No último dia 20, apresentei uma palestra em Porto Alegre, no evento “Einstein e a Inovação”, organizado pela revista Amanhã para premiar as empresas mais inovadoras da região Sul. Na palestra, intitulada “Einstein: quebrando paradigmas, produzindo inovações”, apresentei aquilo que costumo denominar “as digitais de Einstein em nosso cotidiano”. Embora eu tenha apresentado muitas palestras durante o ano de 2005 em torno desse tema, ainda não tinha me dado ao trabalho de transformar o conteúdo em material impresso ou disponibilizá-lo na internet.
Os físicos alemães Albert Einstein e Max Planck em foto de 1929. A explicação de Einstein para o efeito fotoelétrico, contribuição que lhe valeu o Nobel, permitiu demonstrar que a constante formulada por Planck era universal (foto: Landesmuseum für Technik und Arbeit).
As contribuições do alemão Albert Einstein (1879-1955) nos diversos ramos da física e suas repercussões em aplicações tecnológicas são tão numerosas que dificultam a preparação de um texto como este. Se o critério de seleção for muito flexível, chegaremos virtualmente a todas as áreas do conhecimento. Não seria um exagero dizer que há digitais de Einstein em toda parte. Isso não quer dizer, porém, que seus trabalhos tenham sido fundamentais em todas as áreas. Significa apenas que, para onde quer que se olhe, veremos algum sinal de que Einstein passou por ali.
Pergunte a alguém que tenha algum conhecimento da biografia de Einstein qual é sua maior contribuição para a tecnologia e provavelmente vai ouvir como resposta: a explicação do efeito fotoelétrico. Este fenômeno, descoberto pelo físico alemão Heinrich Rudolf Hertz (1857-1894) em 1887, ocorre quando determinado tipo de radiação (luz visível, luz ultravioleta, raios X, entre outras) atinge a superfície de determinados materiais, provocando a ejeção de elétrons.
A explicação do fenômeno desafiou a inteligência humana durante mais de dezessete anos, até o dia em que Einstein teve a idéia de imaginar o feixe da radiação como um conjunto de partículas, cada uma com energia igual à freqüência da radiação multiplicada pela constante de Planck. Foi uma idéia brilhante e audaciosa, uma vez que o próprio Max Planck (1858-1947) acreditava que sua constante não passava de um artifício matemático criado, em 1900, para explicar a radiação de corpo negro.
Constante universal
A teoria do efeito fotoelétrico valeu a Einstein o Nobel de Física de 1921, mas não por causa das suas aplicações tecnológicas. Foi por demonstrar que a constante de Planck era universal, isto é, era algo que deveria se manifestar em diferentes fenômenos físicos. Dito de outro modo, qualquer fenômeno envolvendo a luz deveria ter a participação da constante de Planck na sua explicação.
Esse resultado provocou duas reações opostas. De um lado inspirou o jovem Niels Bohr (1885-1962) no desenvolvimento do seu modelo atômico, que teve como conseqüência o surgimento da teoria quântica, que valeu ao dinamarquês o Nobel de 1922. Por outro lado, o resultado despertou a desconfiança do americano Robert Millikan (1868-1953), que passou 11 anos realizando experimentos para mostrar que Einstein estava errado.
Em 1916, Millikan publicou um artigo mostrando que a teoria do efeito fotoelétrico estava correta. Esse trabalho foi consagrado pela história da ciência como a mais precisa determinação experimental da constante de Planck. Pela determinação da carga do elétron e pela verificação experimental da equação de Einstein para o efeito fotoelétrico, ele ganhou o Nobel de 1923.
Dispositivos como as células fotovoltaicas, usadas na fabricação dos painéis solares, utilizam o efeito elétrico em sua concepção. A primeira célula solar, no entanto, foi produzida antes da explicação desse fenômeno por Einstein (foto: Ian Britton / FreeFoto.com).
Portanto, ao contrário do que muitos imaginam, a mais relevante contribuição de Einstein com o efeito fotoelétrico não se refere às suas aplicações tecnológicas, mas à porta que ele abriu para a teoria quântica.
Na verdade, vários dispositivos que utilizam o efeito fotoelétrico na sua concepção já haviam sido fabricados antes da teoria apresentada por Einstein. Um exemplo interessante é a célula fotovoltaica, muito utilizada atualmente para a fabricação de painéis solares. Embora esse dispositivo, como hoje o conhecemos, tenha sido desenvolvido nos anos 1940, vale registrar que em 1884 o norte-americano Charles Fritts construiu o que hoje é reconhecido como a primeira célula solar – três anos antes da descoberta de Hertz.
Aplicações da relatividade
E a teoria da relatividade, pela qual Einstein é geralmente conhecido, e que para muitos não tem qualquer conexão com nosso cotidiano? O que mais surpreende alguém com pouco conhecimento de física é saber que essa teoria tem inúmeras aplicações tecnológicas. Antes de passarmos a elas, convém lembrar que existem duas teorias da relatividade. A primeira, formulada em 1905, ficou conhecida como teoria da relatividade restrita (ou especial). A segunda, elaborada a partir de 1907, cujo artigo mais importante foi publicado em 1915, foi denominada por Einstein como teoria da relatividade geral.
Em 1925, os físicos mais importantes estavam procurando uma teoria para resolver problemas com átomos de muitos elétrons, uma vez que o modelo de Bohr só funcionava bem para o caso do hidrogênio, que possui um único elétron. Quase simultaneamente surgiram três soluções, todas premiadas com o Nobel de Física.
Interessa-nos aqui considerar apenas a solução apresentada pelo inglês Paul A. M. Dirac (1902-1984) em 1928. Ele partiu da premissa de que a teoria da relatividade restrita era verdadeira para demonstrar a existência do spin do elétron (algo como uma rotação em torno do seu próprio eixo) a partir de fundamentos teóricos, e não de uma hipótese baseada em dados experimentais. Isso ficou conhecido como teoria relativística para o elétron.
A exploração da energia nuclear também é tributária dos trabalhos de Einstein, que demonstrou com a famosa equação E=mc 2 a equivalência entre a massa e a energia de um corpo (foto: Climage Change Connection).
Uma conseqüência imediata da teoria de Dirac foi a previsão do pósitron, uma partícula positiva com massa igual à do elétron, experimentalmente observada em 1933 pelo norte-americano Carl Anderson (Nobel de Física de 1936). Na linguagem da física, o pósitron é a antipartícula do elétron. Atualmente ele é usado em uma técnica de tomografia conhecida como tomografia com emissão de pósitrons. A teoria relativística de Dirac impulsionou sobremaneira os estudos que resultaram no desenvolvimento da física de semicondutores que, por sua vez, originou a indústria eletrônica. Portanto, quando você olha para um equipamento eletrônico, vai ver as digitais de Einstein lá no início daquela tecnologia.
Outra aplicação impressionante da relatividade restrita é a que resultou da famosa equação E=mc 2 , também conhecida como equivalência massa-energia. Essa equação apareceu em um pequeno artigo, com três páginas, publicado em setembro de 1905. Tinha um título curioso: “A inércia de um corpo depende do seu conteúdo energético?” Em linguagem coloquial, seria algo como: o que tem a massa de um corpo a ver com a sua energia? No final do artigo Einstein conclui: a massa de um corpo é uma medida do seu conteúdo energético.
O curioso nessa história é que, no artigo, Einstein aventou a possibilidade de testar a teoria com materiais radioativos descobertos por Pierre e Marie Curie em 1898. Em 1934, no entanto, quatro anos antes da descoberta da fissão nuclear, ele declarou não acreditar ser possível extrair energia em grande escala de processos nucleares. Deu no que deu: depois da fissão em 1938, vieram as tragédias de Hiroshima e Nagasaki em 1945. Embora cercada de controvérsias, a aplicação pacífica da energia nuclear está aí, com uma forte marca do gênio criativo de Albert Einstein.
“Padrinho” do laser
Outra aplicação tecnológica com as digitais de Einstein é o laser (sigla em inglês para “amplificação da luz por emissão estimulada de radiação”), presente em toda parte hoje em dia – nos consultórios médicos e odontológicos, na indústria, nos leitores de CD e DVD, nos “apontadores” que os conferencistas utilizam, nos shows musicais, e por aí vai. O primeiro laser foi fabricado no início dos anos 1960, mas a possibilidade teórica da sua fabricação surgiu em um artigo de Einstein publicado em 1916, hoje conhecido como o artigo dos coeficientes A e B de Einstein.
Esses coeficientes medem as probabilidades de emissão e absorção de radiação, conceitos essenciais para a construção do laser . Ao lado do computador, o laser foi uma das primeiras aplicações tecnológicas resultantes daquilo que antigamente se chamava física do estado sólido, denominada hoje física da matéria condensada (não nos cabe aqui discutir a sutileza entre os dois nomes). O importante é chamar a atenção para o fato de que Einstein também fez grandes contribuições nessa área.
A propósito, um dos seus últimos trabalhos relacionado com a mecânica quântica desperta atualmente grande interesse pelas possibilidades de aplicações tecnológicas. Essa história começou em 1924, quando o jovem e até então desconhecido físico indiano Satyendra Nath Bose (1894-1974) escreveu para Einstein pedindo ajuda para publicar um artigo que havia sido rejeitado pela revista inglesa Philosophical Magazine.
Tratava-se de uma elegante dedução da lei de Planck, o que motivou Einstein a traduzir para o alemão e recomendar sua publicação na Zeitschrift für Physik. Em uma nota de tradutor, Einstein escreveu: “O método aqui utilizado também é útil à teoria quântica do gás ideal, como analisarei em outro lugar com mais detalhes”. No ano seguinte, ele cumpriu a promessa e ampliou a estatística quântica de Bose, dando origem ao que hoje conhecemos como estatística Bose-Einstein.
No seu artigo, Einstein concluiu que, se a temperatura de um gás baixar suficientemente, parte das suas moléculas vão para um estado de energia nula (ou quase nula). Posteriormente esse estado físico passou a ser denominado condensado Bose-Einstein. A primeira conseqüência interessante é que, nesse estado, podemos observar fenômenos quânticos em escala macroscópica, um sonho de qualquer estudioso da física. Experimentalmente isso foi obtido em 1995 e, pela façanha, seus autores ganharam o Nobel de Física de 2001.
Relatividade geral
Finalmente, chegamos à relatividade geral, uma teoria tão complexa que, na época de Einstein, costumava-se dizer que não havia mais do que uma dúzia de privilegiados capazes de compreendê-la. Entre suas várias previsões, uma foi comprovada no eclipse total do Sol, observado na cidade cearense de Sobral e na ilha de Príncipe, em 1919. Refiro-me à curvatura de um feixe de luz ao passar nas proximidades de um corpo de grande massa, como o Sol.
Cálculos derivados das teorias da relatividade geral e restrita de Einstein permitem corrigir erros nos relógios atômicos dos satélites do sistema de posicionamento global (GPS). Arte: NOAA.
Pelo desafio intelectual que a teoria impõe, ela tem atraído legiões de jovens físicos e matemáticos em todo mundo, mas também tem ajudado engenheiros a resolver um problema de nossos dias: a correção dos dados fornecidos pelos equipamentos de GPS (sistema de posicionamento global, na sigla em inglês).
Os satélites que fornecem os dados orbitam a uma altura de 20 mil quilômetros. Os dados enviados para os aparelhos de GPS baseiam-se essencialmente em distâncias e tempos. Os relógios atômicos presentes nos satélites sofrem efeitos devidos ao campo gravitacional (o tempo passa mais rápido) e à velocidade do satélite (o tempo fica mais lento). Se não houvesse essa correção, cujo cálculo depende das teorias da relatividade geral e restrita, o GPS poderia apresentar um erro de aproximadamente 11 quilômetros por dia.
Depois de tudo isso, não deve causar qualquer surpresa o fato de Einstein ter sido eleito a personalidade do século 20 pela revista Time. Para os editores, o século passado será lembrado por sua ciência e tecnologia, e ninguém melhor que Einstein para simbolizar tudo o que foi feito nesse período.
Também não impressiona o fato de mais de 20 cientistas terem levado o Nobel de Física por pesquisar temas abordados por Einstein, e tampouco a decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas, que elegeu 2005 como o Ano Mundial da Física, para comemorar o centenário dos trabalhos de Einstein publicados em 1905. Incompreensível é que ainda haja atualmente quem tente demonstrar que Einstein plagiou esse ou aquele cientista.
Carlos Alberto dos Santos
Núcleo de Educação a Distância
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
22/02/2008