Quando se fala em dinossauro, uma imagem típica vem logo à cabeça: animais grandes, de pescoço e cauda compridos, corpo enorme e cabeça pequena. São essas as principais feições de um grupo chamado Sauropoda – justamente aquele a que pertence a mais recente descoberta desses répteis no Brasil: o Brasilotitan nemophagus.
Falar sobre essa descoberta, cujo estudo foi liderado pela paleontóloga Elaine Machado, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e publicado na revista Zootaxa, é uma boa maneira de dar continuidade ao levantamento dos dinossauros encontrados em território nacional, iniciado no ano passado nesta coluna.
Dos grupos de dinossauros encontrados no país, o mais bem representado é o dos saurópodes. Adicionando-se o Brasilotitan à ‘família brasileira’, já são dez espécies válidas descritas, das 22 conhecidas até agora. E, a julgar pela atividade de campo que tem sido realizada por diversos grupos de pesquisa, esse número deve aumentar no decorrer dos próximos anos.
Apesar das semelhanças anatômicas em relação ao corpo e à cabeça, diversos aspectos separam os grupos de saurópodes. Em alguns, como o Brachiosaurus (Brachiosauridae), encontrado em rochas jurássicas dos Estados Unidos e da África, os braços eram mais longos que as pernas, o que lhes dava uma postura semelhante à das girafas. Uma réplica de metal de um esqueleto completo desse dinossauro pode ser vista na entrada do Museu Field de História Natural, em Chicago.
Outros saurópodes possuíam pescoços bem mais compridos que os demais, como o Mamenchisaurus (Mamenchisauridae), encontrado em depósitos jurássicos da China. Aliás, o pescoço era responsável por praticamente a metade de seu comprimento.
Gigantes que comiam plantas
Em termos de alimentação, os dinossauros saurópodes são herbívoros. Sua dentição varia bastante e há duas formas principais. A primeira, presente nas espécies mais basais, é formada por dentes de coroa larga, curta e espatulada, como é o caso do Camarasaurus (Camarasauridae), cujos restos são encontrados em rochas jurássicas de Utah e do Colorado, nos Estados Unidos. A segunda é formada por dentes longos e mais finos, bem típicos de Diplodocus (Diplodocoidae) e do novo dinossauro brasileiro Brasilotitan (Titanosauria).
O tamanho dos saurópodes pode variar bastante, desde espécies ‘pequenas’, que medem, da ponta do focinho à cauda, de seis a oito metros, até verdadeiros gigantes, como o Futalognkosaurus e o Argentinosaurus, ambos do Cretáceo de Neuquén (Argentina), que atingiam mais de 30 m. Esses últimos faziam parte dos maiores animais que já andaram sobre o nosso planeta.
No Brasil, o maior dinossauro do grupo dos saurópodes é até o momento o Maxakalisaurus topai. O único exemplar conhecido, em exposição no Museu Nacional/UFRJ, tem 13 m de comprimento. Há dinossauros ainda maiores em nosso país, que chegam a ultrapassar 20 m, mas ainda não foram descritos.
Até agora foram registrados apenas dois grupos de saurópodes no Brasil. O primeiro é o Diplodocoidea, relativamente comum nos Estados Unidos e na África e com boa diversidade na Argentina. Entre nós, a única espécie descrita é o Amazonsaurus maranhensis.
Embora conhecido apenas por algumas vértebras e poucos ossos do esqueleto, todos encontrados em depósitos cretáceos da bacia do Parnaíba, no Maranhão, esse dinossauro é importante por registrar de forma conclusiva os diplodocídeos no Brasil.
Titanossauros
Um segundo grupo, bem mais abundante e diversificado, são os titanossauros. Aliás, a maior parte dos restos de dinossauros encontrados em território nacional é desse grupo. Até o momento foram computadas nove espécies válidas. Os titanossauros eram abundantes na América do Sul e na África, e bem mais raros nos Estados Unidos e na Europa.
Entre os titanossauros mais completos recuperados no Brasil está o Trigonosaurus pricei, conhecido por dois exemplares: um conjunto de vértebras da cauda e uma coluna vertebral com pescoço, região dorsal, sacral e cauda. Todos esses ossos foram encontrados na região de Peirópolis (MG), particularmente rica em restos desses répteis.
Outro titanossauro bastante completo é o Gondwanatitan, procedente de Presidente Prudente (SP), do qual se conhecem, além da coluna vertebral, restos dos membros anteriores e posteriores e ossos da bacia.
Esse dinossauro, vale a pena lembrar, era uma das peças principais da exposição No tempo dos dinossauros, organizada pelo Museu Nacional/UFRJ e pelo Museu de Ciências da Terra. Hoje está na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), no Rio de Janeiro. Sem contar com o Maxakalisaurus, que pode ser considerado o mais completo saurópode brasileiro descoberto até agora.
Aumentando a família
A nova descoberta – o Brasilotitan nemophagus – foi realizada pelo colega William Nava, do Museu de Paleontologia de Marília (SP). O material foi encontrado nas proximidades de Presidente Prudente e, como é comum no caso desses grandes dinossauros, está incompleto: constitui-se basicamente de algumas vértebras do pescoço e ossos da região pélvica.
Esses ossos revelam um animal relativamente pequeno, com cerca de 8 m de comprimento. Mas, para alegria dos pesquisadores, parte da mandíbula foi encontrada junto com o esqueleto. Parece estranho, mas são raras as espécies das quais há evidências das arcadas dentárias, tanto no Brasil como no exterior.
E o mais interessante: no caso do Brasilotitan, estudos feitos com o auxílio de tomografia (técnica cada vez mais presente nas pesquisas paleontológicas) revelaram que esse dinossauro tinha uma sequência de três fileiras dentárias.
Isso significa que, enquanto o primeiro dente ia sendo usado e se desgastando, outros dois, de substituição, já estavam em formação. Ou seja: o crescimento dentário da espécie era contínuo, uma feição bem reptiliana, mas que ainda não havia sido documentada em um dinossauro saurópode brasileiro.
Ademais, a mandíbula de Brasilotitan tinha uma forma quadrada, semelhante ao que já havia sido reportado em uma espécie da argentina denominada Bonitasaura, com a qual a nova espécie brasileira é aparentada.
A descoberta é mais uma peça do enorme e complexo quebra-cabeça que é a evolução dos saurópodes. Aguardamos novas surpresas, que deverão ser trazidas por pesquisadores brasileiros para elucidar a evolução dessas criaturas fantásticas que eram os dinossauros.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
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A reunião anual dos paleontólogos do Rio de Janeiro e Espírito Santo está marcada para o dia 11 de dezembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências. O evento trará novidades sobre a pesquisa de fósseis realizada por paleontólogos sediados nesses estados. Participe! Mais informações pelo e-mail: [email protected]
Saiu a publicação Paleonotícias On-line, editada pelo Núcleo RJ/ES da Sociedade Brasileira de Paleontologia. Além de uma homenagem ao pesquisador Cândido Simões Ferreira, recentemente falecido, o boletim traz entrevistas com pesquisadores e uma divertida história contada pela colega Norma Cruz (CPRM), intitulada O banho de Pirabas. Vale a pena conferir.
As pesquisadoras argentinas Laura Codorniú (Universidad Nacional de San Luis) e Zulma Gasparini (Museo de La Plata) acabam de publicar novo artigo sobre pterossauros da Argentina, com a descrição de uma nova espécie – Wenupteryx uzii –, feita a partir de um exemplar formado por um esqueleto parcial, desprovido de crânio. O achado é o mais completo registro de um réptil voador do Jurássico encontrado na América do Sul até agora. O trabalho foi publicado com destaque pela Earth and Environmental Science Transactions of the Royal Society of Edinburgh.
Pesquisadores da Ucrânia acabam de descrever a ocorrência de dois crânios de baleia coletados na parte sul do oceano Índico, por meio da técnica de pesca conhecida como arrastão. Pavel Gol’din e Karina Vishnyakova (ambos da Taurida National University, Crimeia) identificaram os dois achados como pertencentes ao gênero Africanacetus. Essa é, portanto, a ocorrência mais ao sul dessa baleia de que se tem notícia. O artigo foi publicado na Acta Palaeontologica Polonica.
Entre os interessantes artigos publicados pelo Journal of Paleontology, destaca-se o artigo de Paul Taylor (Natural History Museum, Londres) e colegas, que reinterpretaram um fóssil complexo denominado Pywackia, encontrado em rochas do Cambriano, um tempo no qual houve grande diversificação do reino animal, com o surgimento de diversas formas bem peculiares. Os pesquisadores inicialmente o interpretaram como um briozoário, mas puderam estabelecer depois que esses exemplares de Pywackia, coletados no México, são, na realidade, um tipo de coral.
Uma equipe de pesquisadores brasileiros publicou importante trabalho sobre microfósseis procedentes das bacias marginais brasileiras, algumas com reconhecido potencial petrolífero. Estudando ostrácodes (diminutos crustáceos), Enelise Piovesan (Universidade Vale dos Sinos, RS) e colaboradores revisaram todas as formas desses invertebrados encontradas em rochas com idade que vão do Aptiano ao Santoniano (~125-84 milhões de anos) e apresentam seis novas espécies. O estudo foi publicado no Journal of South American Earth Sciences.