Cristas e sexo na vida dos pterossauros

Há cerca de 15 anos, um colega de profissão mostrou-me um exemplar espetacular: uma cabeça de pterossauro recém-encontrada em rochas que há 115 milhões de anos formavam o fundo de um lago de água doce na região hoje situada na parte sul do estado do Ceará.

Encontrar exemplares daquele grupo de répteis voadores extinto já era relativamente raro, sobretudo materiais mais completos como aquele espécime, mas o que intrigou os pesquisadores foi o que ele trazia no topo da cabeça: uma enorme crista. E não era uma crista qualquer!

No caso daquela espécie, atualmente conhecida como Tupandactylus imperator, a crista era formada por uma base óssea e tinha uma longa projeção na frente da cabeça, sugerindo a presença de uma extensa parte não ossificada formada por alguma membrana.

'Tupandactylus imperator'
Escultura de um ‘Tupandactylus imperator’, pterossauro de crista enorme formada por uma base óssea que sustentava uma membrana. (obra: Orlando Grillo)

E o mais fascinante: essa estrutura formava cerca de 5/6 de toda a superfície lateral do crânio! Nunca antes na história da paleontologia havia sido observado algo assim em um animal – extinto ou vivente. Não havia como deixar de fazer a pergunta: para que serviria essa estrutura?

Respostas improváveis

De uma maneira geral, os últimos achados de pterossauros demonstram que grande parte das espécies – sobretudo as mais derivadas, pertencentes ao grupo dos pterodactiloides – possuía algum tipo de crista na cabeça.

Estas variavam de pequenas projeções, como em Germanodactyus cristatus, até estruturas de grande porte, como em Tupandactylus imperator. Tinha até um, o Feilongus youngi [na imagem que abre a coluna], que chegou a desenvolver duas cristas – uma pequena na parte anterior e outra maior na parte posterior do crânio.

Para que essas estranhas estruturas serviriam em um animal voador?

Tanta diversidade de formas e tamanho levava à insistente pergunta, repetida muitas vezes pelos pesquisadores: para que essas estranhas estruturas serviriam em um animal voador?

Para responder essa questão, a maioria dos pesquisadores focou seus estudos na espécie Pteranodon longiceps. Esse pterossauro é conhecido graças a centenas de exemplares, geralmente incompletos e muito compactados, procedentes de rochas com 83 milhões de anos da Formação Niobrara, nos Estados Unidos.

A crista de Pteranodon longiceps é bem alongada e está situada na região posterior do crânio. Para alguns autores, essa estrutura serviria de base para a inserção de músculos do pescoço. No entanto, se essa proposta fosse correta, haveria uma limitação muito grande em termos de movimento que o animal poderia fazer com a cabeça.

Outra possibilidade apontada por estudos é a da crista estar envolvida em questões aerodinâmicas. Há quem defenda que essa estrutura poderia ter sido utilizada como um freio durante as aterrissagens em solo, o que, confesso, me soa meio estranho. 

Ainda outra hipótese seria de que essa estrutura teria funcionado como uma espécie de leme, auxiliando no direcionamento do pterossauro no ar. Até que essa última parece plausível: de uma forma ou de outra, cada vez que o animal mexesse a sua cabeça para os lados, a crista certamente interferiria no seu voo.

Atrativo sexual?

Mas a proposta mais aceita atualmente para explicar a crista em Pteranodon é a sua relação com o dimorfismo sexual.

Paleontólogos acreditam ter encontrado dois grupos principais de pterossauros dotados de crista: animais com cristas grandes e animais com cristas pequenas. Os primeiros, geralmente de maior tamanho, foram tidos como machos de Pteranodon longiceps, enquanto que os de cristas menores foram tidos como fêmeas dessa espécie. Mas como saber se isso realmente é correto?

A proposta mais aceita para explicar a crista em Pteranodon é a sua relação com o dimorfismo sexual

Em um estudo paralelo, pôde-se observar que existiam dois tipos de pélvis naquele réptil fóssil que se diferenciam sobretudo pelo tamanho do canal pelviano (por onde passaria o ovo durante a reprodução): um grande e outro pequeno. Não precisa ser cientista para inferir qual seria a fêmea e qual o macho.

Até que, à primeira vista, a proposta de vincular cristas grandes a machos e pequenas a fêmeas faz sentido, não fosse um ‘pequeno problema’. São raros os esqueletos completos e não existem exemplares dos supostos machos de Pteranodon com cristas grandes associados à pélvis com canal pelviano pequeno.

O mesmo pode-se falar das fêmeas. Sempre falta alguma coisa – ou a crista está quebrada ou a região pelviana está compactada demais para se atribuir a sua forma original.

Radiador?

Thalassodromeus sethi
‘Thalassodromeus sethi’. Imagem do fóssil na parte de cima e uma reconstrução em vida abaixo. (Ilustração: Maurilio Oliveira)

Uma descoberta importante que de certa forma revolucionou a questão das cristas foi a do Thalassodromeus sethi. Esse pterossauro, de abertura alar um pouco maior do que quatro metros, foi encontrado em depósitos de 110 milhões de anos no Brasil.

Entre as suas características principais está uma imensa crista na cabeça que, ao contrário da do Tupandactylus, era toda formada por osso. Na superfície dessa estrutura, pode-se observar uma rede bem organizada de sulcos ligados a partir de um sulco maior central.

Essas estruturas foram interpretadas como a impressão de vasos sanguíneos, indicando que a crista era irrigada por muito sangue. Tal observação levou à sugestão de que a crista desse pterossauro poderia ter sido utilizada para controlar a temperatura do seu corpo.

Os cientistas acreditam que possivelmente outros répteis voadores com cristas desenvolvidas, tais como Tupandacylus e Pteranodon, também regulavam a temperatura de seu corpo dessa maneira.

Cristas multifuncionais

Diante de todas essas formas e tamanhos de cristas nos pterossauros, parece ser seguro afirmar que elas não deveriam ter uma função única. Dependendo do seu tamanho e posição, essas estruturas poderiam ter funcionado de diversas maneiras – desde auxiliares de voo até reguladoras térmicas.

Parece ser seguro afirmar que as cristas não deveriam ter uma função única

Como muitas espécies de répteis voadores possuem essa estrutura, certamente a crista também funcionaria para a distinção entre as espécies. Do mesmo modo, consigo imaginar – apesar de não poder provar – que talvez em alguns desses animais alados houvesse uma diferença do tamanho da crista separando machos e fêmeas.

Seja como for, nos tempos mesozoicos, sobretudo durante o Cretáceo, o céu do nosso planeta devia exibir pterossauros com cristas de diferentes cores, formas e tamanhos, o que ajudava a diferenciar quem era quem.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Julia Desojo (Museu Argentino de Ciências Naturais, Buenos Aires) e colegas acabam de descrever um novo réptil primitivo do Brasil. Archeopelta arborensis foi encontrado em rochas do Triássico no Rio Grande do Sul e representa o grupo Doswelliidae, que só havia sido encontrado antes nos Estados Unidos. O artigo relatando a descoberta foi publicado pela Zoological Journal of the Linnean Society.

A 9ª Reunião da Associação Europeia de Paleontólogos de Vertebrados será realizada em Heraklion, capital de Creta, na Grécia. Esse evento tradicional no ‘velho continente’ reunirá pesquisadores entre 14 e 19 de junho de 2011. Mais informações na página da entidade na internet.

Victor Dominato (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e colegas acabam de publicar um estudo que demonstra atividades de animais carniceiros nos famosos fósseis de Haplomastodon waringi – uma espécie de mastodonte, encontrado em Águas do Araxá, Minas Gerais. Os autores puderam concluir que as carcaças daqueles animais, depois de sua morte, serviram como alimento para ursídeos, felinos e caninos. O artigo foi publicado no Journal of South American Earth Sciences.

Saiu na Lethaia um estudo que revisou as ocorrências de vertebrados fósseis procedentes de depósitos da Formação Rio do Rasto, do Permiano do Rio Grande do Sul. Segundo Sérgio Dias da Silva (Universidade Federal do Pampa, Rio Grande do Sul), existem três localidades com fósseis que representam dois tempos bem diferentes, e não de um mesmo período, como se supunha até então.

Pesquisadores liderados por Juan Carlos Cisneros (Universidade Federal do Piauí) acabam de publicar na Science uma nova espécie de anomodonte – formas primitivas que se encontram bem na base do grupo Synapsida (que inclui os mamíferos). Com uma dentição na região palatal (o céu da boca) típica de animais herbívoros, Tiarajudens eccentricus surpreendeu os cientistas pela presença de grandes presas. [Leia matéria da CH On-line sobre a descoberta]

Terminou a votação da enquete que estabeleceu a matéria mais interessante abordada pela coluna durante o ano de 2010. Exatamente um terço dos leitores elegeu o artigo Que penas! como a mais interessante, seguido por Biodiversidade da Amazônia explicada. Aproveitamos para agradecer aos que votaram. Ano que vem tem mais.