No mais recente texto que escrevi aqui sobre o grafeno, apresentei as expectativas de suas aplicações na área em que o silício é soberano: a fabricação de transistores. Não fiz qualquer referência às suas aplicações fotônicas. Vamos tratar disso agora, mas, antes de prosseguir, um parêntese necessário.
Na literatura internacional, é usual a referência às aplicações fotônicas e optoeletrônicas, levando o leitor não especialista a imaginar que se trata de áreas diferentes. Na verdade, a optoeletrônica é uma subárea da fotônica, que se refere a processos eletrônicos mediados pela luz ou, para usar o termo cientificamente mais correto, processos mediados pelos fótons, que é a partícula elementar associada à luz. Portanto, para evitar a presumida confusão e tratar o tema em um contexto mais geral, usarei aqui apenas o termo fotônica.
Minhas abordagens iniciais, enfatizando as aplicações eletrônicas, não fotônicas, refletiam a preferência da comunidade científica internacional. Dos mais de 30 mil artigos registrados até o momento na Web of Science, mais de 2,5 mil têm o transistor como uma das palavras-chave catalogadas, enquanto 587 indicam fotônica e optoeletrônica como palavras-chave.
Essa preferência pelos semicondutores e transistores, excluindo a fotônica, também aparece entre os pesquisadores brasileiros. Dos mais de 387 artigos registrados na mesma base digital com a participação de instituição brasileira, apenas um tem a fotônica como palavra-chave.
No entanto, parece que é nessa área que o Brasil vai iniciar suas aplicações tecnológicas do grafeno. Em matérias recentemente veiculadas pela Agência Fapesp e pelo Jornal da Ciência, somos informados sobre a existência de uma colaboração, com apoio da Fapesp, entre o Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologia (MackGrafe) da Universidade Presbiteriana Mackenzie e o Centro de Pesquisa em Grafeno da Universidade Nacional de Cingapura.
De acordo com Eunézio Antônio Thoroh de Souza, coordenador do MackGrafe, a aplicação mais imediata que eles têm em mente é a criação de moduladores de grafeno para uso em comunicação optoeletrônica. Faz sentido a escolha, pois essa é a área com as maiores expectativas de aplicações comerciais, dizem os especialistas.
Um supermaterial
No artigo que escrevi sobre as promessas tecnológicas do grafeno em julho de 2010, apresentei as propriedades físicas que faziam desse material objeto de desejo de boa parte da indústria eletrônica, destacando-se entre elas a alta condutividade, que chega a ser 10 vezes superior à do cobre, e a alta mobilidade dos elétrons, também 10 vezes superior à observada em silício.
Essas propriedades são importantes para qualquer tipo de aplicação. E, além delas, o grafeno apresenta propriedades óticas propícias a aplicações fotônicas, começando pela forte interação que o material tem com a luz, independentemente do comprimento de onda. Essa propriedade está relacionada com o alto coeficiente de absorção ótica do grafeno, algo que tem a ver com a eficiência quântica na interação luz-matéria.
Todas essas propriedades se devem a um aspecto da natureza do grafeno que mencionei na primeira coluna que publiquei sobre esse material. Em todos os semicondutores, os elétrons se movimentam em uma região conhecida como banda de condução, que normalmente está vazia.
Em geral os elétrons ficam na banda de valência e só passam para a banda de condução quando são estimulados – por exemplo, por uma radiação eletromagnética (luz visível, raios X, ultravioleta etc.). A radiação só é capaz de estimular o elétron se sua energia for superior à energia que separa as duas bandas. É por isso que temos semicondutores que funcionam na região do infravermelho, outros na região do visível, e assim por diante.
No grafeno, essas duas bandas se tocam em alguns pontos – denominados pontos de Dirac – e por ali os elétrons passam facilmente de uma para a outra. É por isso que o grafeno tem forte interação com a luz, independentemente do comprimento de onda – que determina a energia da radiação.
É claro que a história não se resume a isso. Existem outras propriedades quânticas que explicam o comportamento do grafeno, mas, se tivermos que sintetizar a razão do grafeno ser tão importante para aplicações eletrônicas e fotônicas, podemos dizer: é por causa dos pontos de Dirac, que levam os elétrons a se comportarem como se não tivessem massa, atingindo velocidades próximas à da luz.
Aplicações à vista
E quais são essas aplicações? São muitas já patenteadas, mas até agora nenhuma comercializada. Mais de cinco mil patentes já foram registradas em vários países. Só na China foram registradas mais de duas mil. Dentre os dispositivos patenteados encontram-se transistores, circuitos integrados e muitos produtos fotônicos, entre os quais os tais moduladores para uso em comunicação optoeletrônica.
Moduladores são dispositivos muito importantes em qualquer processo de telecomunicação. Geralmente os sinais produzidos por transmissores precisam ser modificados antes do envio através dos canais de transmissão. São os moduladores que executam essa tarefa. Os mais familiarizados com a área sabem do que estou falando, modulação de amplitude, de frequência, de intensidade, entre outras. As rádios FM são aquelas que operam com frequência modulada.
Podemos passar ao largo dos detalhes técnicos usando uma analogia. Imagine que se deseja passar um balão inflável através de uma porta cuja largura é menor do que o diâmetro do balão. Fácil, não? Basta comprimir o balão até que ele passe. Aí está um procedimento similar à modulação de ondas eletromagnéticas.
Em 2011, o público tomou conhecimento do primeiro modulador optoeletrônico com grafeno, desenvolvido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley. Trata-se de um dispositivo que opera na faixa do espectro eletromagnético correspondente ao infravermelho, bastante apropriado para uso em comunicações via fibra ótica.
Como foi dito acima, o uso de grafeno em dispositivos optoeletrônicos não se limita aos moduladores. Dispositivos como telas sensíveis ao toque, diodos emissores de luz e dispositivos fotovoltaicos – células solares, por exemplo – necessitam de materiais transparentes com baixa resistência elétrica, ou seja, de condutores transparentes, uma área atualmente dominada pelo óxido de índio e titânio, conhecido pela sigla ITO, e que deverá ser substituído por compostos à base de grafeno.
Enfim, o MackGrafe investe em uma área de inovação tecnológica altamente competitiva e com perspectivas de aplicações tecnológicas ainda não exploradas. É esperar para ver.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana