A origem dos mamíferos modernos

Todos os mamíferos que vivem nos dias de hoje podem ser classificados em um dos três principais grupos existentes: Monotremata, Marsupialia e Placentalia. Destes, têm amplo predomínio os placentários, que reúnem em torno de 5 mil das 5.400 espécies de mamíferos descritas até agora e são encontrados em praticamente todas as partes do nosso planeta. Tigres, ursos, preguiças, primatas, elefantes, baleias, morcegos, coelhos e roedores são apenas alguns dos placentários mais conhecidos.

Uma das principais discórdias entre os pesquisadores refere-se a quando esses mamíferos modernos se originaram e se diversificaram. Liderados por John R. Wible (Museu de História Natural de Carnegie, Pittsburgh, Pensilvânia), pesquisadores dos Estados Unidos e da Inglaterra descreveram um novo fóssil da Mongólia e questionaram dados moleculares sobre a origem dos placentários. O estudo foi publicado no ano passado na Nature e esquenta o debate sobre o assunto.
O achado da Mongólia
O mamífero primitivo que Wible e colegas descreveram pertence a um grupo de placentários chamado de Cimolestidae, que surgiu no topo do Cretáceo e se extinguiu logo no início do Terciário. Bastante raro no registro fóssil, os Cimolestidae são compostos por poucas formas, conhecidas por arcadas incompletas ou dentes isolados.

Chamada de Maelestes gobiensis, a nova espécie é baseada em um único exemplar, porém bastante completo, com crânio, mandíbula e vários elementos pós-cranianos, preenchendo diversas lacunas sobre o conhecimento do grupo.

Maelestes gobiensis é um dos menores mamíferos já encontrados (seu crânio mede menos de três centímetros de comprimento). Ele foi descoberto na região Ukhaa Tolgod, na Mongólia, em rochas da Formação Djadokhta com idade estimada entre 75 e 71 milhões de anos.

À esquerda, reconstrução do crânio de Maelestes gobiensis; à direita, crânio incompleto e mandíbula do animal encontrados pelos pesquisadores. A nova espécie é um dos menores mamíferos já descritos (imagem: Nature).

Modelos de evolução dos mamíferos modernos
De forma resumida, existem três linhas de pensamento que procuram explicar a origem e diversificação dos placentários. Os defensores do chamado modelo “explosivo” advogam que esse grupo de mamíferos modernos teria surgido e se diversificado próximo ao limite Cretáceo-Terciário, aproximadamente há 65 milhões de anos. Em sua maioria, os defensores dessa hipótese são paleontólogos, que se baseiam no registro fóssil.

Um segundo modelo sugere que os placentários são bem mais antigos, tendo surgido dentro do período Cretáceo, inicialmente com poucas formas, que se diversificaram bem próximo – ou mesmo depois – do limite Cretáceo-Terciário. Por último, uma terceira corrente de pesquisadores acredita que a origem e diversificação dos placentários é bem anterior ao limite Cretáceo-Terciário, não tendo deixado, no entanto, um bom registro fóssil.

Esses dois últimos modelos são defendidos particularmente por cientistas que se valem de dados moleculares, obtidos a partir dos placentários recentes (veja coluna de março deste ano para mais informações sobre pesquisas moleculares).

Novos resultados

Uma análise da relação de parentesco dos principais grupos de mamíferos feita pelos cientistas alterou a posição dos Xenarthra – que incluem tatus, preguiças e tamanduás (na foto) – no quadro evolutivo. Antes, esses animais eram considerados placentários basais (foto: Malene Thyssen/ Wikimedia Commons).

A partir de Maelestes gobiensis, Wible e colegas fizeram uma análise da relação de parentesco dos principais grupos de mamíferos – extintos e recentes –, valendo-se de dados anatômicos. O estudo resultou em um novo posicionamento de diversos placentários dentro do quadro evolutivo e contou uma história bem distinta sobre a evolução desses mamíferos.

Entre as mudanças está a posição dos Xenarthra (tatus, preguiças e tamanduás). Anteriormente eles eram considerados placentários basais, o que levou à teoria de que os mamíferos modernos teriam se originado nos continentes do Sul (unidos no passado em um supercontinente chamado de Gondwana). De acordo com a nova pesquisa, os placentários mais primitivos se originaram perto do limite Cretáceo-Terciário nos ditos continentes do Norte (unidos no passado no supercontinente Laurásia), que, desse modo, teria sido o berço dos mamíferos modernos.

Controvérsia
A discrepância entre os dados morfológicos (principal fonte dos paleontólogos) e os dados moleculares resulta em diferentes idades para a origem dos placentários. Segundo os paleontólogos, incluindo Wible e sua equipe, os mamíferos modernos se originaram em torno de 65 milhões de anos atrás, próximo ao limite Cretáceo-Terciário (ou talvez até depois disso). Já dados moleculares estendem a origem desse grupo para mais de 140 milhões de anos atrás.

Como os cientistas poderão resolver essa controvérsia? Pelo lado dos paleontólogos, a única maneira é realizar mais escavações para continuar encontrando novos fósseis que poderão corroborar – ou refutar – as hipóteses apresentadas. Pelo lado dos biólogos moleculares, existe a necessidade de continuar pesquisando metodologias mais sofisticadas que possam resolver problemas ligados a variações das taxas de substituições genéticas, que são influenciadas por diversos fatores, incluindo o tipo de animal estudado.

De qualquer maneira, estudos como o de Wible e colaboradores indicam um aumento significativo da diversidade dos mamíferos modernos após o limite Cretáceo-Terciário, ou seja, após a extinção dos grandes dinossauros. 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
07/11/2008

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Elaine Machado (Museu Nacional/UFRJ) e colaboradores acabam de reportar uma nova ocorrência de dinossauro terópode no Brasil. Apesar da limitação do material, que impediu a caracterização de uma nova espécie, o estudo, publicado na revista alemã Paläontologische Zeitschrift, demonstra a existência de uma diversidade maior de grupos de dinossauros carnívoros em depósitos cretáceos do país.
Está em organização o Segundo Simpósio de Preparação de Fósseis e Coleções Paleontológicas no Museu Geológico de Tate, no Casper College, Casper, Wyoming (EUA). O evento, que pretende reunir técnicos e interessados na preparação de vertebrados fósseis em geral, será realizado de 5 a 7 de junho de 2009. Mais informações pelo e-mail: [email protected]
Yurena Yanes (Virginia Polytechnic Institute e State University em Blacksburg) e colaboradores estudaram gastrópodes fósseis de depósitos quaternários nas Ilhas Canário. Enfocando a preservação em dunas e paleosolos, os autores procuraram identificar alterações de composição das conchas em diferentes camadas. A pesquisa, publicada na Lethaia, demonstrou que o material desse tipo de depósito reflete bem a abundância de cada espécie, podendo ser um retrato fiel da composição faunística original.
Um novo anfíbio do grupo Temnospondyli, procedente de rochas triássicas da Antártica, acaba de ser descrito. Kryostega collinsoni foi estudado por Christian A. Sidor (Universidade de Washington, Seattle, Washington) e colaboradores com base na região rostral de um crânio caracterizado pela presença de dentes bem desenvolvidos. O estudo, publicado no Journal of Vertebrate Paleontology, aumenta a diversidade de vertebrados fósseis do continente gelado e sugere que essa região era uma importante área de especiação durante o Triássico.
As pesquisadoras argentinas Adriana López-Arbarello e Ana M. Zavattieri revisaram os peixes actinopterígios das formações Potrerillos e Santa Clara Abajo da Argentina, ambas de idade triássica. Publicado na Palaeontology, o estudo identificou uma nova espécie, além de linhagens endêmicas presentes em áreas do Gondwana (que no passado reunia os continentes ao sul do Equador) e da Europa.
Mauro G. Passalia (Universidade de Comahue, San Carlos De Bariloche, Rio Negro) e colaboradores descreveram em detalhe folhas de plantas angiospermas encontradas no sítio Futalognko, do Cretáceo, situado às margens do lago Barreales, em Neuquén (Argentina). O estudo, que acaba de ser publicado na Ameghiniana, apresenta a possível alimentação dos dinossauros herbívoros encontrados com certa abundância nessa região, alguns de porte gigantesco.