Movimento e repouso

No dia a dia, nos deslocamos de casa para o trabalho, para a escola, para o supermercado, entre outros locais (e vice-versa). Isso é feito por meio de transporte coletivo, como ônibus e metrô, ou por meios individuais, como automóvel, bicicleta ou mesmo a pé. Nas grandes cidades, está cada vez mais difícil se deslocar devido aos grandes engarrafamentos. Há muito mais veículos que espaço nas ruas e avenidas. Ficamos mais tempo parados do que em movimento.

No ‘anda-e-para’ do trânsito pesado das grandes cidades, algumas vezes já tivemos a seguinte sensação: nosso veículo está parado, mas o que está ao lado começa a se movimentar, dando a sensação de que nos deslocamos para trás. Quem já esteve em uma grande rodoviária com os ônibus emparelhados também já percebeu isso mais nitidamente. O ônibus ao lado começa a se afastar, mas sentimos que é o nosso que está andando para frente.

Com o olhar um pouco mais atento, quando estamos em uma rodovia reta e plana a uma velocidade constante, a 100 km/h, por exemplo, praticamente não sentimos o movimento do carro. Ao olhar para fora, temos a impressão de que árvores, prédios e demais objetos que estão à margem da rodovia se deslocam no sentido contrário ao do nosso movimento.

Essas observações podem até parecer ingênuas. Afinal, temos certeza de que são os automóveis que se movimentam e não as árvores. Mas, de fato, do ponto de vista estrito da observação, é impossível distinguir quem de fato está em movimento uniforme (em velocidade constante) de quem está em repouso.

Outro fato mais presente e imperceptível para nós são os movimentos da Terra. A cada 23 horas e 56 minutos, a Terra completa uma rotação. Como ela tem cerca de 40 mil km de circunferência no Equador, isso significa que estamos nos movimentando a cerca de 1.700 km/h, ou seja, 40% mais rápido que a velocidade do som.

Veja abaixo o movimento de rotação da Terra

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Rotating earth (large)” por Marvel – Based upon a NASA image, see [1].. Licenciado sob CC BY-SA 3.0 via Wikimedia Commons.

No caso do movimento de translação ao redor do Sol, que leva 365 dias, a velocidade é ainda mais impressionante: 107 mil km/h, quase 90 vezes a velocidade do som. Não sentimos essas velocidades impressionantes. Para nós a Terra está firme e imóvel.

Princípio da inércia

Por tais motivos, o homem levou muitos séculos para compreender de fato o movimento. Os antigos filósofos gregos, como Aristóteles (384 a.C-322 a.C), imaginavam que só poderia haver movimento enquanto o objeto estivesse sob a ação de uma força. Para ele, o movimento é uma mudança de lugar e exige sempre uma causa. Sem a ação dessa causa, o movimento cessaria.

A resposta para essa questão talvez tenha levado à maior unificação que ocorreu em toda a ciência: a unificação do movimento com o repouso. A proposição dessa unificação foi feita por Galileu Galilei (1564-1642) e codificada por Isaac Newton (1642-1727) na sua primeira lei do movimento, o princípio da inércia, que pode ser enunciado da seguinte maneira: “Um corpo em repouso ou em movimento uniforme permanece no estado de repouso ou de movimento uniforme a menos que seja perturbado por forças.”

Galileu e Newton
A unificação do movimento com o repouso, um importante feito na história da ciência, foi proposta por Galileu Galilei (à esquerda) e codificada por Isaac Newton (à direita) em sua primeira lei do movimento, o princípio da inércia. (imagens: Wikimedia Commons)

Por movimento uniforme, Newton queria dizer movimento em velocidade constante ao longo de certa direção. Estar em repouso seria apenas um caso especial de um movimento uniforme – é apenas movimento à velocidade zero.

Como é possível diferenciar movimento e repouso? A chave para a resposta a essa pergunta está em perceber que o estado de repouso ou de movimento de um corpo não tem qualquer significado absoluto.

O estado de repouso ou de movimento de um corpo não tem qualquer significado absoluto

O movimento é apenas definido em relação a um observador, que pode estar em movimento ou não. Se estivermos parados em uma via da rua e outro veículo nos ultrapassar a uma velocidade constante, o volante do nosso carro estará parado para nós, mas para o outro motorista está em movimento em relação a ele.

Existe algum observador que pode saber se está parado ou não? Para Aristóteles, sim; para Galileu e Newton, não. Se a Terra está em movimento e não percebemos, então os observadores em movimento constante não sentem qualquer efeito de seu movimento.

Assim, não podemos dizer se estamos em repouso ou não, e o movimento deve ser considerado puramente relativo. Portanto, quando nos referimos a movimento, devemos sempre esclarecer em relação a que o estamos fazendo. Uma pessoa no interior de um automóvel se move em relação à estrada, mas está em repouso em relação ao banco no qual está sentada.

Há uma ressalva importante a fazer quando nos referimos ao movimento da Terra. A ideia de movimento uniforme e repouso se refere a movimento ao longo de uma linha reta. A Terra, naturalmente, não se move em linha reta, mas os desvios são muito pequenos para ser sentidos diretamente. Se alterarmos o valor da velocidade ou a direção do movimento, podemos senti-lo. Às alterações da velocidade chamamos de aceleração, e essa grandeza pode ter um significado absoluto.

Princípio da relatividade

Quando afirmamos que é a Terra que se move ao redor do Sol e não o contrário, é porque esse movimento só ocorre devido à ação da força da gravidade e, portanto, é acelerado. O movimento elíptico (mas praticamente circular) que a Terra descreve ao redor do Sol acontece em relação ao chamado centro de massa do sistema Sol-Terra. Como a massa do Sol é muito maior que a da Terra (333 mil vezes maior), o centro de massa fica no interior do Sol.

As percepções de Galileu e Newton foram um extraordinário triunfo intelectual. Para os outros, era evidente que o movimento e o repouso eram fenômenos completamente diferentes e facilmente distinguíveis, mas o princípio da inércia os unifica.

A distinção entre estar em movimento ou estar em repouso só faz sentido em relação a um observador, uma vez que diferentes observadores se movem de forma diferente

Para explicar a aparente diferença entre movimento e repouso, Galileu criou o ‘princípio da relatividade’. Nesse princípio, a distinção entre estar em movimento ou estar em repouso só faz sentido em relação a um observador, uma vez que diferentes observadores se movem de forma diferente; cada um deles distingue de modo diferente os objetos que se movem e os que estão em repouso.

Assim, o fato de cada observador fazer uma distinção se mantém, como deve ser. E o movimento ou o repouso de um corpo deixa, portanto, de ser um fenômeno que exija explicação. Aristóteles afirmava que, se um corpo se move, é porque existe uma força que atua sobre ele. Para Newton, se o movimento for uniforme, este continuará para sempre, não sendo necessária nenhuma força para explicar o fenômeno.

Os movimentos, tão simples e tão presentes em nosso cotidiano, trazem em si conceitos que são fundamentais para o entendimento da natureza. O princípio da relatividade de Galileu foi generalizado por Albert Einstein (1879-1955) na Teoria da Relatividade, que levou a mudanças fundamentais na compreensão da natureza do espaço e do tempo e, como consequência, na própria forma de entender o universo. Mas esse é tema para uma outra coluna.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos