Horizontal ou vertical?

Vocês se lembram da aparição dos dinossauros no filme Jurassic Park – o primeiro da série de longas-metragens dirigida por Steven Spielberg? A cena chega a ser tocante: o paleontólogo Alan Grant fica ao mesmo tempo maravilhado e confuso quando um Brachiosaurus, com seu imenso pescoço, surge na sua frente. De quebra, uma manada desses répteis gigantes aparece ao fundo e dá início à aventura do filme.

Apesar da beleza daquela cena, alguns pesquisadores reclamaram muito de um ponto que, para o grande público, pode parecer um detalhe menor: a posição quase vertical do pescoço do Brachiosaurus que aparece no filme.

Segundo esses cientistas, os saurópodes – designação genérica do grupo em que são classificados os dinossauros herbívoros de grande porte que incluem o próprio Brachiosaurus da África e o Maxakalisaurus do Brasil – somente teriam o seu pescoço em posição quase vertical em ocasiões muito raras. Na maior parte do tempo, os saurópodes gigantes deveriam manter o pescoço mais próximo da linha horizontal.

Reconstrução de um Brachiosaurus com o pescoço verticalizado exposta no Museu Humboldt de História Natural, em Berlim (Alemanha). Foto: Museu Humboldt de História Natural.

Mas um artigo publicado recentemente na Acta Palaeontologica Polonica por Michael Taylor, da Universidade de Portsmouth (Inglaterra), e colegas contesta essa teoria e mostra que a cena do filme de Spielberg pode estar mais próxima da realidade do que se acreditava.

Questão problemática
À primeira vista, essa discussão pode parecer meio irrelevante. Porém, ela toca em um dos principais problemas da paleontologia: como determinamos certas características de animais extintos, como sua forma de locomoção e seus hábitos?

A questão do pescoço dos saurópodes é um bom exemplo de como essas pesquisas são realizadas. Quando se estudam características que envolvem o modo de vida dos animais recentes, por exemplo, a forma mais efetiva é a própria observação dos animais na natureza. Por motivos óbvios, essa atividade não pode ser realizada com fósseis.

Quando um animal extinto pertence a um grupo muito parecido com outro que vive nos dias de hoje, é razoável supor que ambos teriam um comportamento parecido. Infelizmente os dinossauros saurópodes – de corpo gigantesco, cabeça pequena e pescoço muito longo – não se assemelham a nada que passeie na superfície da Terra nos tempos atuais. Nem mesmo o estudo de fósseis de animais de grandes dimensões que viveram em um passado recente, como o mamute e a preguiça gigante, pode ajudar nesse caso.

Logo, para descobrir certas características dos saurópodes, os paleontólogos estão limitados aos fósseis em si. Por meio de estudos de morfologia funcional, que envolvem o manuseio de diferentes elementos do esqueleto, eles procuram estabelecer limites de movimentos e compreender como os animais funcionavam.

Mas esses estudos não são simples como podem parecer e estão longe de se assemelharem ao montar e desmontar peças de um Lego! A pesquisa mais sofisticada envolve, entre outros procedimentos, a reconstrução digital de cada um dos ossos do esqueleto e, por meio de programas complexos e computadores possantes, a indicação dos movimentos possíveis entre cada uma das partes.

Encaixe mais adequado

A ilustração da vista lateral dos ossos do pescoço erguido de um Diplodocus mostra sua disposição vertical (imagem: APP).

No caso dos dinossauros herbívoros gigantes, vários estudos chegaram à conclusão de que o melhor encaixe entre as vértebras do pescoço aconteceria quando houvesse uma sobreposição máxima entre as articulações localizadas na parte anterior e posterior do corpo vertebral, ou seja, entre as pequenas saliências ósseas chamadas de apófises. Esse arranjo é denominado posição osteológica neutra. Nos dinossauros saurópodes, essa posição faria com que o enorme pescoço desses répteis estivesse na maior parte do tempo em posição praticamente horizontal. Ou seja, bem diferente do que foi apresentado em Jurassic Park.

Para testar esse modelo, Michael Taylor e colegas resolveram analisar o que ocorre na natureza com os vertebrados recentes. Estudos publicados sobre diversos grupos de aves e mamíferos demonstraram que a grande maioria mantém o seu pescoço em posição vertical e não horizontal. Essa disposição é comum, sobretudo em animais que possuem as pernas e os braços posicionados diretamente abaixo do corpo, como as girafas – e como se supõe que sejam os saurópodes de grande porte. Mesmo lagartos e crocodilos, cujos membros ficam mais afastados e não diretamente abaixo do corpo, mantêm os seus pescoços mais eretos em relação à coluna vertebral durante grande parte do tempo em que estão ativos.

Com base nesses estudos, Taylor e colegas acreditam que manter o pescoço em posição quase vertical seria não apenas possível para os saurópodes, como também a postura mais habitual desses grandes répteis extintos.

Quem está correto nessa análise? Infelizmente esse tipo de estudo sempre será de difícil comprovação. Não há dúvida de que o novo olhar sobre a postura dos saurópodes trazido pelos pesquisadores ingleses resulta em argumentos interessantes e pertinentes e abre um novo leque de possibilidades para se entender um pouco mais o funcionamento desses gigantes do passado. Mas a pesquisa continua…

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
16/06/2009

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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O Museu Nacional/UFRJ acaba de concluir a primeira fase do projeto De pijama no museu. Apoiado pela Faperj e organizado por uma grande e diversificada equipe – desde pesquisadores do museu e educadores até atores –, o projeto possibilitou que 20 crianças do Colégio de Aplicação da Uerj passassem uma noite (de sábado para domingo) nas dependências do museu, dormindo na sala dos dinossauros. A proposta é apresentar, de maneira lúdica, alguns temas interessantes exibidos no museu, como paleontologia, arqueologia, estudo dos meteoritos, pesquisas indígenas, entre outros. Após a realização de mais duas edições, existe a possibilidade de tornar o projeto permanente, caso seja encontrado um patrocinador. Mais informações podem ser obtidas diretamente no Museu Nacional.
Pesquisadores chineses, americanos e ingleses acabam de descrever o dinossauro Anchiornis huxleyi – em homenagem a Thomas Huxley, um dos pioneiros no estudo da origem das aves. Xu Xing (Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, Beijing) e colegas estabeleceram que essa nova espécie de maniraptor está na linha evolutiva das aves, sobretudo no que tange ao tamanho dos membros anteriores. O exemplar, cujo estudo foi publicado no Chinese Science Bulletin, foi encontrado nos depósitos de Liaoning, na China.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Montana (Estados Unidos) estão organizando o 4° Simpósio Internacional de Ovos e Filhotes de Dinossauros. O evento, que será realizado de 8 a 10 de agosto, procura congregar pesquisadores interessados em questões relacionadas ao desenvolvimento e ontogenia dos dinossauros e à ampliação de técnicas para melhor estudar as cascas de ovos desses répteis. Mais informações: [email protected] .

Attila Ösi e Edina Prondvai descrevem um novo exemplar do pterossauro Rhamphorhynchus muensteri e revelam particularidades desse réptil voador desconhecidas até então (como detalhes dos dentes e do esterno) na revista Neues Jahrbuch f. Geologie and Paläontologie. O exemplar estava “esquecido” no Museu de História Natural de Budapeste (Hungria), o que demonstra que, por vezes, importantes descobertas podem ser feitas nos “porões” de museus.

Acaba de ser publicada pela Plos One a descrição de um novo primata fóssil que recebeu o nome de Darwinius massillae. Baseado em um esqueleto praticamente completo, o exemplar é procedente da famosa bacia Messel (Alemanha), que tem camadas com aproximadamente 50 milhões de anos. Divulgado em uma coletiva de imprensa no Museu de História Natural Americano (Nova Iorque), o estudo foi liderado por Jens Franzen (Museu de Senckenberg, Alemanha) e contribui para um melhor entendimento dos passos evolutivos dos primatas.
Um estudo coordenado por Victor Dominato (Laboratório de Mastozoologia, Unirio) encontrou evidências da ação de insetos em exemplares fósseis de Stegomastodon – um mastodonte, parente distante dos elefantes. Os pesquisadores descobriram uma série de perfurações parecidas com as feitas por coleópteros (besouros) em algumas vértebras procedentes de depósitos do Pleistoceno (há aproximadamente 10 mil anos) da famosa localidade de Águas do Araxá, em Minas Gerais. A pesquisa foi publicada na Revista Brasileira de Paleontologia.