Antes dos dinossauros

Muitas vezes recebo mensagens de colegas e leitores perguntando como escolho os temas de minha coluna. Geralmente procuro destacar novidades que acabam de ser publicadas ou tomo por base dicas que recebo de pesquisadores. Mas também recebo sugestões de leitores sobre temas interessantes. Esse é o caso da proposta de Jéssica Reis, que pediu para que eu escrevesse sobre os ‘pelicossauros’.

Confesso que no início a ideia não me entusiasmou tanto. Mas isso mudou à medida que ia preparando o texto. Além de possibilitar a divulgação de uma obra de revisão recém-publicada sobre esses animais, o tema permite falar de vertebrados que antecederam os dinossauros no domínio dos ambientes terrestres e torna possível mencionar a principal extinção em massa ocorrida no planeta. Além disso, escrever sobre os ‘pelicossauros’ acaba nos levando a falar sobre o início da carreira de um importante pesquisador brasileiro.

A obra mencionada intitula-se Primeiros estágios da história evolutiva dos sinapsídeos (tradução livre de Early evolutionary history of the Synapsida). Esse livro, o mais recente sobre os ‘pelicossauros’, foi publicado pela editora Springer e editado por Christian Kammerer, Kenneth Angielczyk e Jörg Fröbisch. Os capítulos abordam os principais aspectos desses vertebrados e foram escritos pelos pesquisadores que mais os estudaram. Mas, afinal, como eram esses animais?

Os amniotas

Para explicar o que são os ‘pelicossauros’, temos que entender primeiro os amniotas, grupo de vertebrados que desenvolveram uma membrana (chamada amniótica) para proteger o embrião. Tal característica os tornou menos dependentes da água para seu desenvolvimento embrionário e evitava que eles tivessem que passar por um estágio larvar seguido de metamorfose, como ocorre com os anfíbios. Geralmente os amniotas possuem ovos de casca dura que podem ser postos em terra firme e não mais dentro de corpos aquosos. Eles podem ser divididos em dois grandes grupos: os répteis e os sinapsídeos.

Para explicar o que são os ‘pelicossauros’, temos que entender primeiro os amniotas, grupo de vertebrados que desenvolveram uma membrana (chamada amniótica) para proteger o embrião

De forma simplificada, dentro do agrupamento Reptilia encontramos os dinossauros, pterossauros e crocodilomorfos (e muitos outros), enquanto os Synapsida reúnem os mamíferos e formas aparentadas. Não conhecemos um ancestral direto que teria dado origem aos amniotas, mas podemos dizer que deve ter sido um animal que estava perdendo os hábitos anfíbios e pelo menos iniciando o desenvolvimento do ovo amniótico.

Entre os primeiros vertebrados que podem ser classificados como Amniota, alguns têm características semelhantes aos mamíferos, como uma abertura na parte posterior do crânio, distinta da que se observa nos répteis (na região lateral, após a órbita). Dessa condição, denominada sinápsida, deriva o nome do grupo. Por outro lado, a dentição mais uniforme e o aspecto do corpo que lembra superficialmente os répteis levaram os pesquisadores a se referir a esses vertebrados como “répteis mamaliformes”, que foram classificados em um grupo denominado ‘Pelycosauria’.

Hoje se evita esse termo, já que é um agrupamento considerado parafilético, isto é, incompleto, não reunindo todos os organismos que representam a história evolutiva do grupo. Por isso usamos o termo ‘pelicossauros’, entre aspas, significando uma aplicação mais informal.

Edaphosaurus
Esqueleto de ‘Edaphosaurus’ montado no Museu Field, em Chicago, Estados Unidos. Sua marca peculiar é a presença de vértebras com espinho neural alto, formando uma espécie de vela no dorso. (imagem: Andrew Y. Huang/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)

Dessa forma, os ‘pelicossauros’ não são répteis, mas sinapsídeos basais. As espécies mais antigas foram encontradas em rochas da Nova Escócia, no Canadá, cuja idade varia de 314 e 311 milhões de anos. Cabe salientar que o réptil mais antigo que se conhece (Hylonomus, de crânio do tipo anápsida, ou seja, desprovido de aberturas temporais) também foi encontrado nos mesmos depósitos.

A maioria desses ‘pelicossauros’ foi encontrada na Europa e América do Norte. Eles se extinguiram durante o Permiano, alguns milhões de anos antes da maior extinção em massa ocorrida na Terra, há cerca de 252 milhões de anos (o limite Permiano-Triássico). Estimativas sugerem que cerca de 95% das espécies marinhas e perto de 70% da formas terrestres se extinguiram. Esse evento foi bem mais intenso e destrutivo que a extinção em massa ocorrida há 66-65 milhões de anos, que dizimou a maioria dos dinossauros e diversos outros grupos de vertebrados.

Edaphosaurus e Dimetrodon

Voltemos aos sinapsídeos basais, os ‘pelicossauros’. São conhecidos seis principais grupos (Caseidae, Edaphosauridae, Eothyrididae, Varanopidae, Ophiacodontidae e Sphencodontia), e todos eles desenvolveram estratégias alimentares diferentes.

Os sinapsídeos basais mais famosos talvez sejam Edaphosaurus e Dimetrodon

Os sinapsídeos basais mais famosos talvez sejam Edaphosaurus e Dimetrodon. Com base no exame de sua dentição, Edaphosaurus é tido como forma herbívora que se alimentava de plantas de folhas espessas e resistentes. Tinha cabeça relativamente pequena se comparada com o corpo. Mas sua característica mais peculiar é a presença de vértebras com o espinho neural bastante alto, formando uma espécie de vela no dorso.

E o mais curioso: havia numerosas projeções laterais, diferentes de tudo o que se conhece hoje e cuja função é totalmente ignorada. Alguns pesquisadores defendem que essa vela poderia ter auxiliado o animal a controlar a temperatura de seu corpo ou ter servido para que membros de uma mesma espécie pudessem se reconhecer mais facilmente. Há ainda os que defendem ser esse tipo de estrutura destinada a distinguir machos e fêmeas ou mesmo servir para a atração sexual.

Outro exemplo de sinapsídeo basal é o Dimetrodon. Tendo vivido na mesma época que o Edaphosaurus (há cerca de 300-270 milhões de anos), essa forma possuía um crânio bem maior e dentes que sugerem hábitos de predador. Dimetrodon também desenvolveu uma vela na região dorsal do esqueleto, ainda maior que a de seu companheiro herbívoro (que talvez tenha sido sua presa). Mas ela é diferente, por não possuir as enigmáticas projeções laterais.

Dimetrodon
Esqueleto de ‘Dimetrodon’, sinapsídeo basal (‘pelicossauro’) predador, depositado no Staatliches Museum für Naturkunde Karlsruhe, Alemanha. (imagem: H. Zell/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)

É importante frisar ainda que, quando se fala nos sinapsídeos basais, não se pode deixar de mencionar o pesquisador brasileiro Llewellyn Ivor Price (1905-1980), que iniciou sua carreira ao lado do famoso paleontólogo americano Alfred Sherwood Romer (1894-1973). Com este, Price aprendeu a base da pesquisa de répteis fósseis.

Um dos primeiros trabalhos de Price, publicado em coautoria com Romer, foi justamente uma revisão dos ‘pelicossauros’. Embora tendo havido diversas mudanças no conhecimento desses sinapsídeos basais graças ao desenvolvimento de novas técnicas e à descoberta de mais exemplares, a obra de Romer e Price, publicada em 1940, ainda é considerada um verdadeiro marco no estudo desses vertebrados.

Obrigado pela dica, Jéssica!

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Em abril, será inaugurada no Museu de História Natural de Nova York a exposição ‘Pterosaurs: flight in the age of dinosaurs’ (Pterossauros: voo durante a idade dos dinossauros). A mostra apresentará as últimas descobertas sobre esse grupo de répteis alados totalmente extintos. Como não poderia deixar de ser, boa parte será dedicada aos pterossauros encontrados na Bacia do Araripe, Nordeste do Brasil, uma das regiões mais importantes para o estudo desses fósseis. Mais informações no site do museu.

Uma nova espécie de parasita fóssil foi encontrada em um coprólito (excremento fossilizado) de 240 milhões de anos. Atribuído a um cinodonte (grupo de sinapsídeos que englobam os mamíferos), o material foi encontrado no Rio Grande do Sul. A análise de microscopia revelou a presença de ovos de uma nova espécie de helminto: Ascarites rufferi. O estudo foi coordenado por Priscilla da Silva (Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro) e acaba de ser publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.

Ainda entre os artigos de paleontologia que acabam de sair nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, cabe destaque para o estudo de Raphael Miguel (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e colegas sobre a distribuição dos Mawsoniidae, grupo extinto de celacantos. Entre as principais conclusões, os autores destacam que o grupo se originou no supercontinente Pangeia, durante o Triássico, e que a sua posterior distribuição está diretamente relacionada com a fragmentação dos continentes.

Darren Naish (Universidade de Southampton, Inglaterra) publicou no Journal of Zoology artigo de revisão sobre as evidências de comportamento das aves no registro fossilífero. Em geral esse tipo de inferência é feita a partir de detalhes anatômicos, que nem sempre são conclusivos. Apesar de raros, é interessante constatar que exemplares com evidências diretas de comportamento existem, tais como conteúdo estomacal, restos de ninhos ou mesmo a coloração de penas.

O leitor Othon Henry Leonardos chama a atenção para o livro The artist and the scientist: bringing prehistory to life (Cambridge University Press). Editada por Peter Trusler, um paleoartista, e o casal de paleontólogos australianos Patricia e Thomas Rich, a obra mostra, em mais de 300 páginas, a interação entre a pesquisa e os artistas na difícil e necessária tarefa de trazer os organismos extintos à vida.

Ainda é possível escolher o tema mais interessante abordado nesta coluna durante o ano de 2013. O prazo final para a votação é 12 de março. Participe!