Os dados sobre desmatamento no Brasil são frequentemente expressos em número de campos de futebol. De fato, quem não é dono de terras ou agrônomo não visualiza o que é um hectare (10.000 m2) ou um quilômetro quadrado. Mas todos sabem o tamanho de um campo de futebol.
Em tempos de Copa do Mundo, o uso dessa unidade ganha sentido especial. Ainda na fase de preparação, de agosto de 2011 a julho de 2012, o desmatamento na Amazônia foi de 457.100 campos de futebol. No mesmo período do ano seguinte – em que se aprovou o Novo Código Florestal –, o desmatamento na região cresceu 28%, passando a 584.300 campos de futebol. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe.
Podemos concluir que, se não levarmos o troféu no futebol, não será por falta de espaço para jogar. Talvez seja por falta de jogadores. Afinal, seriam necessários 12,7 milhões de jogadores para ocupar todos esses hipotéticos campos ao mesmo tempo, sem contar reservas, massagistas, cartolas e marias-chuteiras.
Mas calma, o jogo continua, e o desmatamento de agosto de 2013 a maio de 2014 caiu 24% em comparação com o mesmo período no ano anterior. O gol foi muito comemorado e divulgado pelo governo.
Essa comemoração foi tão convincente quanto a de um fumante que fizesse estardalhaço por reduzir seu consumo de 20 para 15 cigarros diários, depois de tê-lo aumentado de 14 para 20. A festa esconde o fato de que ele continua fumando e que não há limites seguros para o consumo de produtos de combustão.
Amazônia e outros biomas nacionais
Mas a mídia tem pressa, e as sutilezas são inimigas da pressa. Enquanto discutimos se esses números são um gol contra ou a favor, esquecemos que continuamos vice-campeões na modalidade desmatamento-de-floresta-tropical-úmida, atrás apenas da aguerrida Indonésia. No entanto, se incluirmos na repescagem biomas nacionais menos carismáticos, como o cerrado, a caatinga, o Pantanal e a mata atlântica, então a taça do mundo do desmatamento é nossa e ninguém tasca.
Para o brasileiro médio, a Amazônia é distante e inóspita, e ele não se emociona com a abertura de novos campos de futebol por lá. Já a mata atlântica, o bioma mais ameaçado do país, está literalmente sob as barbas de mineiros, paulistas, fluminenses, baianos, piauienses e paranaenses. Isso não impediu que o seu desmatamento aumentasse 9% de julho de 2012 a junho de 2013 em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a ONG SOS Mata Atlântica.
Ora direis, se essas madeiras nobres forem convertidas em belos e perenes objetos, que mal há? O mal é que nesse caso só o abjeto é perene. Esqueça o aparador de jacarandá, a bandeja de mogno… Como ocorre desde abril de 1500, esse bioma só produz carvão e terras aráveis, ambos por tempo limitado, e saudades, estas sem prazo de validade, assim como os gases de efeito estufa.
Minas Gerais é o líder nacional inconteste no desmatamento da mata atlântica, movido pelas carvoarias que abastecem fornos industriais. Triste destino: milhões de anos de evolução para se tornar o ecossistema com uma das maiores taxas de eficiência e estabilidade.
E tudo isso para quê? Para acabar num forno, cumprindo as mesmas funções de baixa fisiologia e termodinâmica que um reles galão de gasolina. Ainda em analogia futebolística, equivale a colocar o Neymar como gandula e o Felipão como cabeça de área.
Conflitos ambientais
Mas nem tudo é futebol e desmatamento. Há inúmeras outras modalidades em que o Brasil se destaca. No quesito conflitos ambientais, o Brasil empata com a Nigéria em terceiro lugar, atrás de Índia e Colômbia, segundo levantamento da ONG Environmental Justice Organizations, Liability and Trade, sob coordenação da Universidade Autônoma de Barcelona. Os motivos de conflito são em sua maioria relativos a água, terra, desmatamento e mineração.
Mas alto lá: se nossos conflitos ambientais nos colocam em mísera terceira posição no ranking global da modalidade, nossa eficiente reação aos mesmos nos coloca na liderança absoluta dos assassinatos de ativistas ambientais. Segundo a ONG – sempre elas – Global Witness, dos 908 assassinatos de ativistas ambientais no mundo entre 2002 e 2013, 448 ocorreram no Brasil.
Sou brasileiro, com muito orgulho. Quero a taça, com arte, alegria e união, sem cartão amarelo nem vermelho. Quero a taça do futebol, da equidade, da sustentabilidade e muitas outras mais, que não cabem no espaço desta coluna.
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro