Alguns locais privilegiados do cérebro adulto continuam ganhando neurônios novos ao longo da vida. Um deles é o hipocampo, responsável pela formação de novas memórias; outro é o bulbo olfatório, primeira escala no cérebro dos sinais que chegam do nariz. Para fazer alguma diferença, os novos neurônios precisam ser funcionais — mas sua chegada não pode atrapalhar o funcionamento dos que já estavam no local primeiro. Como? A questão parece se resolver com uma simples cortesia por parte dos neurônios recém-chegados.
Durante a gestação, os neurônios que povoam o bulbo olfatório em desenvolvimento já chegam ’falando’, produzindo sinais elétricos antes mesmo de receberem sinais dos vizinhos. No adulto, ao contrário, os novos neurônios que encontram um bulbo já formado e funcionando são mais ’educados’, como mostra um estudo franco-americano publicado em maio deste ano na revista Nature Neuroscience . Esses neurônios chegam calados, e somente vários dias após receberem sinais dos vizinhos já estabelecidos é que começam a se manifestar também, produzindo seus próprios sinais e se integrando ao funcionamento do bulbo.
Integrar-se, no entanto, não é garantia de estabilidade. Pelo contrário: mais da metade dos novos neurônios que chegam tanto ao bulbo quanto ao hipocampo morre em um mês após se tornarem funcionais. O corte é radical e pode até parecer desperdício, mas é essa eliminação que permite às duas estruturas reorganizar continuamente seus circuitos, criando alguns e desfazendo outros. O resultado? A capacidade de formar novas memórias, inclusive olfativas, pelo módico preço de alguns neurônios criados, testados, e descartados…
Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia