Beleza e elegância em ciência e tecnologia

Nanoflores tridimensionais construídas com técnicas de deposição de vapor químico na Universidade de Cambridge (Reino Unido). A imagem é um bom exemplo do uso da nanotecnologia na busca pelo apuro estético (imagem: Mark Welland e Ghim Wei Ho).

“Perfumaria!” Era o que se ouvia nos anos 1970, entre os alunos de física, quando alguém insistia em abordar aspectos estéticos de teorias e equipamentos. Hoje a coisa é bem diferente. Quando comecei a preparar esta coluna, fui surpreendido pelo texto de Adilson de Oliveira que, em sua última coluna na CH On-line, tratou a simetria como uma beleza fundamental da natureza. Trata-se de uma coincidência e de um fenômeno social de nossos dias o fato de dois colunistas de uma mesma revista abordarem quase simultaneamente a questão da estética na ciência, sem qualquer motivação externa aparente.

Olhando em retrospectiva, vemos que já nos anos 1970 aquela visão era um tanto obtusa. Nas suas Lectures on physics [Aulas de física], publicadas em 1963, o americano Richard Feynman (1918-1988) já usava exaustivamente termos tais como beleza, elegância e maravilha para se referir a leis, equações e experimentos da física. Sobre a segunda lei de Newton, ele dizia ser “a mais precisa e bonita definição de força imaginável”.

Afirmações desse tipo são raras, mesmo hoje em dia, em trabalhos científicos, que costumam ser sisudos. Como diz o cientista da computação americano David Gelernter no livro A beleza das máquinas, vemos a ciência como objetiva, lógica, analítica, austera, misteriosa, altamente especializada e masculina. Ficamos constrangidos em imaginar que nossos melhores cientistas e tecnólogos sejam guiados pela estética.

No entanto, já em 1915, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) escrevia no artigo “Field equations of gravitation” [Equações de campo da gravitação]: “Dificilmente alguém que a tenha verdadeiramente entendido escapará do seu charme”. Era sobre a teoria da relatividade geral que ele estava falando. Anos depois, ele escreveria para o neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939): “É sempre maravilhoso quando uma bela idéia demonstra estar de acordo com a realidade”.

De onde vem a beleza?
Em seu livro Os 10 mais belos experimentos científicos, Robert Crease aborda essa questão: o que significa dizer que um experimento é belo? A dúvida pode ser estendida para teorias científicas e até mesmo para equipamentos, como faz David Gelernter, para quem a “beleza da maquina é a força motriz da tecnologia e da ciência. A ânsia pela beleza sempre foi uma força motriz na ciência e na matemática.” O autor prossegue: “O orgulho de criar a beleza e a alegria de senti-la são o que mantêm os melhores cientistas e tecnólogos em atividade”.

A represa Hoover, no rio Colorado, situada na fronteira entre os estados de Nevada e Arizona, nos EUA, é um ótimo exemplo do casamento harmônico de simplicidade e eficiência na engenharia. Construída entre 1931 e 1935, ela tem mais de 200 metros de altura.

Na ciência e na tecnologia a beleza está no casamento harmonioso entre simplicidade e eficiência, que Feynman prezava sobremaneira. Veja como ele descreveu a represa Hoover, que contém as águas do rio Colorado na fronteira dos estados americanos de Arizona e Nevada: “a espessura da represa aumenta gradualmente do topo para baixo, formando uma linda curva que reflete a pressão crescente da água (…) os exploradores de alguma grande civilização futura também notarão os geradores e transformadores (…) [e que] cada peça de ferro tem uma forma maravilhosamente eficiente.”

Na ciência e na tecnologia, “profundo”, “eficiente” e “definitivo” parecem ser atributos definidores do conceito de beleza, independentemente de época e contexto cultural. No entanto, há que se ter sensibilidade para percebê-los. Por exemplo, apreciar o som de um violino que emerge ao fundo de uma bela sinfonia de Beethoven não é para qualquer um. Por outro lado, temos físicos que sabem usar o método da função de Green em uma variedade de situações, mas não sabem o que é esta função, e muito menos conseguem apreciar a beleza do método em termos de simplicidade e eficiência.

O método da função de Green é utilizado na solução de equações diferenciais lineares. Um aspecto que o torna belo na opinião de muitos físicos e matemáticos é o fato de, uma vez conhecida a solução para um determinado operador, ser possível obter a solução para qualquer outro operador, simplesmente fazendo a convolução deste com a função de Green.

As dificuldades para se enxergar a beleza em casos como esse poderiam ser superadas por um eficiente método de ensino, mas isso é outra história. E essa sensibilidade é bem apreciada por renomados cientistas. Na opinião do físico americano John Robinson Pierce (1910-2002), “para aqueles motivados por qualquer coisa que esteja além do mais estritamente prático, vale a pena compreender as equações de Maxwell simplesmente pelo bem que proporcionam ao espírito.” Por isso mesmo, os físicos deveriam aceitar que compreender o que há de belo por trás do método da função de Green faz bem ao espírito.

Simplicidade e eficiência na computação e no design
Os professores de informática costumam dizer que os mais talentosos especialistas da área são aqueles com apurado senso estético. Os mais importantes algoritmos, interfaces e linguagens de programação são sempre os mais bonitos. Não é de se estranhar que a ciência da computação seja baseada em uma bela invenção matemática, exemplo máximo de simplicidade e eficiência: a máquina de Turing. Criada pelo matemático britânico Alan Turing (1912-1954) por volta de 1936, uma década antes do dispositivo conhecido como Eniac (sigla em inglês para “computador e integrador numérico eletrônico”), essa máquina estabeleceu o critério de computabilidade: algo é computável se puder ser computado pela máquina de Turing. Que belo enunciado!

A cadeira Cesca, criada em 1928 pelo designer e arquiteto húngaro Marcel Breuer (1902-1981), é um exemplo feliz que alia simplicidade e eficiência no desenho de móveis.

Simplicidade e eficiência são também atributos perseguidos pelos designers mais criativos. Um exemplo extraordinário é a cadeira Cesca, criada pelo húngaro Marcel Breuer (1902-1981) em 1928. Com alto grau de ousadia, Breuer conseguiu tornar o aço gracioso, elegante e confortável. Foi uma revolução em termos de móveis residenciais. O octogenário modelo continua sendo fabricado em todas as partes do mundo. Simples, eficiente, definitivo: belo.

Com a nanotecnologia, surge um atributo de beleza mais mundano. A manipulação dos materiais na escala nanométrica gera imagens dignas das melhores galerias de arte. Tudo isso vem dos atuais recursos microscópicos, aliados aos extraordinários programas de tratamento de imagens. Não há como negar, por exemplo, o impacto visual produzido pelo “curral atômico” construído por uma equipe da IBM, exibido na nossa coluna de setembro.

As possibilidades artísticas da nanotecnologia são tão evidentes que a empresa australiana Nanovic  criou um prêmio para a arte produzida a partir dessa técnica. O premiado em 2007 foi Peter Liddicoat, pesquisador da Universidade de Sydney (Austrália), com uma imagem de alumínio obtida por intermédio de um equipamento de tomografia atômica.

Outros resultados de extraordinária beleza foram obtidos pelo professor Mark Welland e sua estudante de doutorado Ghim Wei Ho, na Universidade de Cambridge (Reino Unido), autores da foto que abre esta coluna. Para demonstrar sua habilidade na criação de nanoestruturas, a estudante construiu nanoflores tridimensionais, com técnicas de deposição de vapor químico. A imagem no alto desta página foi obtida com um microscópio eletrônico de varredura e manipulada com a ferramenta balanço de cor do software Adobe Photoshop.

Acredito que a crítica segundo a qual o apelo estético da ciência e tecnologia seria mera “perfumaria” esteja fora de pauta em nossos dias. Os exemplos aqui mencionados suportam sobejamente o bem que isso faz ao espírito e à qualidade do produto científico e tecnológico. Talvez o que esteja faltando é que isso apareça com mais freqüência nas discussões em sala de aula.


Carlos Alberto dos Santos
Núcleo de Educação a Distância
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
25/01/2008