Edição de aniversário

Participar de eventos científicos é muito interessante para os cientistas – não somente pela oportunidade de apresentar as nossas pesquisas e aprender coisas novas, mas também pela chance de encontrar amigos e colegas de profissão. No hall do hotel, nos restaurantes ou mesmo naquele happy hour de final de dia, confraternizamos e trocamos ideias. Dessas conversas informais surgem muitos projetos de colaboração científica.

Trago um exemplo pessoal. Em maio de 2006, eu estava participando do Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, a maior reunião de físicos do Brasil, na cidade de São Lourenço, em Minas Gerais. No café da manhã do hotel, sentei-me junto ao professor Alberto Passos Guimarães, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que trabalha em temas muito próximos do meu interesse, que é o magnetismo. Além de conversarmos sobre resultados interessantes apresentados no evento, falamos também sobre divulgação científica.

Relatei a ele minha proveitosa experiência em escrever colunas sobre ciência, em particular sobre física. Infelizmente, a página onde eu publicava meus textos deixara de operar no Brasil. Guimarães, membro da diretoria do Instituto Ciência Hoje e atualmente o seu presidente, sugeriu que eu procurasse a Ciência Hoje, que, na época, implementava em seu portal um espaço para colunas. Fiquei feliz com a ideia e entrei em contato com o editor, na época o jornalista Bernardo Esteves. Em junho de 2006, há exatos dez anos, estreava a coluna ‘Física sem mistério’.

Para mim foi, e continua sendo, uma oportunidade extraordinária de aprendizado

De lá para cá, foram 120 artigos publicados, com periodicidade mensal, sem interrupção. Para mim foi, e continua sendo, uma oportunidade extraordinária de aprendizado. Afinal, todo mês coloco para mim o desafio de abordar um novo tema sobre física, astronomia ou até as conexões existentes entre outras ciências e essas áreas.

 

Do futebol aos astros

O texto de estreia foi publicado na época da Copa do Mundo da Alemanha. Havia uma grande expectativa em relação à seleção brasileira, campeã mundial, e aproveitei o tema para discutir o lance genial da falta batida pelo craque Ronaldinho Gaúcho na Copa de 2002 – a brincadeira foi imaginar como Aristóteles, Galileu, Newton e Einstein, a partir das suas teorias, descreveriam o lance. O futebol voltaria à coluna também para falar sobre viagens no tempo, em texto motivado pelo filme Barbosa, de Ana Azevedo e Jorge Furtado, e sobre esquemas táticos e a dinâmica de um sistema interagente com muitas partículas, em “Imponderável Futebol Clube”.

Além da paixão nacional, outros temas corriqueiros serviram de pontapé inicial ou mesmo de metáfora para abordar questões científicas complexas. No texto “Um romance da natureza”, comparo a evolução da física a uma narrativa ainda não completada, enquanto em “Um edifício milenar” uso a construção de um prédio como metáfora de como novas descobertas servem de alicerce para novas teorias. A estratégia me permite abordar temas cabeludos como a teoria da relatividade e a física quântica, temas, respectivamente, da recente coluna “Sinfonia para o universo” e da mais antiga “Cânticos quânticos”, inspirada na música de Gilberto Gil “Quanta”.

Agora, cá entre nós, um dos temas mais caros à coluna é a astronomia. Inspiradora e atraente para o público, esta é uma área da qual poderíamos falar sem parar – na tentativa de escolher um único exemplo, destaco o texto “O essencial é invisível aos olhos”, baseado no livro O pequeno príncipe, de Saint-Exupéry, no qual discuto a paixão pela ciência, em particular pela astronomia. Outra coluna de grande repercussão foi “A verdadeira influência dos astros”, na qual faço uma crítica à astrologia e defendo que a verdadeira influência dos astros sobre nós é sua beleza, que nos inspira a estudá-los, conhecê-los e, como diz o poeta, ouvi-los.

 

Aprendizado e retornos

Vi, na prática, que divulgar ciência não é tarefa simples. É preciso usar uma linguagem acessível para o público não acadêmico, mas também é igualmente importante manter o rigor científico

Poderia ficar aqui relembrando cada uma das 120 colunas publicadas, mas vamos adiante. Nesses dez anos, vi, na prática, que divulgar ciência não é tarefa simples. É preciso usar uma linguagem acessível para o público não acadêmico, mas também é igualmente importante manter o rigor científico: do contrário, pode-se apostar que chegarão as críticas pela falha em um desses dois aspectos.

Embora não seja uma atividade valorizada por todos – ainda há acadêmicos que pensam que ela simplesmente não dá retorno –, a divulgação científica me trouxe, na última década, muitas recompensas pelo esforço empreendido. Um aspecto gratificante do trabalho foi ver que dezenas de artigos publicados aqui foram solicitados para reprodução em livros didáticos de disciplinas como física, química, geografia, português e ciências, para apoiar aulas de Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Eles também já foram utilizados em concursos públicos e vestibulares.

Rotineiramente, recebo muitas mensagens e comentários sobre os textos publicados, na sua grande maioria elogiando as colunas, ou com dúvidas sobre os assuntos abordados. Tento responder quase todos, pois considero que, se alguém que leu o texto se motivou a escrever para mim, seja qual for o motivo, vale a pena dar uma resposta.

Mas, em termos de recompensa, guardo uma história especialmente memorável. Ao final de uma disciplina que lecionei na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), solicitei aos alunos uma avaliação das aulas. Um deles, além de fazê-lo, mencionou que me conhecia justamente pela ‘Física sem mistério’. Ainda estudante de Ensino Médio, ele havia entrado em contato comigo perguntando sobre o curso de física, e afirmou que meus textos o incentivaram a procurar a graduação na UFSCar. Já durante o curso, ele procurara minha disciplina porque queria ter aulas com aquele que foi um dos inspiradores de sua vocação científica.

Esse, sem dúvida, foi um dos melhores retornos que tive de todo o meu trabalho acadêmico ao longo de mais de 20 anos de carreira.

Neste texto, em clima de festa, compartilhei parte de minha história de divulgador – além da coluna, mantenho outras atividades de divulgação científica no Laboratório Aberto de Interatividade da UFSCar. Espero que outros colegas se interessem também por fazer com que a ciência chegue ao público em geral. Neste período de tantas turbulências políticas, é fundamental que as pessoas percebam o quanto a ciência é importante para o nosso país. Mas, para isso, precisamos mostrá-la de maneira simples, instigante e clara – uma grande missão que só se torna factível quando compartilhada.
 

Adlson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos