terra de contrastes. Ali se originaram, por exemplo, os pigmeus, um dos mais antigos grupos humanos, que alcançam em média apenas 1,45 m (homens) e 1,33 m (mulheres) e que, posteriormente, migraram para as Filipinas e Nova Guiné. Apesar de seu tamanho reduzido, os pigmeus não são anões, pois têm os corpos perfeitamente proporcionais.

O gráfico compara a altura de um pigmeu e a de um europeu. Apesar do tamanho reduzido, os pigmeus não são anões, pois têm os corpos perfeitamente proporcionais.

Além disso, na África são encontrados os sudaneses, considerados o grupo humano de estatura mais elevada. Entre eles, há homens com altura média de 1,90 m e mulheres com 1,80 m! Os famosos guerreiros Maasai e os núbios – que os exploradores franceses chamavam de faraós negros – pertencem a esse grupo.

Dentro de um determinado grupo étnico, a estatura de um indivíduo pode refletir sua qualidade de vida, saúde e mesmo a longevidade. Nesse sentido pode ser citado o exemplo dos japoneses. Pesquisas têm indicado que o aumento recente na estatura da população japonesa relaciona-se com o aumento do consumo de proteínas ocorrido após o crescimento da economia na década de 1960. Os hábitos de higiene e sanitários da população também contribuem para essa elevação, assim como para uma maior longevidade nipônica.

Outros estudos confirmam que a prevenção de doenças, aliada a uma alimentação correta do ponto de vista nutricional, têm uma relação direta com características antropométricas – como o peso e altura – de populações humanas. Um bom exemplo é um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Granada (Espanha), chefiados por Antonio David Hueso. A pesquisa analisou dados antropométricos de monges que viveram no Mosteiro de Montefrío e Santa Fé (Espanha) entre 1750 e 1950 e mostrou que há uma relação entre os hábitos saudáveis e a estatura dos indivíduos.

O peso da genética
Por outro lado, estudos com gêmeos têm mostrado que fatores genéticos contribuem para cerca de 90% da variação normalmente observada em nossa estatura. Contudo, até recentemente esses genes eram totalmente desconhecidos da ciência. Esse quadro começou a mudar recentemente, após a publicação dos resultados de um estudo em que estiveram envolvidos 21 autores e dois consórcios dirigidos por Timothy Frayling, da Escola de Medicina de Exeter, no sudoeste da Inglaterra. Um artigo publicado no início deste mês na revista Nature Genetics aponta pela primeira vez um gene diretamente envolvido em nosso crescimento.

A equipe de Frayling examinou o genoma de cerca de 5 mil indivíduos e mostrou que variantes ou alelos do gene conhecido como HMGA2 (sigla em inglês para ”grupo de proteínas de alta mobilidade com uma alça AT”) estão associados com diferenças na altura de adultos e crianças. Segundo Frayling, os alelos “alto” e “baixo” estão igualmente distribuídos na população européia branca. Contudo, eles explicam apenas 0,3% da variação observada na estatura em uma dada população, ou cerca de 0,4 cm por cópia do gene em um indivíduo. Mutações raras em HMGA2 podem, contudo, causar alterações pronunciadas na estatura de seus portadores, fazendo, por exemplo, com que uma criança de oito anos chegue a 1,70 m de altura.

A compreensão do papel desses genes pode, por outro lado, gerar pistas sobre doenças humanas, pois já se sabe que indivíduos com estatura mais elevada têm maior chance de sofrerem câncer de próstata, bexiga e pulmões. Inversamente, pessoas mais baixas têm maior risco de apresentarem doenças cardíacas. A ocorrência dessas patologias está provavelmente associada com o descontrole nos genes que regulam a proliferação celular e, assim, o crescimento do indivíduo.

Certamente serão descobertos nos próximos anos outros genes envolvidos na herança da estatura na espécie humana, demonstrando qual é contribuição do ambiente e da genética para essa característica complexa (poligênica) em nossa espécie.

Questão cultural
As mulheres parecem manifestar preferência por indivíduos mais altos em várias sociedades humanas. A estatura talvez seja percebida pelas parceiras potenciais como um sinal de saúde e bons genes para sua prole. Contudo, nossas antepassadas tinham um gosto diferente…

Pesquisas realizadas pelo paleontólogo David Carrier, da Universidade de Utah (EUA), e publicadas em março de 2007 na revista Evolution indicam que, entre nossos antepassados Australopithecus, os indivíduos de menor estatura eram preferidos pelas fêmeas e, assim, tinham maior sucesso reprodutivo. Segundo Carrier, essa preferência talvez se baseasse no fato de que os indivíduos menores, por possuírem pernas mais robustas, eram capazes de proteger melhor as fêmeas e sua prole. Esse quadro se modificou há cerca de 2 milhões de anos, com o início da utilização de armas por esses hominídeos.

Portanto, enquanto a ciência não descobre os mistérios por trás do crescimento, caro leitor, siga o seguinte conselho: se você ainda está em fase de crescimento, pratique esportes e durma cedo. Porém, se você já passou da adolescência, procure uma namorada que seja menor que você ou que não pense como a maioria das mulheres!

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line 
14/09/2007

SUGESTÕES PARA LEITURA
Attanasio, A.F., Shalet, S.M. (2007). Growth hormone and the transition from puberty into adulthood. Endocrinol. Metab Clin. North Am. 36, 187-201.
Desai, B.M. (2007). Osteobiologics. Am. J. Orthop. 36, 8-11.
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