Farejando o câncer

Devido à sua capacidade olfativa, de 10.000 a 100.000 vezes superior à dos humanos, cães poderiam ser treinados para identificar compostos produzidos por células cancerosas.

A utilização de cães para avaliar a presença de câncer pode parecer uma pesquisa candidata ao Prêmio IgNobel, a paródia do Nobel concedida às mais absurdas investigações científicas. Porém, Carolyn Willis e colaboradores do Hospital Amersham, na Inglaterra, se dedicam ao tema e recentemente tiveram seus surpreendentes resultados publicados na prestigiada revista British Medical Journal . Apesar da extravagância aparente, há um certo sentido nessa idéia.
 
A equipe de Willis valeu-se da capacidade olfativa dos cães – de 10.000 a 100.000 vezes superior à nossa – para identificar proteínas excretadas por células tumorais na urina de pacientes com câncer de bexiga. Comparações foram feitas com amostras de voluntários sadios ou com outras doenças.
 
Os cães conseguiram distinguir corretamente 41% das amostras. Pode parecer pouco, mas é um valor quase três vezes maior do que seria esperado se a escolha fosse casual. Porém, os animais não tiveram sucesso no caso de alguns dos pacientes com câncer, indicando que há uma variação na excreção de compostos na urina entre as pessoas. No entanto, o resultado mais interessante foi a descoberta de um caso de câncer renal em um voluntário, considerado sadio pelos testes iniciais e indicado como positivo por todos os cães!
 
Pesquisas desse tipo não são novidade. Casos de cães atraídos por regiões do corpo de seus donos e que, posteriormente, mostraram-se provenientes de emanações geradas por tumores de pele foram reportados anteriormente. Porém, imaginar ser cheirado por um cão em um consultório médico ou entregar nossa urina para ser analisada por um animal é algo improvável e exótico.
 
Métodos pouco convencionais
A descoberta precoce é essencial para o tratamento de vários tumores. Em diversos casos, a doença é descoberta apenas quando se desenvolveu e se espalhou por outros locais (metástase), tornando seu prognóstico de cura muito baixo. Por isso, diversas tentativas têm sido feitas para se descobrir alternativas para detecção precoce de tumores.
 
É extremamente difícil, porém, identificar poucos milhares de células transformadas entre as trilhões de células normais de um paciente. Por isso, alguns pesquisadores têm buscado alternativas que não utilizam os métodos tradicionais. Há alguns anos, por exemplo, pesquisadores da Universidade de Roma analisaram com sensores eletrônicos a respiração de pacientes com câncer de pulmão e descobriram que substâncias químicas voláteis liberadas por essas pessoas poderiam ser utilizadas para a detecção da doença.
 
Limites das técnicas atuais
Alguns tipos de câncer podem ser encontrados por auto-exame, por exames clínicos ou em laboratório através de biópsias ou testes bioquímicos. Contudo, esses métodos têm limitações e muitas vezes só descobrem o câncer tardiamente. Por exemplo, estima-se que um tumor de mama necessita em média de 17 anos para atingir 1cm 2 – tamanho que pode ser revelado pelo auto-exame, mas que já pode já ter gerado metástases. Apesar de exames como mamografia e colonoscopia serem mais eficientes para a identificação de lesões pré-cancerígenas, o custo elevado não permite seu uso em testes de rotina. Além disso, há tumores que sofrem metástases antes que possam ser detectados pelos métodos mais sensíveis existentes atualmente.
 
Há, portanto, um grande esforço para se desenvolver métodos simples, baratos e pouco invasivos para detectar precocemente o câncer em um período pré-sintomático. Idealmente, no futuro seremos capazes de detectar, através de exames de fezes, sangue, urina ou do ar exalado pelos pulmões, moléculas excretadas por tumores compostos por um número pequeno de células transformadas e ainda restritas ao seu local original. Esse processo é muito mais complexo do que pode parecer, pois depende da descoberta de algumas poucas moléculas específicas no meio de milhões de outras excretadas. Porém, o exemplo dos cães ingleses mostra que isso pode ser feito e que não devemos perder a esperança. 

Jerry Carvalho Borges
Universidade do Texas em San Antonio
(pós-doutorando)
20/01/2006