A física é uma ciência que provoca ao mesmo tempo curiosidade, respeito, fascínio, mas também temor e desconfiança. Afinal, ela foi a ciência que originou as maiores revoluções científicas e tecnológicas do século 20. Isso ocorreu devido ao desenvolvimento das duas grandes teorias que formam os seus pilares: a teoria da relatividade e a mecânica quântica.
A teoria da relatividade começou a ser desenvolvida pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) em 1905 na sua forma restrita, ou seja, em uma versão que se aplicava apenas a movimentos não acelerados. Essa teoria propôs mudanças radicais nos conceitos de espaço e tempo e postulou que a velocidade da luz no vácuo seria o limite para todas as velocidades.
Como consequência disso, Einstein também mostrou a medida da equivalência entre energia e massa, por meio da famosa equação E=mc2, segundo a qual uma pequena quantidade de massa pode se converter em uma enorme quantidade de energia. Esse processo ocorre, por exemplo, na fissão e fusão dos núcleos atômicos, que levam à geração da energia nuclear, usada na construção das poderosas armas nucleares, capazes de exterminar toda a vida do nosso planeta, entre outras aplicações.
Alguns anos depois, em 1915, Einstein generalizou a sua teoria para incluir os movimentos acelerados. Como consequência, ele desenvolveu uma nova teoria da gravitação. Na teoria da relatividade geral, a gravidade é expressa como uma ação da curvatura do espaço e do tempo devido à presença de massa. Einstein mostrou que a massa curva o espaço e o tempo e essa curvatura indica como a massa pode se mover.
A mecânica quântica trouxe profundas modificações na compreensão dos fenômenos atômicos. Essa teoria introduziu conceitos como a quantização da energia nos níveis eletrônicos, que significa que os elétrons podem ter apenas alguns valores discretos de energia, e o tunelamento quântico, segundo o qual elétrons podem superar barreiras de energia, mesmo sem ter energia suficiente para isso. Além disso, explicou por que a luz pode se comportar como uma onda eletromagnética em determinado experimento e, em outras situações, se apresentar como partículas de energia ou como emissão estimulada de luz (laser).
Talvez o conceito mais revolucionário que a mecânica quântica nos trouxe seja o princípio da incerteza, proposto pelo físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), que mostrou ser impossível medir simultaneamente com absoluta precisão grandezas físicas como posição e momento linear (a massa do corpo multiplicada por sua velocidade) ou energia e tempo.
Mas essas duas teorias, fundamentais para a física atual, ainda não realizam uma descrição completa da natureza. Há ainda situações nas quais ambas falham, o que indica que ainda deverá existir uma teoria capaz de explicar a natureza como um todo.
A falha ocorre justamente em situações extremas, que envolvem pequenas dimensões (reino da mecânica quântica) e intensos campos gravitacionais (reino da teoria da relatividade geral). Situações como essas provavelmente ocorreram no evento que deu origem ao universo, o Big Bang, ou no interior de estrelas muito maciças que sofreram colapso final de sua vida, criando um buraco negro.
A física e o misticismo
Embora essas teorias tenham sido testadas em inúmeras situações e proporcionado tantos avanços e descobertas, elas despertam também algumas reações que poderiam ser classificadas como curiosas. Costumo receber e-mails de pessoas que acreditam ter descoberto que as ideias de Einstein estavam erradas e de outras que usam a mecânica quântica para explicar fenômenos paranormais ou descrever situações místicas ou mágicas.
Talvez as pessoas sejam levadas a ter uma compreensão equivocada dessas duas importantes teorias porque ambas modificaram muitos conceitos e suas propostas se mostram contraditórias ao senso comum.
Em relação aos conceitos quânticos, como eles podem soar às vezes fantasmagóricos ou mágicos, tornam-se a justificativa ‘científica’ para fenômenos estranhos ou geram explicações absurdas para as mais variadas situações. Esse é o caso do termo ‘cura quântica’, que aparece com muita frequência na internet e segundo o qual muitas doenças podem ser curadas e pessoas transformadas a partir do emprego de ‘conhecimentos quânticos’, tema que foi muito badalado no filme Quem somos nós (leia a coluna de abril de 2010).
Quanto à teoria da relatividade, como ela é praticamente obra de uma única pessoa, o que transformou seu criador, Einstein, no cientista mais popular do século 20 (e talvez de toda a história), isso pode estimular algumas pessoas a imaginar que, ao provarem que a relatividade está errada, estariam derrubando um mito.
De fato, essa possibilidade foi muito comentada em setembro de 2011, quando cientistas do experimento italiano Opera divulgaram um resultado que contradizia a teoria da relatividade de Einstein: neutrinos, partículas elementares sem carga elétrica e praticamente sem massa, teriam viajado mais rápido que a luz. Mas, meses depois, os cientistas descobriram que um cabo mal conectado interferiu nos resultados, que foram invalidados por novos experimentos. Einstein ainda estava correto (leia a coluna de outubro de 2011).
É interessante notar que normalmente as propostas apresentadas por ‘físicos amadores’ – que não é o caso dos que trabalhavam no experimento Opera – para derrubar as ideias de Einstein não consideram que a teoria funciona muito bem e sempre obteve sucesso no julgamento mais importante: o teste experimental.
É claro que a teoria da relatividade e a mecânica quântica ainda poderão ser superadas como teorias, se surgir uma que de fato possa uni-las, algo que muitos físicos buscam atualmente. O próprio Einstein gastou boa parte da sua vida científica nessa tarefa, mas não conseguiu.
Por outro lado, essas teorias ainda são muito sólidas e as suas previsões continuam funcionando. Sem contar que grande parte da nossa economia, que envolve alta tecnologia, usa com muito sucesso os seus resultados. Basta imaginar que toda a indústria eletrônica é fruto das aplicações da mecânica quântica e que os dispositivos eletrônicos, como computadores e lasers, são utilizados em quase tudo em nossas vidas. Além disso, o GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global) somente funciona com precisão por causa da utilização da teoria da relatividade geral, que impede que os erros de localização do aparelho sejam superiores a 10 metros.
Portanto, essas teorias não apenas transformaram a nossa forma de ver o mundo, mas também ajudaram a gerar muito do progresso que temos atualmente.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos