Cobras jurássicas

Cobras! Esses répteis são talvez os que mais causam medo às pessoas. Apesar de o número de indivíduos feridos por esses animais ser relativamente pequeno e os casos fatais terem sido reduzidos drasticamente devido aos avanços da medicina, o temor de encontrar um desses vertebrados escamosos pelo caminho, particularmente quando se está em uma trilha ou em um passeio pelo mato, é grande. Nem adianta comentar o fato de que somos nós, da espécie humana, que nos aventuramos nos domínios dessas criaturas que não têm muito para onde correr – ou melhor – rastejar.

Hoje existem mais de 3 mil espécies de cobras conhecidas, distribuídas em todos os continentes, com exceção da Antártica. Mas e no passado? Como eram as primeiras formas e como esses répteis evoluíram ao longo do tempo para se tornar o que são hoje em dia?

Essas não são perguntas triviais, já que o registro desses animais preservados nas rochas é bastante escasso. No entanto, um estudo liderado por Michael Caldwell (University of Alberta, Edmonton, Canadá) publicado na Nature Communications acaba de iluminar essas questões, revelando os registros mais antigos desses répteis. O curioso é que as descobertas não foram feitas no campo, como geralmente acontece, mas sim nas gavetas de alguns museus.

Serpentes com patas

Sei que essa informação vai parecer estranha ao leitor, mas as cobras, que conjuntamente são classificadas em um agrupamento denominado de Serpentes, são parentes dos lagartos e pertencem ao grupo dos Squamata. Isso significa dizer que são lagartos modificados.

Entre as espécies com material mais completo, destacam-se Eupodophis descouensi e Pachyrhachis problematicus, serpentes marinhas com comprimento menor que um metro e dotadas de membros posteriores

Os registros mais antigos até agora eram formados por vértebras isoladas encontradas em depósitos de 100 milhões de anos da África e alguns restos de arcadas dos Estados Unidos. Entre as espécies com material mais completo, destacam-se Eupodophis descouensi, encontrada no Líbano, e Pachyrhachis problematicus, da Cisjordânia (Palestina). Além de terem sido encontradas em depósitos de idades semelhantes (92-95 milhões de anos), ambas representam serpentes marinhas com comprimento menor que um metro e dotadas de membros posteriores. Isso mesmo: pernas, que, apesar de atrofiadas, indicam uma interessante história evolutiva para o grupo.

Tentando compreender um pouco mais a origem das cobras, Mike e colegas começaram a inspecionar coleções de Squamata coletadas em depósitos jurássicos. Revendo alguns restos já estudados, eles acabaram por constatar que duas espécies descritas anteriormente como lagartos, mais especificamente referidas ao grupo Anguimorpha, eram, na verdade, cobras. São elas: Parvirator estesi, procedente de depósitos da Inglaterra cujas idades são tidas como jurássicas ou cretáceas; e Parvirator gilmorei (que os pesquisadores alocaram em um gênero novo, Diablophis), procedente de depósitos comprovadamente jurássicos (Formação Morrison) dos Estados Unidos.

Além dessas, os autores propuseram duas espécies novas. A mais antiga é Eophis underwoodi, encontrada em rochas formadas há aproximadamente 167 milhões de anos na Inglaterra, e Portugalophis lignites, do jurássico superior (entre 161 milhões e 200 mil e 145 milhões e 500 mil anos atrás) de Portugal.

Cobras antigas
Alguns exemplares das cobras mais antigas encontradas até o momento: ‘Parviraptor estesi’ (a-b), da Inglaterra; ‘Diablophis gilmorei’ (c-f), dos Estados Unidos; ‘Portugalophis lignites’ (g-j), de Portugal; e ‘Eophis underwoodi’ (k-l), também da Inglaterra. (imagem: Caldwell et al/ Nature Communications)

Evolução antiga e complexa

Outro fator bem interessante do trabalho de Mike e colegas está no fato de que essas cobras jurássicas foram encontradas em ambientes bem distintos. Portugalophis vivia em áreas pantanosas, Parvirator e Eophis em ambientes transicionais de lagoas e lagos costeiros, e Diablophis habitava regiões próximas a rios. Isso indica claramente que a evolução das cobras é bem mais complexa e antiga do que se supunha.

Também temos no Brasil fósseis de serpentes, mas ainda pouco numerosos. O registro mais antigo tem aproximadamente 90 milhões de anos

Infelizmente, todas essas espécies jurássicas são muito incompletas, baseadas em arcadas superiores e inferiores e em vértebras. Não sabemos se elas tinham patas, uma hipótese bem provável, já que no Cretáceo muitas cobras eram dotadas de membros, mesmo que bastante atrofiados e restritos à porção posterior do corpo. Ou seja, apesar dos avanços, ainda existe a necessidade de muita pesquisa para que se tenha uma ideia mais completa da evolução desses répteis.

Falando em pesquisa, também temos no Brasil fósseis de serpentes, mas ainda pouco numerosos. O registro mais antigo, estudado por Annie Hsiou (Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto) e colegas, é de Seismophis septentrionalis, baseado em uma única vértebra encontrada em rochas formadas há aproximadamente 90 milhões de anos no Maranhão. Uma segunda vértebra talvez também represente a espécie, segundo os autores.

Quem sabe se conseguirmos reverter a falta de financiamento do CNPq aos estudos paleontológicos, não podemos também intensificar a busca pelas serpentes fossilizadas, além de outros organismos, no próprio país?

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Dimila Mothé (PPGZOO – Museu Nacional/UFRJ) e Leonardo Avilla (Unirio) acabam de publicar uma revisão dos Gomphotheriidae, parentes distantes dos elefantes. O estudo, publicado na Quaternary Science Reviews, sugere que os primeiros membros desse grupo chegaram à América do Sul durante o Plio-Pleistoceno, há cerca de 2 milhões de anos.

Está em plena organização o Simpósio Internacional de Pterossauros, a ser realizado em Portsmouth, na Inglaterra. Esse é o sétimo evento dessa natureza, onde os principais pesquisadores atuantes no estudo desse grupo de répteis alados discutirão, entre 26 e 30 de agosto de 2015, os resultados de seus trabalhos. Mais informações no site do evento.

Juanita Rodriguez (Utah State University, Logan, Estados Unidos) e colegas revisaram a ocorrência mais antiga de uma vespa do grupo Pompilidae (também chamadas de vespas-aranha). No entanto, os autores verificaram que a espécie Bryopompilus interfector, encontrada em âmbar do Cretáceo na Birmânia, não pertence a esse grupo, o que indica que a origem dos Pompilidae é mais recente, tendo ocorrido há 45 milhões de anos, e não no Cretáceo. A revisão está em vias de publicação pela Acta Palaeontologia Polonica.

Falando em eventos científicos no ramo da paleontologia, entre 2 e 6 de agosto de 2015 ocorrerá o XXIV Congresso Brasileiro de Paleontologia, na cidade do Crato, Ceará. Com cursos, trabalhos de campo, premiação, entre outras atividades, o evento promete ser um dos mais empolgantes já realizados no âmbito da paleontologia nacional. Mais informações no site do congresso.

Foi publicada no Canadian Journal of Earth Scienes a descrição de uma nova espécie de mamífero do Cretáceo Superior de Alberta, Canadá. Marisol Montellano-Ballestros (Universidad Nacional Autónoma de México, México) e Richard Fox (University of Alberta, Edmonton, Canadá) descreveram Tirotherium aptum a partir de dentes isolados, aumentando a diversidade desses vertebrados naquela região.

Rodolfo Garcia e colegas acabam de publicar um extenso trabalho sobre titanossauros, incluindo diversos aspectos anatômicos, como histologia, pneumaticidade, locomoção e anatomia craniana. O artigo foi publicado na Ameguiniana.