Mãos de borracha, dessas encontradas em lojas de mágica, podem ser bastante realistas — mas se você pousar uma delas sobre a mesa, é pouco provável que você a confunda com uma de suas próprias mãos. Curiosamente, isso não é impossível. Com a mão de carne e osso escondida sob a mesa e a de borracha na posição correspondente visível sobre a mesa, basta que você sinta alguém tocar em um de seus dedos de verdade ao mesmo tempo que vê alguém tocar o mesmo dedo da mão de borracha e, como num passe de mágica, a falsa, sobre a mesa, passa a ser ‘sua’.
A ilusão da mão de borracha resulta da interação da visão, tato e propriocepção no córtex, e da dominância da visão sobre a propriocepção (termo que designa a sensibilidade própria aos ossos e músculos). Além disso, sabe-se que essa ilusão envolve os córtices parietal (no alto da cabeça) e frontal. As evidências vêm da localização de lesões corticais que causam uma condição bizarra em que uma parte do corpo deixa de ser reconhecida como própria (e é confundida, por exemplo, com a perna de um cadáver entrecoberta pelos lençóis!), e de registros eletrofisiológicos feitos em macacos na mesma situação que provoca a ilusão.
Populações neuronais que representam as posições aparente e real da mão são de fato encontradas nas regiões parietal e pré-motora do córtex de macacos apresentados à ilusão-da-mão-de-borracha. O problema, no entanto, é que macacos não falam. Assim, como saber se a atividade nessas regiões de fato corresponde à sensação de propriedade de uma parte do corpo?
Henrik Ehrsson, Charles Spence e Richard Passingham, do Instituto de Neurologia de Londres e da Universidade Oxford, na Inglaterra, resolveram a questão criando a ilusão da mão de borracha para voluntários sadios dentro de um aparelho de ressonância magnética.
Quando a posição da mão falsa e toques sincronizados nas mãos falsa e verdadeira permitiam a sensação de ‘apropriação’ da mão de borracha — e somente nessas condições –, havia ativação do córtex pré-motor, que recebe as informações multissensoriais integradas pelo córtex parietal posterior. Quanto mais forte a sensação de apropriação da mão de borracha, inclusive, mais forte havia sido a ativação do córtex pré-motor, e também do cerebelo.
No artigo que relata os resultados do estudo, publicado em 6 de agosto na revista Science, os autores sugerem que o córtex pré-motor é capaz de realocar a noção de ‘espaço corporal’ que norteia os movimentos em função de sinais dos sentidos.
Saber que uma mão e não a outra lhe pertence, portanto, seria uma questão de integração multissensorial em regiões parietais e cerebelares, seguida da recalibração de representações proprioceptivas que guiam os movimentos, e por fim da ‘apropriação’ daquele membro pelo córtex pré-motor — talvez à medida que este usa as informações integradas dos vários sentidos e passa a antecipar movimentos daquela mão.
Tudo isso lembra aquela brincadeira de criança onde se entrelaçam os dedos das mãos, com os braços retorcidos, e tenta-se mover um dos dedos, mas um dedo escolhido por outra pessoa. Você pode olhar à vontade, mas só terá certeza de qual dedo mover… quando já tiver movido um dos dedos!
Pensando assim, talvez a razão para a mão de borracha sobre a mesa ser apenas uma mão de borracha para a maioria das pessoas seja mais simples do que se pensava. É que você tenta movê-la, mas ela não obedece…
Fonte: Ehrsson HH, Spence C, Passingham RE. That’s my hand! Activity in premotor cortex reflects feeling of ownership of a limb. Science 305, 875-877 (2004).
Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia