Ilha do Cajual: um cemitério de fósseis

Geralmente os filmes de ficção que retratam dinossauros se passam em lugares inóspitos, de difícil acesso e desconhecidos pela maior parte das pessoas. Na maioria das vezes, são ilhas com uma população nativa bem diferente dos homens das cidades e onde os dinossauros sobreviveram ao tempo. O mais curioso é que, no Brasil, existe um lugar real bem parecido com essa descrição: a ilha do Cajual.

Distante a algumas horas de barco de São Luís, capital do estado do Maranhão, em plena baía de São Marcos, a ilha do Cajual é um lugar inóspito. Nessa ilha, que abriga uma pequena comunidade descendente de escravos, parece que o tempo parou. O povoado maior é chamado de Tijuca e a atividade da população está concentrada na agricultura de subsistência e na pesca. A ‘casa de farinha’ é a principal construção e o meio de transporte ainda é o carro de boi.

E os dinossauros? Bem, eles realmente sobreviveram ao tempo naquele lugar –naturalmente não estão vivos como nos filmes, mas preservados em rochas em uma área conhecida como ‘Laje do Coringa’. Ao todo são centenas de fragmentos de vértebras, dentes, escamas de peixes e troncos de vegetais e uma variedade de pedaços de ossos, por vezes formando verdadeiros ‘tapetes’ de fósseis (veja figuras). São formas que há 95 milhões de anos dominavam essa região.

Mas como um lugar assim foi descoberto? Ainda mais quando se tem em conta que a Laje do Coringa fica aproximadamente dois metros debaixo d’água quando a maré está cheia e pode ser visitada apenas por algumas horas durante o dia…

De certa forma, pode-se dizer que esse depósito fossilífero foi encontrado por acaso. Um pesquisador, Francisco Corrêa Martins, realizava um trabalho de mapeamento na região quando uma formação rochosa que aparecia durante a maré baixa chamou sua atenção. Então, ele caminhou por quase dois quilômetros e, entre uma rocha e outra, acabou encontrando vários fósseis. Estudante de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na época, ele levou para a instituição o material, que acabou sendo identificado como restos de vertebrados fósseis. A partir dali, foram realizadas na região várias expedições de diferentes grupos de pesquisa, sobretudo da UFRJ e da Universidade Federal do Maranhão, esta última com coletas sistemáticas feitas todos os anos.

Riqueza fossilífera
Mas o que foi encontrado até agora? A lista é imensa: dezenas de exemplares, a maioria depositada no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão (veja figuras), em São Luís. Entre os principais estão troncos de coníferas e pteridófitas (samambaias), que formavam uma extensa vegetação nessa região. Também foram encontrados restos de vários peixes e crocodilomofos. Houve até pesquisadores que acreditaram na presença de répteis marinhos, mas essa informação parece ainda ser meio duvidosa. O destaque, no entanto, são os dinossauros.

A maioria dos dinossauros da Laje do Coringa foi identificada a partir de restos de vértebras caudais. Em termos de saurópodos (animais herbívoros geralmente de grande porte), existem relatos de espécies do grupo Titanosauridae, o mais comum na América Latina e na África. Também se supõe que formas de titanossauros mais primitivos, como Andesauridae, e mais derivados, como Saltasaurinae, estariam presentes. Até espécimes atribuídos ao grupo africano conhecido como Brachiosauridae (animais com os membros anteriores mais altos que os posteriores) poderiam estar vivendo naquela região no passado. No entanto, sempre é bom lembrar que todas as identificações são baseadas em vértebras da cauda e, por isso, algumas ainda precisam ser confirmadas.

Em termos de dinossauros carnívoros, foi relatada a presença do gênero Sigilmassasaurus (ou alguma forma semelhante). Mas o predomínio é de dinossauros dos grupos Spinosauridae e Carcharodontosauridae, que foram reconhecidos por dentes isolados. É interessante ressaltar que o grupo dos espinossauros também foi encontrado na bacia do Araripe, sugerindo que possivelmente o Nordeste brasileiro, assim como grande parte da África, era povoado por esse tipo de dinossauro, talvez o mais importante grupo de carnívoros na região durante parte do Cretáceo.

Não é muito fácil saber se esses dinossauros conviveram uns com os outros. Existe a possibilidade de que todo esse material tenha se acumulado ao longo de muito tempo e que muitos dos fósseis tenham sido retrabalhados, ou seja, tenham vindo de outro lugar, carreados para um ponto onde posteriormente se formou a Laje do Coringa. Em todo caso, esses restos de dinossauros são muito semelhantes a formas encontradas na África. Isso é outra linha de evidência que sugere que havia uma ligação grande entre os continentes da América do Sul e da África, com dinossauros passando de um lado para o outro.

A notícia ruim é que a Laje do Coringa está acabando. A cada crescida da maré, muitas partes da rocha se soltam. Trata-se de um processo natural que, infelizmente, também destrói muitos fósseis – uma pena. Que as cerimônias do ‘Tambor de Mina’ e do ‘Tambor de Criola’, heranças da cultura escrava que ainda são celebradas pela população local, traga a proteção dos deuses para que o depósito tenha uma vida longa!

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
19/10/2006

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Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia

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Entre as diversas instituições científicas que participam da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia está o Museu Nacional da UFRJ. Nos dias 20, 21 e 22 de outubro, a instituição realizará diversas atividades na Feira de São Cristóvão (Rio de Janeiro), como reconhecimento de meteoritos e exposição de paleoarte, além de uma caminhada no parque da Quinta da Boa Vista para observar a fauna e a flora locais. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail: [email protected] .
O pesquisador italiano Fabio Dalla Vecchia acaba de descrever um novo réptil marinho de sedimentos triássicos (cerca de 225 milhões de anos) nos Alpes, região nordeste da Itália. Batizada de Bobosaurus forojuliensis – em homenagem a Roberto ‘Bobo’ Rigo, que encontrou o exemplar –, a nova espécie tem características intermediárias de dois grupos de répteis marinhos (os plesiossauros e os notossauros), o que indica que a distinção entre eles é mais complexa do que se supunha. O estudo foi publicado na Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia .
O dinossauro carnívoro Coelophysis , encontrado em rochas de 210 milhões de anos nos Estados Unidos, era considerado o melhor exemplo da existência de canibalismo entre os dinossauros, já que alguns exemplares teriam supostamente indivíduos da mesma espécie no seu estômago. No entanto, um estudo que contesta essa hipótese acaba de ser publicado na revista britânica Biology Letters . Liderados por S. J. Nesbitt, pesquisadores dos Estados Unidos reexaminaram o conteúdo estomacal de dois exemplares de Coleophysis e, ao contrário do que se pensava, os restos pertenciam a crocodilomorfos e não a dinossauros. Dessa forma, os autores defendem que o canibalismo entre dinossauros deve ter sido bem mais raro do que se supõe.
Por iniciativa do professor Samuel Bowring, o Massachusetts Institute of Technology ( Department of Earth, Atmospheric and Planetary Sciences ) está reunindo desde 2003 pesquisadores de todo o mundo para precisar mais a idade de diversos eventos que ocorreram na Terra, como a extinção dos dinossauros não-avianos há 65 milhões de anos. O projeto, denominado de Earthtime , inclui mais de 200 pesquisadores, que estão procurando definir a idade das camadas da Terra com uma margem de erro menor do que 0,1%, trabalho bem mais preciso do que se tem atualmente. Mais informações: http://web.mit.edu/newsoffice/2006/earthtime.html .
A Society of Vertebrate Paleontology realiza sua reunião anual em Ottawa, no Canadá, entre os dias 18 e 21 de outubro. Nesse evento, o principal sobre vertebrados fósseis em todo o mundo, serão apresentadas centenas de comunicações sobre as pesquisas realizadas em diversos países. Mais informações: www.vertpaleo.org .
No Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza da UFRJ, de 4 a 6 dezembro deste ano, será realizada a III Jornada Fluminense de Paleontologia. O evento contará com cursos e palestras, além da apresentação de trabalhos. Mais informações no site http://br.geocities.com/jfpaleo3/ ou [email protected] .