Bem-vindo a 2057

 

Imagem de satélite do furacão Catarina, o primeiro evento desse tipo registrado no Brasil, em 26 de março de 2004. Especula-se que fenômenos como esse se tornem mais comuns com a intensificação do aquecimento global (foto: NOAA).

Gostaria de convidar o leitor a refletir sobre como será sua vida daqui a 50 anos. Em 2057, espero estar curtindo minha velhice cercado por muitos bisnetos. Como todos, porém, ando receoso com o futuro reservado para nosso planeta e com o legado que estamos deixando para nossos descendentes.

Uma das razões recentes para minha preocupação foi o último relatório produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), patrocinado pelas Nações Unidas. O resumo do documento lançado em 2 de fevereiro, com 18 páginas , traça um destino sombrio para o nosso planeta e indica que o mundo sofrerá nos próximos anos grandes transformações devido a interferências humanas no regime climático.

Essas mudanças já andam sendo notadas nos últimos anos e estão associadas com a queima desregrada de combustíveis fósseis. Os gases liberados por esse processo ─ principalmente o dióxido de carbono e, em menor escala, óxido nitroso e metano ─ deslocam-se para as camadas superiores da atmosfera, onde se acumulam e formam um envoltório que impede a dispersão da radiação solar, dando origem ao chamado efeito estufa. Vênus, o planeta nosso vizinho que no início de sua história era provavelmente muito similar à Terra, se converteu ─ devido ao efeito estufa ─ em um inferno escaldante impróprio para a manutenção da vida.

Embora diversas evidências do aquecimento global venham sendo reveladas há alguns anos por diversas pesquisas, sua importância e seus impactos têm sido cinicamente negligenciados pelo governo de alguns países desenvolvidos ─ os principais responsáveis pelas emissões de poluentes.

Entre esses países, destacam-se os EUA, responsáveis pelo lançamento de cerca de um quarto dos resíduos mundiais provenientes da queima de combustíveis fósseis. Contudo, os EUA têm se negado sistematicamente ─ alegando razões econômicas ─ a ratificarem o Protocolo de Quioto, no qual os países industrializados se comprometem a reduzir a médio prazo as emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis.

O Brasil também tem sua parcela de culpa no processo de aquecimento global: as queimadas indiscriminadas e criminosas da floresta amazônica, mata atlântica e cerrado contribuem com grande volume de lançamento de poluentes causadores do efeito estufa na atmosfera.

Pólo Norte ameaçado

Simulação da diminuição da espessura da cobertura permanente de gelo do Ártico entre 1955 e 2055 (arte: NOAA).

O aumento das temperaturas globais tem feito com que os últimos anos sejam considerados os mais quentes desde que as primeiras aferições desse parâmetro começaram a ser feitas, há cerca de 150 anos. O aumento nas temperaturas tem sido associado com o derretimento das calotas polares e somente entre 2004 e 2005 o Pólo Norte perdeu cerca de 14% de sua cobertura permanente de gelo. No Hemisfério Norte, considera-se que tenha ocorrido um recuo de cerca de 5% das geleiras em um período de menos de 40 anos (entre 1966 e 2004).

O aquecimento global também tem sido relacionado com modificações nos regimes pluviométricos observadas nos anos recentes. Essas alterações no ciclo da água estão provavelmente associadas com a ocorrência de um número maior de tempestades tropicais, inundações, ressacas, ciclones e furacões. Porém, apesar do aumento verificado no regime mundial de chuvas, parece ter ocorrido uma desregulação nos mecanismos de controle desse processo, com excesso de chuvas em algumas regiões e secas imprevistas em outras (você ainda se lembra da seca na Amazônia em 2005?).

Apesar de alguns cientistas terem considerado anteriormente que esse processo poderia ser um evento cíclico e natural de nosso planeta, as estimativas apresentadas pelo relatório do IPCC após uma série de estudos independentes e pormenorizados indicam que é bastante improvável que esse aquecimento mundial possa ser explicado por outras razões que não sejam a interferência humana.

Estima-se que, se os níveis atuais de emissão de poluentes forem mantidos, a temperatura de nosso planeta aumentará de cerca de 0,1 a 0,2ºC por década durante este século. Nesse ritmo, a temperatura média da Terra estará pelo menos 0,5ºC superior daqui a 50 anos e cerca de 1,1ºC no final de 2100 (embora, em um cenário mais catastrófico, o aumento possa ser de até 4ºC). Mas o que essa elevação aparentemente pequena na temperatura de nosso planeta pode significar para as espécies que nele habitam?

Impacto sobre as espécies vivas
O aquecimento global levará a grandes mudanças na cobertura vegetal e significará um enorme risco para as espécies de nosso planeta. Estima-se que, se esse aumento de temperatura ocorrer nos níveis especulados, haverá um processo de extinção em massa em escala mundial, com conseqüências catastróficas e imprevisíveis.

Diversos biomas apresentarão um ressecamento. Por exemplo, acredita-se que cerca de um quinto da floresta amazônica e a totalidade do pantanal se converterão em campos. A caatinga se transformará em um deserto e a mata atlântica desaparecerá por completo. Por outro lado, o cerrado (se não for destruído por nós até lá) ampliará seus domínios e se estenderá por uma porção maior do território brasileiro.

Espécies como o mico-leão-dourado ( Leontopithecus chrysomelas ), endêmico da mata atlântica, correm grande risco de extinção devido às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global (foto: Marcel Burkhard).

As espécies presentes nas formações vegetais que terão sua área reduzida se extinguirão, a menos que sejam capazes de se adaptarem a essas mudanças ou migrarem para locais mais amenos. Na floresta amazônica, o aquecimento global levará ao surgimento de “ilhas” de vegetação florestal como as observadas há cerca de 125 mil anos, durante o último período interglacial, e que promoveram a formação de novas espécies que tornou esse local um dos campeões de biodiversidade de nosso planeta.

 

Grande número das espécies especializadas na utilização de recursos desses biomas, como o peixes-boi amazônico e marinho, o macaco-de-cheiro, o mico-leão e as espécies de preguiça, perecerão devido à incapacidade de adaptação às novas condições ambientais. Esse processo será particularmente marcante para as regiões ricas em biodiversidade, como as florestas tropicais e recifes de coral, assim como para locais em que exista grande número de espécies com baixa tolerância a mudanças térmicas, como as regiões e mares polares.

 

Aumentos na temperatura ambiental poderão levar à desnaturação de proteínas, à inativação de enzimas, a um suprimento inadequado de oxigênio para a manutenção das reações metabólicas e à desestruturação das membranas celulares desses organismos. Mesmo que um organismo tolere viver por períodos prolongados em ambientes com uma temperatura média superior àquela à qual está acostumado, pode ser que sejam afetados processos essenciais de seu ciclo vital, como reprodução, razão sexual, resistência a parasitas e capacidade de evitar predadores.

 

Esse processo afetará a nossa vida de uma forma ainda difícil de prever. Escassez de água, fome generalizada e propagação de doenças são cenários prováveis. Porém, o desequilíbrio ambiental ─ sem precedentes na história recente de nosso planeta ─ pode inclusive levar a nossa espécie, surgida há cerca de apenas 200 mil anos nas planícies africanas, a encontrar melancolicamente seu ponto final. Porém, sou otimista e creio que uma conscientização da seriedade do problema possa se estabelecer nos próximos anos, fazendo com que as medidas necessárias sejam implementadas para se evitar o pior.

 

 

Jerry Carvalho Borges

Colunista da CH On-line 

09/02/2007

 

SUGESTÕES PARA LEITURA
IPCC Secretariat. Intergovernmental Panel on Climate Change. 2007. Climate Change 2007: The Physical Science Basis, Summary for Policymakers, Geneva, 18 pp. Disponível em http://www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf
United Nations Framework Convention on Climate Change. Climate Change Secretariat, 2002. A guide to the climate change convention and its Kyoto Protocol, Bonn, 2002, 40 p.
Chris, D.T., Alison, C., Rhys E.G. et al. 2004. Extinction risk from climate change. Nature, 427: 145-148.
McLaughlin, J.F., Hellmann, J.J., Boggs, C.L., Ehrlich, P.R.2002. Climate change hastens population extinctions. PNAS , 99:6070-6074.