Comportamento e evolução dos elefantes

Que a evolução já há muito deixou de ser uma teoria e passou a ser considerada um fato raramente questionado, pelo menos no meio acadêmico, não é novidade. O mesmo, no entanto, não pode ser dito quando se pensa em como o processo evolutivo ocorre. Aqui os cientistas ainda procuram respostas para algumas perguntas centrais.

Os cientistas ainda procuram respostas sobre a relação entre mudanças comportamentais e transformações anatômicas

Entre elas está a relação entre mudanças comportamentais e transformações anatômicas. Dentro da paleontologia existe uma percepção de que haveria uma resposta anatômica praticamente imediata à mudança do comportamento de um organismo para se adaptar a novas condições ambientais.

Essa percepção está vinculada à premissa de que os organismos mais bem adaptados para as novas condições teriam uma chance de sobrevivência maior, o que estaria diretamente ligado ao desenvolvimento de alguma nova estrutura ‘vantajosa’, refletida na sua anatomia. Um estudo realizado por Adrian Lister, do Museu de História Natural de Londres (Inglaterra), publicado em destaque pela prestigiosa Nature sobre a evolução dos proboscídeos, grupo ao qual pertencem os elefantes modernos, questiona essa premissa.

Os proboscídeos

Os elefantes surgiram na África e fazem parte de um grande grupo de mamíferos denominado Proboscidea, todos herbívoros. Entre as suas principais características se destacam a tromba e as enormes presas, que se originaram pelo desenvolvimento dos dentes incisivos. Apesar de hoje em dia os proboscídeos serem representados por apenas três espécies, no passado a sua diversidade eram bem maior, com centenas de formas conhecidas.

Os proboscídeos basais, como o Gomphotherium e formas relacionadas, possuíam dentes molares formados por uma coroa (parte superior do dente situada acima da gengiva) com algumas pontas (denominadas cúspides) arredondadas (veja figura abaixo). Em espécies mais derivadas, essas cúspides se uniram formando cristas transversais, denominadas lofos. Estas, por sua vez, evoluíram para o surgimento de mais cristas e um aumento expressivo da coroa dentária em uma condição designada hipsodonte. Tal arranjo é atribuído a uma mudança de hábito alimentar: formas herbívoras teriam passado a ingerir vegetais mais resistentes, provocando um desgaste dentário maior, como é o caso das gramíneas.

Molares de ‘Gomphotherium’
Molares de ‘Gomphotherium’, representante basal dos proboscídeos, cuja dentição foi sofrendo alterações para se adaptar à mudança de hábito alimentar imposta por transformações ambientais na África. (foto: Dave Smith/ University of California Museum of Paleontology ©)

 

Mudanças ambientais na África

Estudos geoquímicos (particularmente de isótopos) e de paleossolos (solos do passado) indicam que houve significativas mudanças na vegetação do continente africano ao passo em que se tornava mais árido. Assim, nos últimos 10 milhões de anos, florestas e bosques deram gradativamente lugar a pradarias, onde árvores foram perdendo cada vez mais espaço para uma vegetação mais aberta e rasteira constituída por gramíneas. Sabe-se que as folhas das gramíneas são mais resistentes do que as das árvores.

Por meio de estudos geoquímicos do esmalte dentário, pode ser estabelecido de qual tipo de vegetal um animal herbívoro se alimentava. Se valendo desse tipo de análise, Adrian Lister pôde estabelecer que os proboscídeos, incluindo as formas mais basais dos elefantes, rapidamente mudaram a sua alimentação, passando a ingerir cada vez mais gramíneas e menos folhas das árvores.

Representação artística de Gomphotherium angustidens
Representação artística de um ‘Gomphotherium angustidens’. Nos últimos 10 milhões de anos, florestas e bosques africanos deram gradativamente lugar a pradarias. Nesse cenário, os proboscídeos mudaram rapidamente sua alimentação, passando a ingerir cada vez mais gramíneas e menos folhas das árvores. (ilustração: Charles R. Knight)

Há cerca de 8 milhões de anos, a maioria das espécies já havia mudado para o novo alimento. Até aqui, nada de especial. É comum e até esperado que animais mudem o seu comportamento e procurem ocupar um novo hábitat quando este se oferece na natureza.

Uma vez que as folhas das gramíneas são mais resistentes, era de se esperar que houvesse uma significativa mudança na dentição dos proboscídeos. Sobretudo quando se leva em conta que, ao se alimentar de vegetais mais rasteiros, o animal tende a ingerir também restos de rochas e solo, aumentando a abrasão dos dentes, particularmente dos molares.

Uma vez que as folhas das gramíneas são mais resistentes, era de se esperar que houvesse uma significativa mudança na dentição dos proboscídeos. A surpresa é quando isso ocorreu

De fato, essa mudança pode ser observada em termos anatômicos. Novas espécies começaram a desenvolver molares mais altos (hipsodontes), com cristas cada vez mais numerosas e mais eficientes em processar o novo alimento. A surpresa, no entanto, é quando isso ocorreu: há apenas 5 milhões de anos. Ou seja, por 3 milhões de anos não houve nenhuma mudança significativa na dentição dos proboscídeos, incluindo os elefantes mais basais, mesmo quando estes mudaram o seu comportamento para ingerir alimento que provocava um desgaste maior nos dentes.

Como explicar?

Essa situação está sendo vista com surpresa pela comunidade científica. Entre as hipóteses que podem ser levantadas por esse estudo é que mudanças comportamentais levam organismos a ocuparem um hábitat inicialmente ‘desfavorável’, o que gera uma pressão seletiva que favorece a mudança na sua anatomia, e que esta não seria imediata conforme se pensava.

Ou seja, os proboscídeos teriam passado a se alimentar de plantas mais resistentes, possivelmente diminuindo o seu tempo de vida, já que o aumento de abrasão dentária seria maior. Ao longo de milhões de anos, devido à pressão ambiental, teria havido o desenvolvimento de coroas mais altas (hipsodontes) e estruturas que facilitariam a ingestão do alimento, aumentando a longevidade das novas espécies.

Além de convidar os cientistas para uma maior reflexão sobre esse assunto e possíveis aplicações no estudo de outros grupos, o que mais me fascina nessa pesquisa é mostrar como a paleontologia, associada a uma visão mais interdisciplinar (no caso, a geoquímica) pode ajudar no entendimento de como se deu o desenvolvimento e a diversificação da vida nesse pequeno ponto do universo que é o nosso planeta.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Valéria Gallo (Uerj) e colegas publicaram nos Anais da Academia Brasileira de Ciências um estudo sobre a biogeografia de mamíferos herbívoros da América do Sul. Utilizando o método panbiogeográfico de análise de traços, os autores determinaram, entre outros, que o tipo de vegetação teve grande influência na distribuição da megafauna durante o Pleistoceno.

A Universidade de Évora está divulgando a realização do processo seletivo para o ingresso no seu curso de Mestrado em Paleontologia, que é realizado em convênio com a Universidade Nova de Lisboa. Com instalações modernas, o curso se propõe a formar profissionais com uma visão abrangente e integrada a temas relacionados com a evolução, tanto do planeta como também do desenvolvimento da vida. Para maiores informações, veja o vídeo institucional.

Dentro das atividades comemorativas dos seus 195 anos, o Museu Nacional/UFRJ inaugurou a exposição ‘A revolução das plantas’. Com design gráfico assinado por Mara Toscano e coordenação geral de Luciana Gussella, a mostra apresenta a origem e diversificação das plantas ao longo do tempo. Mais informações no site do museu.

Shuo Wang (Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology, Pequim, China) e colegas publicaram a descrição de um novo dinossauro terópode procedente de depósitos cretáceos do sul da China. Ganzhousaurus nankangensis pertence ao grupo dos oviraptorossauros, que são formas desprovidas de dentes, algo incomum dentro dos dinossauros terópodes. O estudo foi publicado pela Zootaxa.

Thiago Marinho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Minas Gerais) e colegas publicaram a ocorrência de um novo crocodilomorfo brasileiro: Gondwanasuchus scabrosus. Baseado em um crânio e uma mandíbula procedentes da região de General Salgado (São Paulo), a nova espécie se destaca por possuir dentes com sulcos bem marcados, demonstrando a significativa diversidade dos crocodilomorfos encontrados nos depósitos cretáceos do Brasil. O estudo está disponível no site da Cretaceous Research.

Pesquisadores acabam de publicar na Palaeontology um estudo sobre a associação entre bivalves e amonitas (grupo extinto de moluscos) em depósitos cretáceos japoneses. As conchas do amonita Pravitoceras estão comumente incrustadas por bivalves, o que se imaginava ocorrer após a morte do animal. Através de um detalhado estudo envolvendo anatomia e sedimentologia, Akihiro Misaki (Kitakyushu Museum of Natural History, Japão) e colegas conseguiram demonstrar que essa associação ocorria ainda durante a vida dos amonitas, contrariando o que se pensava até então.