Quando um novo achado de um fóssil é noticiado, quase sempre jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão apresentam o fato como algo espetacular, que modifica tudo o que foi escrito até então. “Encontrado o elo perdido!”, “Novo dinossauro revoluciona pesquisa!”, “Fóssil surpreende cientistas!”, “Achado demonstra que história da evolução do grupo terá que ser reescrita!” – são alguns dos títulos mais alardeados.
Essa percepção de que um novo fóssil altera fundamentalmente o conhecimento a respeito de um grupo acaba sendo passada para o público. Porém, será que isso é verdade?
Existe alguma maneira de se medir o impacto de uma descoberta paleontológica e verificar se a maioria é, digamos, revolucionária? James Tarver e colegas da Universidade de Bristol (Inglaterra) fizeram-se exatamente estas perguntas, numa pesquisa que acaba de ser publicada pela Proceedings of the Royal Society B.
Mais do que a questão envolvendo a mídia, o ponto principal do estudo era descobrir se existe alguma questão de natureza evolutiva mais profunda que possa dar sustentação a essa postura.
Dinossauros e primatas
Para abordar a problemática, os autores ingleses resolveram tratar em sua pesquisa de dois grupos cujas descobertas geram muito interesse na sociedade – e, consequentemente, manchetes nos jornais: dinossauros e primatas.
Os dinossauros, em especial os dinossauros não avianos, são conhecidos há mais de 150 anos e exercem um verdadeiro fascínio sobre as pessoas. E os primatas, depois de Darwin (naturalista inglês que publicou o célebre livro sobre a origem das espécies), geram interesse, pois são o grupo ao qual a nossa espécie pertence.
Assim, quando um novo fóssil de primata, particularmente do grupo dos catarrinos (que inclui os orangotangos, babuínos, gorilas e chipanzés, alem dos hominídeos), é encontrado, este tem o potencial de ajudar a entender a origem da própria espécie humana e, deste modo, atiça a curiosidade das pessoas.
De uma forma geral, sabe-se que a maioria das descobertas de maior impacto de um novo grupo ocorre rapidamente e, com o tempo, as novidades vão rareando. Por exemplo, o primeiro peixe na bacia do Araripe era algo espetacular. Já o milésimo…
Sendo assim, à medida que a pesquisa prossegue, é esperado que os novos achados sigam apenas preenchendo lacunas no conhecimento, sem, no entanto, mudar as relações entre as espécies (ou grupos de espécies) conhecidas há mais tempo.
Inicialmente, Tarver e colaboradores compilaram e juntaram as principais propostas sobre a evolução dos primatas catarrinos em vigor até 2007. Em seguida, eles excluíram da análise as descobertas mais recentes, realizadas até o ano de 2000, e fizeram um estudo de como seria o conhecimento da evolução do grupo se aqueles achados não tivessem acontecido.
O mesmo foi feito em intervalos sucessivos de 10 anos, sempre reduzindo o número de espécies encontrado em cada década, até o ano de 1760. Munidos de técnicas próprias para esse tipo de estudo, os autores verificavam o que mudava no conhecimento da evolução do grupo com a redução dos achados. Depois, fizeram o mesmo com os dinossauros não avianos.
Impacto variado
O resultado foi um tanto inesperado. Para os primatas catarrinos, após 1910-1920, a descoberta de novas espécies não afetou as relações de parentesco – e, portanto, a história evolutiva – do grupo. A tendência de cada achado era a de preencher lacunas, e não a de revolucionar o conhecimento geral sobre o grupo.
Já para os dinossauros, a situação é outra. Primeiro, as descobertas de novas espécies seguem aumentando a uma taxa bem mais alta do que a dos primatas, o que deverá continuar nas próximas décadas. Segundo, muitas das novas descobertas pertencem a grupos que não eram conhecidos anteriormente, ou mesmo modificam o nosso entendimento da história evolutiva do grupo.
Entre outros aspectos, os resultados dos colegas ingleses não deixa dúvidas: achados de dinossauros novos continuam revolucionando o nosso entendimento da evolução desse fascinante grupo de répteis!
Por outro lado…
De uma forma geral, acredito que os resultados da pesquisa liderada por Tarver não chegam a surpreender, justamente em função dos dois grupos que ele escolheu como base de comparação. Em primeiro lugar, há uma grande diferença no tempo em que os catarrinos estiveram presentes no nosso planeta em comparação com os dinossauros não avianos.
O primata catarrino mais primitivo tem algo em torno de 36 milhões de anos, enquanto os dinossauros não avianos viveram entre 230 milhões e 65 milhões de anos atrás. Assim, esses répteis existiram no nosso planeta por aproximadamente 4,5 vezes mais tempo do que os catarrinos – logo, a quantidade de espécies desse grupo, ao menos na teoria, deveria ser bem maior.
Como fósseis são raros e, via de regra, os que viveram em tempos mais antigos são mais raros ainda, pode-se entender a dificuldade maior de se reconstituir a história evolutiva dos dinossauros não avianos em comparação à daqueles primatas. Além disso, não se pode esquecer que existe uma brutal diferença nas verbas destinadas para a pesquisa de hominídeos quando comparadas aos recursos para o estudo de dinossauros.
Outra consideração a ser ressaltada é que nem toda descoberta de dinossauro é noticiada pela imprensa. Apenas uma pequena parte dos achados chega à mídia. Os pesquisadores, incluindo também os especialistas em fósseis de primatas catarrinos, geralmente não falam muito com a imprensa sobre um novo achado quando sabe que este, apesar de importante, não é especial.
É mais ou menos como os gols em uma partida de futebol: o quinto gol de uma goleada em uma partida qualquer não é tão importante como o único tento de uma final de campeonato. E, como o estudo de James Tarver sugere, os pesquisadores de dinossauros têm disputado muitas finais…
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)
Com pesar a coluna comunica duas grandes perdas para a paleontologia brasileira: Rafael Gioia Martins Neto e Claudio Ney Salema Ribeiro, ambos falecidos recentemente. Rafael, amigo do colunista, com quem trabalhou em alguns projetos, fez uma carreira importante estudando insetos, particularmente os da Formação Crato da Bacia do Araripe. Com mais de 100 trabalhos publicados, esse paleontólogo estava atuando na região de Santana do Cariri, como professor visitante da Universidade Federal do Ceará. Já Claudio era um paleoartista muito querido no Museu Nacional/UFRJ e realizou importantes reconstruções de animais extintos. Conhecido pela busca da perfeição, tem entre as suas principais obras o Guarinisuchus (também conhecido como o ‘jacaré azul’, que já ilustrou esta coluna) e o esqueleto dos répteis voadores Tupandactylus imperator e Nemicolopterus crypticus, o último com pouco mais de um palmo de abertura alar. Estas e outras peças deste paleoartista, como também alguns fósseis estudados por Rafael, encontram-se na exposição permanente do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro).
Liderado pelo pesquisador Álamo Saraiva, o Guia para trabalhos de campo em paleontologia na Bacia do Araripe acaba de ser publicado. Em parte financiado pela Universidade Regional do Cariri e pelo Geopark Araripe, o livro tem como objetivo fazer com que qualquer estudante de graduação ou pós-graduação consiga identificar os principais fósseis encontrados nas formações Crato e Romualdo da Bacia do Araripe. Publicações dessa natureza são extremamente importantes para a popularização da pesquisa básica, como é o caso da paleontologia. Mais informações diretamente com o coordenador do projeto (alamocariri@yahoo.com.br).
Pesquisadores liderados por Lionel Cavin (Museu de Geneva, Suiça) fizeram uma revisão das assembleias de vertebrados fósseis dos depósitos cretáceos do Marrocos. O estudo identifica três grupos faunísticos distintos envolvendo 80 espécies diferentes, desde peixes até dinossauros e répteis voadores. A pesquisa foi publicada pelo Journal of African Earth Sciences.
A Paleo Minas 2010, evento que irá congregar os pesquisadores de fósseis atuantes em Minas Gerais, será organizado pela Universidade Federal de Uberlândia de 16 a 18 de dezembro. Na ocasião, serão apresentadas diversas pesquisas, além de palestras e uma exposição de paleoarte que também poderá ser visitada após o evento na instituição. Mais informações na página do evento ou com ou com Douglas Riff.
Ainda falando em livros, acaba de ser lançada a terceira edição do primeiro volume de Paleontologia – conceitos, métodos, pela Editora Interciência. Com diversos artigos de importantes pesquisadores, o lançamento da obra organizada por Ismar Carvalho, do Instituto de Geociência da UFRJ, acaba de ser realizada naquela instituição.
Paul Barrett (Museu de História Natural de Londres) e colegas publicaram a descrição de restos de um dinossauro do grupo dos anquilossauros da Austrália. Encontrados em depósitos do Cretáceo, o fóssil inspirou estudo publicado com destaque pela Alcheringa, que sugere que este grupo de dinossauros, caracterizado por possuir uma armadura formada por osteodermas, era mais diversificado naquele continente do que se supunha.
A Revista Brasileira de Paleontologia acaba de publicar um artigo [PDF] que soluciona uma questão antiga: existiram répteis voadores na Bahia? A pesquisa foi liderada por Taissa Rodrigues (Museu Nacional/UFRJ) e mostra que um pesquisador inglês estava certo quando determinou a existência de pterossauros em depósitos do Cretáceo na Bacia do Recôncavo.