Inteligência nas horas certas

Ele é de fato inteligente ou será apenas questão de boa memória e concentração? Talvez as três coisas, sobretudo se aparecem sempre na hora certa. De acordo com um estudo publicado na revista Nature Neuroscience de março, pessoas com um alto índice de ’inteligência geral fluida’ apresentam atividade mais pronunciada no córtex pré-frontal do que outras — e somente quando necessário para resolver problemas mais cabeludos.

Jeremy Gray, Christopher Chabris e Todd Braver, do Departamento de Psicologia das Universidades Washington e Harvard (EUA), conseguiram chegar a essa conclusão quando resolveram NÃO ir atrás de diferenças em geral no funcionamento do cérebro de pessoas de diferentes habilidades. As vantagens de quem tem um índice elevado de ’inteligência geral fluida’ — uma medida da capacidade de raciocínio e solução de novos problemas — são particularmente evidentes em situações difíceis, que requerem muita concentração e habilidade de manter ’na cabeça’ somente os dados relevantes. Sabendo disso, a equipe decidiu investigar diferenças entre indivíduos justamente nesses momentos difíceis, quando os ’mais inteligentes’ se saem melhor.

A tarefa dos 48 voluntários era simples, porém capciosa: para cada item de uma lista, dizer se outro igual havia aparecido exatos três itens atrás (nem um a mais ou a menos), tomando cuidado especial para não cair em pega-bobos. Por exemplo: na lista A-B-C-A deve-se dizer “sim” ao segundo A; na lista café-banana-café-biscoito-banana, deve-se resistir à tentação de dizer “sim” ao segundo café, e indicar somente a segunda banana. Ou seja: é preciso boa memória e muita concentração.

Os voluntários desempenhavam a tarefa dentro de uma máquina de ressonância magnética funcional, que acompanha o metabolismo em várias regiões do cérebro ao mesmo tempo. Braver e seus colegas estavam interessados nas três regiões que mais participam do controle atencional que permite que o cérebro ’segure’ respostas incorretas ou no momento errado — exatamente o que os voluntários tinham que fazer.

Resultado: para cada item das listas que pedisse sem a menor dúvida um “sim” ou “não”, todos os voluntários apresentavam um grau semelhante de ativação no córtex pré-frontal lateral, no córtex cingulado anterior e no cerebelo, seja qual fosse a ’nota’ previamente obtida por eles em um teste de inteligência fluida. Mas nos momentos em que era preciso resistir aos pega-bobos nas listas, aí sim a coisa mudava: quanto maior a nota do voluntário no teste de inteligência, maior era a ativação nessas regiões do cérebro — e, provavelmente não por coincidência, menos ele caía nos pega-bobos.

Claro que uma correlação não significa que a maior ativação das três regiões estudadas seja a causa das boas notas de alguns voluntários no teste, mas já é um bom começo. Além do mais, tanto a nota nesses testes de inteligência quanto o volume do córtex pré-frontal são parcialmente herdados de nossos pais, o que sugere que essa área, importante para se tomar decisões, pode de fato contribuir para a habilidade de solucionar novos problemas medida nesses testes.

Outras regiões do cérebro também entram em ação durante a tarefa usada no estudo — mas sua atividade não tem nenhuma relação com o grau de inteligência dos voluntários. Na verdade, se não fosse pelos pega-bobos, também não haveria nenhuma diferença na ativação do córtex pré-frontal entre os voluntários. Ao que parece, inteligência não é uma diferença constante no funcionamento do cérebro, e sim uma que aparece justamente quando se precisa dela. O que, de certa forma, é a maneira mais inteligente — e econômica — de o cérebro ser inteligente…

 

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia