Na edição de 13 de junho passado, a prestigiosa revista Physical Review Letters publicou artigo que ganhou destaque nos principais canais do jornalismo científico mundial. Relata-se ali a construção de um laser de polariton que funciona em temperatura ambiente. Embora se trate de avanço tecnológico que ainda irá trilhar longa jornada até chegar ao mercado consumidor, representa claramente a superação de obstáculos técnicos previstos nos estudos teóricos que o precederam.
A notícia propicia a discussão de conceitos da teoria quântica tão importantes quanto exóticos. Por exemplo, para se falar de laser de polariton, é preciso saber o que é polariton. E também qual a diferença entre esse tal laser e os outros que estamos acostumados a ver em nosso cotidiano.
Polariton é uma quasipartícula resultante da forte interação entre fótons e éxcitons. E o que é quasipartícula? E éxciton? Logo se vê que, para apreciar o tão falado artigo em base minimamente compreensível, é preciso entender alguns conceitos fundamentais, sobretudo saber o que é quasipartícula.
Então, dada a grande expectativa de que essa invenção possa revolucionar a eletrônica do futuro próximo, talvez seja conveniente dedicar-lhe duas colunas: uma para a discussão dos conceitos básicos e outra para a descrição do laser de polariton.
Do macro para o nano
Jogue uma bolinha de gude para cima e observe-a. Ela irá atingir certa altura, parar e começar a cair. Se você for capaz de medir sua posição em determinados intervalos de tempo, poderá calcular a aceleração e a velocidade em função do tempo. Poderá escrever uma equação e ter a descrição matemática dos eventos que presenciou.
No mundo macroscópico, onde a física clássica faz valer suas leis, é assim. Mas em dimensões nanométricas, quando prevalecem fenômenos quânticos, não há como ver o que acontece. Temos indicações através de determinadas medidas, e a ‘visualização’ do que está ocorrendo vem por meio de descrições matemáticas no âmbito da teoria quântica.
Em determinadas circunstâncias, esses resultados matemáticos sugerem a existência de objetos exóticos, com comportamentos anti-intuitivos. Por exemplo, o elétron, descoberto em 1897, teve suas massa e carga elétrica medidas no início do século passado. No entanto, para explicar o movimento do elétron no interior de um metal ou de um semicondutor, sob a ação de um campo elétrico externo, foi necessário imaginá-lo movimentando-se no espaço livre com uma massa diferente e obedecendo à segunda lei de Newton.
Esse artifício – criado para evitar a complexidade de um problema envolvendo muitos corpos, ou seja, o elétron interagindo com milhares de elétrons e núcleos dos átomos do material – originou o conceito de quasipartícula. A massa da quasipartícula associada ao elétron no interior de metais e semicondutores é conhecida como massa efetiva e pode ser maior ou menor do que a massa real.
O conceito foi generalizado para representar outras circunstâncias em problemas de muitos corpos, tais como excitações coletivas. Por exemplo, um material em estado sólido tem seus átomos aproximadamente fixos em determinados pontos da estrutura cristalina. Se a temperatura ambiente aumentar, os átomos vibram coletivamente, formando ondas com determinadas frequências. Em vez de tratar esse tipo de excitação coletiva com as ferramentas da teoria ondulatória, é mais simples tratá-lo a partir da teoria corpuscular, associando a quasipartícula fónon a cada tipo de movimento ondulatório da estrutura cristalina.
Nos materiais magnéticos, uma propriedade importante é o spin associado a cada átomo. Em estado sólido, a estrutura de um material magnético é definida pela posição de cada átomo e pela direção do spin em cada ponto da estrutura. Se por alguma ação externa a direção de um spin for alterada, essa alteração se propagará pela estrutura formando uma onda de spins. A essa onda associa-se uma quasipartícula denominada magnon.
Em coluna passada, apresentei o mecanismo de condução elétrica em semicondutores. Quando o elétron salta da banda de valência (BV) para a de condução (BC), ele deixa uma lacuna na BV. Essa lacuna é uma quasipartícula. É algo que se comporta como se fosse um elétron com carga positiva, mas não é um objeto real.
Como cargas elétricas de sinais contrários se atraem, em determinadas circunstâncias o par elétron-lacuna permanece unido por algum tempo e se comporta como se fosse outro objeto, uma quasipartícula, que recebeu o nome de éxciton. O nome vem do processo de excitação no semicondutor, que resulta no salto do elétron da BV para a BC.
Para muitos pesquisadores, a imagem do éxciton é similar a um átomo de hidrogênio, composto por um núcleo positivo em torno do qual gira um elétron. Uma diferença essencial é que a massa do éxciton é muito menor que a do hidrogênio. Esse fato será importante na descrição do laser de polariton.
O fóton, partícula associada à luz, tem íntima relação com a quasipartícula éxciton. Fótons com energias apropriadas criam éxcitons em determinados materiais semicondutores. Após algum tempo, que depende do material, o par elétron-lacuna se recombina, destruindo o éxciton. O resultado disso é a emissão de outro fóton, com energia igual à do anterior.
Se, por algum artifício, mantivermos fótons e éxcitons presos em um ambiente de dimensões reduzidas, teremos um processo circulatório, com troca de energia entre eles. Diz-se que há um forte acoplamento entre eles – e nessas circunstâncias o conjunto fóton-éxciton pode ser visto como uma quasipartícula denominada polariton ou, mais especificamente, éxciton-polariton.
Condensado Bose-Einstein
Quem aprendeu noções de estrutura atômica no colégio há de se lembrar das regras para preenchimento dos níveis eletrônicos nos átomos. Uma delas diz que só podemos colocar dois elétrons em cada nível. Isso porque o elétron, tendo spin igual a ½, é um férmion, e as leis da teoria quântica impedem que se coloquem mais de dois férmions em um único nível de energia. Esse impedimento é consequência do princípio de exclusão de Pauli, descoberto pelo físico austríaco Wolfgang Ernst Pauli (1900-1958).
É por isso que os átomos têm todos aqueles níveis de energia que aprendemos no colégio. Partículas com spin inteiro, denominadas bósons, não sofrem essa restrição. Elas não obedecem ao princípio de exclusão de Pauli. Portanto, não há limite para ocupação de bósons em um único nível de energia.
A descoberta dessa possibilidade foi feita em meados dos anos 1920 por Albert Einstein (1879-1955) e pelo físico indiano Satyendra Nath Bose (1894-1974), mas só nos anos 1990 foi realizada experimentalmente e passou a receber o nome de condensado Bose-Einstein (BEC, na sigla em inglês).
Sendo o éxciton-polariton um bóson, é razoável esperar que ele apresente um comportamento similar ao BEC. Sendo assim, em determinada temperatura, todos os polaritons estarão no nível de energia mais baixo, também conhecido como estado fundamental.
Se, ao chegar a esse nível, os éxcitons decaírem, cada um emitirá um fóton de energia igual à dos outros e na mesma direção, formando uma radiação intensa e coerente, como é a do laser. Por isso, esse dispositivo passou a ser chamado de laser de polariton, que será descrito na próxima coluna.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana