No dia 11 de março de 2011 ocorreu no Japão um dos mais fortes terremotos já registrados. Pelo fato de o epicentro do tremor ter sido no oceano, formou-se um tsunami que atingiu a costa norte do país, aumentando ainda mais a devastação. A pior consequência de todos esses eventos foi o acidente nuclear nos reatores que ficam na cidade de Fukushima. Devido ao tremor de terra, estes foram desligados.
Contudo, quando se desliga um reator nuclear, ele não para de funcionar imediatamente, pois as reações nucleares continuam acontecendo. É necessário resfriá-lo para que ele cesse de operar. Para isso são utilizados geradores de energia elétrica, que acionam o sistema de refrigeração. Mas o tsunami decorrente do terremoto acabou por destruir os geradores e abalar os prédios onde estavam os reatores, impedindo o seu resfriamento e causando todos os problemas de contaminação radioativa que os japoneses estão vivenciando.
Nos reatores nucleares, que funcionam em alta temperatura, átomos de urânio têm o seu núcleo ‘quebrado’. Esse processo, chamado fissão nuclear, foi descoberto por Otto Hahn (1879-1968), Lise Meitner (1878-1968) e Fritz Strassmann (1902-1980) em 1938.
Nele, um nêutron com alta energia colide com o núcleo de urânio, levando a sua quebra e à formação de um átomo de criptônio e um de bário. Com mais três nêutrons produzidos na colisão, gera-se uma reação em cadeia. Em 1942, foi produzida pelo físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) a primeira reação nuclear em cadeia controlada.
Se o reator nuclear não é resfriado, os nêutrons produzidos nas reações continuam tendo alta energia, devido à alta temperatura. Somente quando ele é resfriado totalmente o processo cessa.
A massa combinada dos fragmentos da fissão é menor do que a massa do átomo original de urânio. A diferença entre uma e outra é convertida em energia pela famosa equação de Einstein E=mc2, na qual ‘m’ é a massa faltante e ‘c’ é a velocidade da luz.
Como ‘c’ é um número muito grande (3×108 m/s), uma pequena quantidade de massa pode gerar uma grande quantidade de energia. Uma reação de quebra de um núcleo de urânio libera mais de 6 milhões de vezes mais energia do que a liberada por molécula em uma explosão de TNT – explosivos convencionais.
Quando se faz uma reação em cadeia não controlada, em que todos os átomos de urânio se fissionam, tem-se uma explosão nuclear, como aquelas que aconteceram também no Japão em 1945, em Hiroshima e Nagasaki. No caso dos reatores nucleares em Fukushima, é altamente improvável que isso ocorra devido à quantidade e ao isótopo de urânio utilizado.
Por dentro da radioatividade
Os produtos das reações de fissão nuclear geram átomos instáveis que decaem espontaneamente, ou seja, também são ‘quebrados’, gerando radioatividade. Esse fenômeno foi descoberto por Antoine Henri Becquerel (1852-1908) em 1896 em sais de urânio.
Praticamente na mesma época, o casal Pierre Curie (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934) desenvolveu estudos para explicar a origem da radioatividade. O casal Curie e Becquerel receberam o prêmio Nobel de Física de 1903 por essa descoberta.
A radioatividade é resultante do processo de transformação do núcleo atômico. O núcleo é composto por prótons, que têm carga elétrica positiva, e por nêutrons, que não têm carga elétrica. Devido às cargas positivas dos prótons, existe uma forte força de repulsão atuando nessa região – pois cargas iguais se repelem.
Para contrabalancear esse efeito, existe a força nuclear forte, que atua tanto sobre os prótons quanto nos nêutrons. Por exemplo, o átomo de urânio, que é o elemento com maior núcleo atômico, tem 92 prótons e 143 nêutrons, na sua forma mais abundante.
Todos os elementos com mais de 82 prótons – quantidade correspondente ao átomo de chumbo – são radioativos. Existem outros materiais com menos prótons que também são instáveis, mas apenas alguns dos seus isótopos – átomos com número igual de prótons e diferente de nêutrons.
Um dos isótopos do cobalto, por exemplo, que possui um nêutron a mais do que o mais abundante na natureza, decai e se transforma em um átomo de níquel. O que ocorre nesses casos é que os átomos com maior número de nêutrons se tornam instáveis, levando à desintegração de seu núcleo.
Quando o urânio começa a se desintegrar, ele se transforma em tório – que tem 90 prótons no seu núcleo –, emitindo uma partícula alfa, que corresponde a dois prótons e dois nêutrons, exatamente a composição do núcleo do átomo de hélio. Ao emitir essa partícula, o núcleo também libera radiação de alta energia, os chamados raios gama. Essa radiação é que se torna letal, pois consegue penetrar em nosso organismo e pode desestruturar o núcleo das células. Essa desestruturação celular, por sua vez, pode levar ao aparecimento de câncer.
Os perigos reais
Dessa maneira, o grande perigo em Fukushima é que os elementos radioativos escapem do reator e contaminem tudo ao seu redor, pois este fica continuamente emitindo radiação de alta energia, altamente perigosa.
A contaminação radioativa é diferente da irradiação. Uma contaminação, radioativa ou não, caracteriza-se pela presença indesejável de um material em determinado local, onde este não deveria estar. A irradiação é a exposição de um objeto ou um corpo à radiação. Ela ocorre a uma distância determinada, sem necessidade de um contato direto com o material radioativo. Irradiar, portanto, não significa contaminar. No entanto, o local onde ocorre contaminação com material radioativo vai ser irradiado continuamente.
Os perigos da manipulação de materiais radioativos ou a utilização da energia nuclear, como vimos, são muito grandes. Mesmo com todas as preocupações e medidas de segurança, há sempre o risco de acidentes, como este que aconteceu no Japão e outros que ocorreram anteriormente na antiga União Soviética e nos Estados Unidos.
O Brasil já teve problemas de contaminação de materiais radioativos, como o acidente que aconteceu em Goiânia em 1987, quando algumas gramas de césio-137 vazaram de um equipamento radioterapêutico e causaram várias mortes (leia matéria sobre os impactos do acidente ainda hoje).
Vinicius de Moraes, em uma de suas belas poesias, lembra-nos da explosão da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki e de suas consequências, sugerindo que a explosão nuclear forma no céu uma espécie de flor.
Em seus versos:
Mas, oh, não se esqueçam/ Da rosa da rosa/ Da rosa de Hiroshima/ A rosa hereditária/ A rosa radioativa/ Estúpida e inválida/ A rosa com cirrose/ A anti-rosa atômica/ Sem cor sem perfume/ Sem rosa, sem nada.
Em Fukushima, não houve explosão atômica, mas levará um bom tempo para que as rosas voltem a florescer naquele lugar.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos