Baú do tesouro

Imagine encontrar um baú repleto de riquezas que o tornem muito rico e você simplesmente deixá-lo para que outros o peguem ou para que ele se perca. É praticamente isso o que vem ocorrendo com o Brasil. Fomos privilegiados com a riqueza enorme representada pela diversidade biológica de nossas florestas, mas elas vêm sendo destruídas rapidamente. Mas como a biodiversidade biológica pode fazer com que nós brasileiros tenhamos uma vida mais confortável?

Papagaios brasileiros desenhados pelo naturalista alemão Johann Baptiste von Spix (1781-1826), que participou da missão científica austríaca que esteve no Brasil entre 1817 e 1820, coletando espécimes para
museus europeus.

Saber quais espécies vivem em nosso planeta sempre nos interessou, mas a análise sistemática dessa questão iniciou-se apenas no século 18, quando muitos aristocratas europeus investiram parte de sua fortuna para coletar animais e plantas pelo mundo afora. Essas expedições movimentaram verdadeiras fortunas e fizeram homens milionários após a descoberta de um exemplar valioso.

Porém, apesar de estarmos “colecionando” espécies há três séculos, até hoje não sabemos exatamente quantos organismos convivem conosco em nosso planeta. Estimativas realizadas por Parker e colaboradores em 1982 afirmavam haver cerca de 1,4 milhões de espécies na Terra. Porém, é possível, segundo a opinião de Edward Wilson – um dos maiores biólogos do século 20 e fundador da sociobiologia – que existam cerca de 5 milhões de espécies vivas em nosso planeta. Esse número de espécies parece grande, mas é relativamente pequeno perto das cerca de 30 bilhões a 4 trilhões de espécies que, segundo Collin Tudge, em seu livro A variedade da vida , estima-se que já viveram – e se extinguiram – em nosso planeta.

Essa estimativa da biodiversidade global pode estar muito aquém da realidade, como mostrou uma pesquisa realizada em 1982 por Terry Erwin, do Instituto Smithsoniano (Washington – EUA) nas florestas tropicais do Panamá. Em seu trabalho, os pesquisadores coletaram e identificaram todos os besouros que caíram das copas de algumas árvores borrifadas com inseticida. Erwin e colaboradores compararam o número de espécies encontradas com o número estimado de espécies de árvores existentes nas florestas tropicais e com a representatividade dos besouros em relação a outros insetos e estimaram que existem cerca de 30 milhões de espécies de insetos viventes.

Controvérsia
As estimativas de biodiversidade da equipe de Erwin são ainda foco de um debate acalorado e reavaliações mais conservadoras. Apesar disso, está bem estabelecido que grande parte da biodiversidade global está presente nas florestas tropicais úmidas, como a floresta amazônica e a mata atlântica. Esses dois biomas tornam nosso país o campeão mundial de biodiversidade.

Comunidade de microrganismos que habitam as folhas de árvores da mata atlântica. Clique na imagem para ler mais sobre o estudo (foto: Robinson Moresca de Andrade / PPG Microbiologia Agrícola – Esalq/USP).

Uma pesquisa realizada por três pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP, em Piracicaba/SP) e publicada em 30 de junho na revista Science acrescentou mais polêmica ao debate sobre a biodiversidade. A equipe identificou as espécies de bactérias presentes em folhas de três espécies de árvores da mata atlântica por meio da seqüência de DNA dos ribossomos e mostrou que cerca de 97% das espécies encontradas são desconhecidas pela ciência e que 99,5% das espécies de bactérias são únicas para cada espécie de árvore. Comunidades inteiras desses seres convivem nesses micro-hábitats.

Extrapolações produzidas a partir dessas descobertas indicam que podem existir astronômicas 13 milhões de espécies de bactérias – quase todas desconhecidas –apenas na superfície das folhas de plantas da mata atlântica! Mas de qual seria o valor de uma espécie e que porque preservar um ser minúsculo desses pode fazer de você uma pessoa mais rica?

Biotecnologia
As bactérias e organismos de outros grupos são rotineiramente utilizados para a produção de produtos biotecnológicos úteis para a humanidade. Basta lembrar que, atualmente, a grande maioria dos produtos farmacêuticos que utilizamos – e que rendem bilhões de dólares anuais aos detentores de suas patentes – são de origem microbiana.

A importância da conservação desse patrimônio genético tende claramente a crescer no futuro. Dessa forma, o país que tiver a maior biodiversidade poderá estar dando as cartas – desde que também invista na pesquisa desses compostos!

Além disso, muitos organismos vivos desempenham papéis cruciais ainda pouco compreendidos no equilíbrio ecológico e sua extinção pode prejudicar um número enorme de outras espécies, inclusive nós mesmos. Por essas razões, é sem dúvida, muito mais inteligente não desperdiçarmos nossas riquezas (em desmatamentos, queimadas etc.) para obtermos lucros imediatos, mas inferiores ao que poderíamos conseguir com a exploração racional dos benefícios dessa biodiversidade. 

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line
22/09/2006