Fotoaclimatação, uso eficiente da luz

A vida na Terra depende essencialmente da fotossíntese, processo pelo qual a energia solar é usada para gerar biomassa. O processo tem início com a captação da energia solar por bactérias fotossintetizantes. Uma vez captada, ela se propaga através de reações químicas até atingir o ponto em que há produção de glicose.

Um aspecto limitante nesse processo é que a maioria dos sistemas naturais capta luz na faixa visível, cujos comprimentos de onda variam de 400 a 700 nanômetros (nm). A eficiência seria muito maior se todas as frequências pudessem ser captadas. Para se ter ideia do ganho, vejamos o seguinte cálculo.

Bastaria um pequeno aumento no limite superior, digamos 750 nm, para se ter um aumento de 19% na energia captada. Portanto, o ganho seria enorme se todo o espectro da radiação solar pudesse ser aproveitado em processos de fotossíntese.

Fotossíntese
Representação do processo de fotossíntese, que tem início com a captação de energia solar. Esta, uma vez captada, se propaga por meio de reações químicas até atingir o ponto em que há produção de glicose. (imagem: Minzinho/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)

Vários pesquisadores, inclusive brasileiros, vêm tentando elaborar sistemas artificiais para aumentar o espectro de frequências a serem utilizadas nesses processos. A natureza também evoluiu para fazer a mesma coisa, ou seja, modificar alguns mecanismos dos sistemas fotossintetizantes para expandir o espectro de captação da luz solar.

Processo evolutivo

É bem sabido que o principal material fotossintetizante em bactérias terrestres é a clorofila a, que absorve luz na faixa central do espectro visível, e que em bactérias marinhas predomina a clorofila d, que é capaz de absorver luz na faixa do infravermelho.

Trata-se de um processo evolutivo para tornar mais eficiente a fotossíntese nas profundezas do oceano

Recentemente, foi descoberto um novo tipo de clorofila, denominado clorofila f, ainda mais eficiente do que a d na absorção de luz na faixa entre o vermelho longínquo e o infravermelho. Trata-se de um processo evolutivo para tornar mais eficiente a fotossíntese nas profundezas do oceano.

Denominado fotoaclimatação ao vermelho longínquo, o processo permite que bactérias do fundo do mar aproveitem a luz que lhes resta, na faixa do vermelho bem próxima do infravermelho, para realizar a fotossíntese. Essa hipótese de um processo evolutivo foi testada recentemente por Donald A. Bryant e colaboradores, e os resultados foram publicados na edição de 12 de setembro da revista Science.

Clorofila a
Modelo espacial da molécula de ‘clorofila a’, principal material fotossintetizante de bactérias terrestres. Esse tipo de clorofila absorve luz na faixa central do espectro visível. (imagem: Wikimedia Commons)

Para apreciar melhor o impacto dessa descoberta, convém saber que existem dois processos de fotossíntese: um envolvendo oxigênio e outro sem oxigênio. Os processos anoxigênicos absorvem luz em uma faixa espectral mais ampla do que os oxigênicos, que dependem da clorofila e absorvem na faixa apontada acima, entre 400 e 700 nm.

As razões para esse limite espectral de 700 nm, bem conhecidas dos pesquisadores da biologia, têm a ver com energias necessárias em processos quânticos e para realizar reações de oxirredução, mas os fundamentos conceituais usados até agora deverão ser reavaliados em consequência da descoberta da clorofila f. Os resultados apresentados no artigo da Science constituem um passo importante na direção dessa reavaliação.

Cianobactérias

O objeto de estudo de Bryant e colaboradores foi a cianobactéria Leptolyngbya, que os autores apelidaram de JSC-1. Quando submetida a radiação com comprimento de onda superior a 700 nm, a JSC-1 ajusta seu aparato fotossintetizante para absorvê-la.

Isso é feito por meio da síntese das clorofilas d e f. Os pesquisadores observaram o processo de síntese quando células de JSC-1 cresceram em ambiente iluminado por radiação com comprimento de onda igual ou superior a 700 nm.

Entender esse processo poderá contribuir para o avanço da engenharia genética, na medida em que ele poderá ser artificialmente introduzido em outras plantas

Mais interessante que sintetizar a clorofila f, é o fato de JSC-1 mudar sua estrutura genômica quando a luz que a irradia passa de branca a vermelha, processo que os autores denominam fotoaclimatação no vermelho longínquo (FaRLiP, na sigla em inglês), por eles considerado o principal responsável pelo aumento da eficiência da fotossíntese produzida pela cianobactéria quando iluminada por luz vermelha.

O mais curioso de tudo isso é que o sequenciamento genético realizado nesse estudo mostra que as cianobactérias podem manter cópias de genes, uma espécie de reserva genética, para uso em determinados centros de reação fotoquímica, quando houver necessidade, como é o caso da fotossíntese com luz vermelha.

Entender esse processo poderá contribuir para o avanço da engenharia genética, na medida em que ele poderá ser artificialmente introduzido em outras plantas. Mas essa é uma história que está apenas começando. Novas pesquisas científicas precisam ser planejadas e implementadas antes de se idealizar qualquer aplicação.

Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana