Mina de Messel: do lixo ao luxo

Pode até parecer obra de ficção: uma região extremamente importante para o conhecimento científico sendo destruída devido a interesses econômicos de uma poderosa sociedade capitalista. E o enredo não se passa em qualquer país, mas na respeitada Alemanha, que, além de ser uma potência econômica, tem uma sociedade com elevado grau de instrução.

Isso aconteceu com a mina de Messel. Ou melhor, ‘quase’ aconteceu, graças a uma grande articulação da sociedade, que contou, inclusive, com fundamental apoio da comunidade científica internacional.

A mina de Messel situa-se 35 km a sudeste da cidade de Frankfurt e pertence à região de Darmstadt. Conhecida desde 1859, essa mina foi inicialmente explorada devido a um pequeno depósito de carvão. Posteriormente, destacou-se na economia alemã por causa da exploração de petróleo e parafinas, que aconteceu entre 1885 e 1924. Nessa época, a mina chegou a produzir perto de 40% de toda a produção de óleo da Alemanha.

Além do valor econômico, foram encontrados fósseis nas rochas. O primeiro registro data de 1876 e era formado por ossos de um crocodilomorfo.

Crocodilomorfo fóssil
Crocodilomorfo fóssil encontrado na mina de Messel. (foto: Alexander Kellner)

Estima-se que mais de 50 mil fósseis já foram coletados na mina, desde peixes e plantas (que são os mais comuns) até raridades como cavalos pré-históricos, aves, morcegos e até um primata. Alguns deles têm, inclusive, restos de tecidos moles, como membranas, pelos e penas, sem contar alguns insetos que exibem a sua coloração original.

Mas como se formou esse importante depósito fossilífero?

Um lago subtropical

Pode parecer estranho, mas essa pergunta sobre a formação do depósito de Messel somente foi respondida em 2001, por meio de uma técnica chamada furo de sondagem. De forma simplificada, o procedimento – muito utilizado na prospecção de petróleo – consiste em fazer um furo nas rochas e retirar amostras das camadas que se encontram abaixo da superfície.

A amostra recolhida (chamada de testemunho) vem em forma de um longo tubo com mais ou menos um palmo de diâmetro que permite estabelecer, por exemplo, se na região havia um rio, um lago ou um vulcão. No caso da mina de Messel, esse tubo tinha 433 metros de comprimento.

Há aproximadamente 47 milhões de anos havia um vulcão na região que entrou em erupção

Os geólogos puderam então estabelecer que há aproximadamente 47 milhões de anos havia um vulcão na região que entrou em erupção, literalmente espalhando pelos ares as rochas graníticas (e extremamente duras) da região. Formou-se, então, uma grande cratera, que foi preenchida por água e, em curto espaço de tempo, transformou-se em um lago.

Naquela época, o clima era bem mais quente que o atual, em uma região considerada subtropical. Algas começaram a povoar o lago recém-formado, levando a um grande acúmulo de matéria orgânica. O fundo era desprovido de oxigênio e armazenava gases tóxicos, alguns possivelmente oriundos de uma contínua atividade vulcânica.

De tempos em tempos, esses gases tóxicos chegavam à superfície, matando grande parte dos organismos existentes no lago e ao redor dele. Aliás, existem pesquisadores que veem similaridades entre as mortandades ocorridas há 47 milhões de anos naquela região da Alemanha com o que aconteceu, por exemplo, no lago Nyos, em Camarões, onde a liberalização de gases tóxicos causou em 1986 cerca de 1.700 mortes – sem contar os animais e plantas.

O depósito de lixo

A exploração econômica da mina de Messel deixou de ser rentável e ela parou de funcionar em 1962. Mas seu conteúdo fossilífero continuou atraindo a atenção de pesquisadores.

Escavação na mina
Escavação em andamento na mina de Messel. Atualmente a região é usada no treinamento de paleontólogos e explorada apenas para o conhecimento científico. (foto: Alexander Kellner)

Tudo ia bem até 1971, quando o governo do estado de Hessen, onde fica Darmstadt, decidiu fazer ali um depósito de lixo.

Ao saber dessa iniciativa, a população local organizou-se em diversos movimentos, que se tornaram mais oficiais a partir de 1975. Panfletagem, cartas a políticos e um apelo ao chanceler alemão da época, Helmut Schmidt, foram algumas das medidas tomadas. Também houve um importante engajamento da comunidade científica alemã e internacional na forma de abaixo-assinados e dezenas de manifestações públicas.

Quando tudo parecia sob controle, aconteceu o inesperado: as obras do ‘lixão de Messel’ foram iniciadas, contra a vontade popular, em 1981.

Protestos intensificaram-se e bons samaritanos iniciaram – custeando do próprio bolso – mais de 50 processos contra os governantes de Darmstadt. No meio de pequenos avanços e derrotas, houve de tudo, até mesmo uma tentativa de cooptar os pesquisadores, dando-lhes o direito de continuar as atividades de pesquisa em 10% da área pelos próximos 20 anos a partir de 1983. Em 1987, as obras terminaram e o depósito de lixo estava pronto para entrar em funcionamento.

Vitória da preservação

Quando tudo parecia perdido, finalmente a vitória: a Justiça determinou que, apesar dos 65 milhões de marcos (moeda corrente na época) investidos, o ‘lixão de Messel’ não poderia entrar em funcionamento.

Em 1995, a mina de Messel foi reconhecida pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade

Agora o frustrante: seria pelo valor científico daquelas camadas? Ou pelos eventuais danos que pudessem acontecer ao meio ambiente ou à população local? Ou por alguma dificuldade de natureza técnica descoberta na última hora? Não. O funcionamento foi indeferido porque… houve “defeitos jurídicos” nos procedimentos que levaram à autorização do funcionamento daquele depósito de lixo.

Bom, sem entrar no mérito dos ‘porquês’ da negativa, fato é que a comunidade e os pesquisadores não perderam tempo: fizeram um pleito e conseguiram que, em 1995, a mina de Messel fosse reconhecida pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade.

Depois disso, foi estabelecido um geoparque no local, o que lhe garante proteção para as gerações futuras, desde que os governos mantenham o seu compromisso de preservar a região…

Turistas na mina de Messel
Dois turistas seguram um fóssil na mina de Messel. A região é aberta ao público, que tem a possibilidade de aprender detalhes sobre esse importante jazigo fossilífero. (foto: Alexander Kellner)

Felizmente podemos destacar que isso ocorreu. Desde 2010, existe na área um centro moderno, onde toda a história – tanto do surgimento do depósito quanto da sua defesa – é apresentada ao visitante.

Quem estiver na Alemanha e puder passar por lá não perde a viagem.

Veja aqui uma galeria de imagens da mina de Messel

 

Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Parte do capítulo final da novela Morde & Assopra, da Rede Globo, foi filmada no Museu Nacional/UFRJ, com todo o elenco. A filmagem foi feita à frente do dinossauro Maxakalisaurus topai – o Dinoprata –, que foi o primeiro dinossauro de grande porte brasileiro a ser montado. Na trama da novela, ele é o dinossauro encontrado – a duras penas – pela paleontóloga Julia.

Felipe Montefeltro (USP-Ribeirão Preto) e colaboradores acabam de publicar a descrição de um novo crocodilomorfo de depósitos do Cretáceo brasileiro. Pissarrachampsa sera pertence ao grupo dos baurussuquídeos, que reúne animais com dentes serrilhados, semelhantes aos de dinossauros carnívoros. O estudo foi publicado pela Plos One.

Segundo o colega Jorge Calvo (Universidade de Comahue, Argentina), acaba de ser publicado o volume Paleontología y dinosaurios desde América Latina (editora da Universidade Nacional de Cuyo, Argentina), que contém os trabalhos completos do III Congresso Latino-americano de Paleontologia de Vertebrados, realizado em 2008 na cidade argentina de Neuquén. Mais informações pelo e-mail do pesquisador Jorge Calvo.

Agustin Martinelli (Centro de Pesquisas Paleontológicas L.I.Price, Peirópolis, Minas Gerais) e colaboradores acabam de revisar as ocorrências do dinossauro Aeolosaurus, originalmente encontrado na Argentina, nos depósitos brasileiros. Os autores apontam, em estudo publicado na GAEA, para o fato de o material atribuído ao gênero no Brasil ser muito incompleto, fazendo com que essa associação deva ser vista com cautela.

Uma revisão de Podocnemididae, grupo de tartarugas encontradas ainda nos dias de hoje, acaba de ser publicada no Bulletin of the American Museu of Natural History. O trabalho, coordenado por Eugene Gaffney (Museu de História Natural Americano, Nova Iorque), conta com a participação de Diogenes de Almeida Campos (Museu de Ciências da Terra, DNPM-RJ).

Richard J. Butler (Bayerische Staatssammlung für Paläontologie und historische Geologie, Munique) e colegas publicaram na Evolution um estudo onde analisam a influência da coleta de fósseis no entendimento da evolução dos pterossauros. Eles determinaram que ainda existe muito a se fazer para que os cientistas compreendam melhor como esse grupo de répteis alados evoluiu.