Ainda a extinção dos dinossauros

Não tem jeito: quando se fala em extinção em massa, a atenção do público – e da comunidade científica – é redobrada. Ainda mais quando essa extinção está ligada aos dinossauros. Como é de conhecimento geral, em torno de 66 milhões de anos atrás, uma crise mundial se instaurou no planeta e resultou em uma das maiores extinções em massa conhecidas: mais de 70% de toda a vida foi dizimada em um tempo bem curto do ponto de vista geológico. Isso ocorreu no limite entre os períodos Cretáceo e Paleógeno (limite K/Pg) e o evento marcou o fim de diversos grupos, inclusive o dos dinossauros não avianos (nunca é demais repetir que as aves são dinossauros modificados e sobreviveram até os dias de hoje).

Em 1980, pesquisadores (incluindo um ganhador do prêmio Nobel) postularam que o motivo dessa crise que levou à extinção em massa no limite K/Pg foi um impacto de um corpo celeste de grandes proporções, como um meteoro, cometa ou asteroide, do qual se encontrou a cratera – denominada Chicxulub – na península de Iucatã, no México. Não é difícil imaginar a controvérsia e os questionamentos levantados em torno desse trabalho.

Entre as alternativas à teoria do impacto como responsável por essa extinção em massa, a que mais se destaca é aquela que sublinha a existência de um extenso vulcanismo no planeta, despejando por centenas de anos toneladas de produtos tóxicos e partículas de rochas que teriam uma enorme influência no meio ambiente. Essa proposta não é apenas teórica, mas se baseia no vasto depósito de lava denominado Deccan Traps, na parte centro-oeste da Índia.

Deccan Traps
Em vermelho, a região vulcânica conhecida como Deccan Traps. O retângulo preto marca a área de coleta de amostras de lava usadas na pesquisa. (imagem: Paul Renne, Berkeley Geochronology Center & UC Berkeley)

O depósito de lavas basálticas atinge uma área de mais de 500 mil quilômetros quadrados e uma espessura de aproximadamente dois mil metros. Essas rochas são evidências de um vulcanismo intenso que teria ocorrido também em torno dos 66 milhões de anos atrás, e muitos colocam essa sequência de eventos vulcânicos – e não o meteoro caído na Terra – como principais responsáveis pela crise biótica no limite K/Pg. Havia uma dificuldade, no entanto, na datação das lavas, cujos resultados indicavam que esse vulcanismo já teria começado antes do limite K/Pg (sendo, assim anterior à grande extinção), perdurando tempos depois desse limite.

Outros especialistas levantaram a possibilidade de que esses dois eventos de grandes proporções – o impacto de um corpo celeste e o intenso vulcanismo que resultou nas lavas basálticas das Deccan Traps – poderiam estar relacionados. No entanto, não havia nenhum estudo mais específico que pudesse provar ou ao menos trazer dados confiáveis que pudessem ser utilizados como argumentos dessa relação. Bem, não havia até agora…

A idade dos depósitos basálticos

Paul Renne, da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos) e colegas acabam de publicar na Science um estudo detalhado sobre a idade dos derrames basálticos das Deccan Traps. Os autores coletaram amostras em diferentes pontos, procurando estabelecer quando os derrames aconteceram – vale ressaltar que não se trata de um evento único, mas sim de diversos eventos ou pulsos de lavas que ocorreram ao longo de aproximadamente 500.000 anos. A metodologia empregada foi a datação radiométrica, que possibilita, com a ajuda de isótopos radiativos, calcular a idade de formação de uma rocha.

O impacto representado pela cratera Chicxulub teria mais que dobrado o derramamento de lavas

Para sua surpresa, os autores descobriram que a intensidade do vulcanismo não foi uniforme em todo período. Antes do limite K/Pg, o sistema vulcânico predominante era de erupções curtas, resultando em derrames pouco volumosos. Por outro lado, aproximadamente 50 mil anos depois do impacto, os derrames teriam se tornado menos frequentes, mas muito mais intensos, despejando um volume bem maior de lava, com maior potencial para alterações ambientais mais profundas. Os autores estimam que algo em torno de 70% de volume das rochas das Deccan Traps teriam se formado após o limite K/Pg.

Por que teria ocorrido esse aumento do vulcanismo? Segundo Renne e colegas, a evidência está cada vez mais clara: o impacto representado pela cratera Chicxulub teria mais que dobrado o derramamento de lavas.

Controvérsia

Apesar de o estudo ser muito bem-vindo – a precisão de datação tem melhorado muito, com a margem de erro girando em torno dos 100 mil anos – posso imaginar que muitos cientistas vão torcer o nariz. Existem alguns problemas ainda a solucionar para que a ideia de que o impacto de um corpo celeste possa influenciar na atividade vulcânica seja melhor fundamentada. Os autores não apresentam, como eles mesmos admitem, um modelo consistente que possa explicar como um impacto de um corpo celeste (ainda que de grande porte, com um diâmetro estimado em torno de 10km) no México vai ocasionar, 50 mil anos mais tarde, um vulcanismo mais intenso do “outro lado do mundo”, na Índia.

Estudo de solo vulcânico
Paul Renne inspeciona uma faixa de solo avermelhado entre fluxos de lava nas Deccan Traps. Apesar de trazer resultados importantes, o estudo ainda deixa algumas lacunas, como a relação entre o impacto de um corpo celeste no México e o aumento da atividade vulcânica do outro lado do planeta. (foto: Mark Richards/UC Berkeley)

Também não podemos esquecer que, apesar de bem melhores, as técnicas de datação ainda não são refinadas o suficiente. Afinal, muita coisa acontece em 100 mil anos! Ou seja, simplesmente não temos hoje uma tecnologia que nos possa fornecer precisão maior e possibilitar o entendimento seguro de questões como a influência do derrame basáltico das Deccan Traps na extinção em massa do K/Pg. Parece que este assunto ainda vai dar pano pra manga…

 

Alexander Kellner
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Viviana Barreda (Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, Buenos Aires, Argentina) e colegas publicaram na PNAS estudo sobre a ocorrência de margaridas e girassóis (grupo Asteracea) na Antártica! Os autores encontraram pólens dessas angiospermas em depósitos Cretáceos formados entre 76 e 66 milhões de anos atrás em distintas ilhas da Península Antártica. Os dados demonstram claramente que a origem dessas plantas é bem mais antiga do que se supunha.

Colegas chilenos publicaram recentemente um livro que resume o atual estado da paleontologia de vertebrados naquele país. Organizado por David Rubilar-Rogers (Museu Nacional de História Natural, Santiago) e colegas, a obra é de acesso aberto e enfoca desde peixes a mamíferos, passando por diversos grupos de répteis, incluindo dinossauros. Vale a pena conferir.

Um estudo detalhado sobre dentes de dinossauros carnívoros foi publicado no periódico Acta Palaeontologica Polonica. Christophe Hendrickx (Universidade Nova de Lisboa, Caparica, Portugal) e colegas estudaram dentes do grupo Megalosauridae e chegaram à conclusão de que é muito difícil separar dentes desse grupo de terópodes basais dos de outros. Tal fato torna a classificação de dentes encontrados isoladamente muito complicada e problemática. Para que isso se torne possível, são necessários estudos anatômicos detalhados, como o feito por eles, que estabeleceu uma combinação de características dentárias que podem auxiliar na classificação de dentes de megalossaurídeos.

Zurique (Suíça) desenvolveu uma iniciativa interessante para a divulgação da ciência: a longa noite de museus (Die lange Nacht der Zürcher Museen). No primeiro sábado de setembro, diversas instituições da cidade – não apenas científicas – abrem suas portas para visitantes até pelo menos as 2h da madrugada. Na manhã seguinte, tendas com eventos científicos, incluindo palestras, complementam a iniciativa. Com um preço único que inclui transporte de uma instituição para outra, essa iniciativa atrai turistas do país e do mundo todo, além de chamar atenção para as instituições científicas e culturais da cidade.

A história evolutiva das baleias tem um novo capítulo. Robert Boessenecker (Universidade de Otago, Dunedin, Nova Zelândia) e Ewan Fordyce (Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA) acabam de publicar na Zoological Journal of the Linnean Society a descrição de novos exemplares de depósitos do Oligoceno (ca. 28 milhões de anos) da Nova Zelândia, incluindo uma espécie nova denominada Tokarahia kauaeroa, considerada uma forma transicional entre as baleias dentadas e as primeiras formas desprovidas de dentes.

Está programado para sexta-feira, 16 de outubro, às 19h, o lançamento do livro Caçadores de fósseis na Livraria da Travessa no Shopping Leblon (Av. Afrânio de Melo Franco, 290, Leblon, Rio de Janeiro). Ricamente ilustrado, com algumas imagens inéditas, o livro é uma coletânea atualizada de algumas das colunas publicadas aqui. Além de um coquetel de confraternização, está programada uma conversa com o autor e o paleoilustrador Maurílio de Oliveira (Museu Nacional/UFRJ). Não perca!